113 anos da Resistência do Porto: Memória viva do movimento operário brasileiro

A história do Sind Resistência do Rio de Janeiro se confunde com a própria história do movimento operário brasileiro.

Leandro Fontes 23 abr 2018, 18:39

No dia 28 de abril de 2017, o país vivenciou sua maior greve geral desde o assenso operário dos anos oitenta. No Rio de Janeiro ocorreram paralisações, trancaços de ruas e pontes, piquetes e atos. Um importante evento neste dia conseguiu convergir todas essas formas de luta e resistência da greve. Trata-se do piquete protagonizado pelos trabalhadores do Porto, que contou com apoio de setores organizados da esquerda, do coletivo juvenil Juntos, da Rede Emancipa de Educação Popular e que teve presença destacada do vereador do PSOL David Miranda.

O triunfo desse ato só foi possível, em grande medida, pela combatividade de uma vanguarda da categoria portuária dos arrumadores do portão dezoito. Essa combatividade vem de longe, se confunde com a própria história do Sindicato Portuários Avulso em Capatazias e Arrumadores no Comércio Armazenador no Município do Rio de Janeiro – também chamado de Sind Resistência RJ. Um patrimônio centenário do movimento operário brasileiro, que nessas poucas linhas prestamos uma singela homenagem.

Os primeiros tijolos da organização da classe trabalhadora assalariada no Brasil passaram pelas mãos calejadas dos ex-escravos libertos do café, que foram à gênese da União Operária dos Estivadores. Essa organização se consolidou como instrumento em si no calor da greve geral de vinte seis dias entre agosto e setembro de 1903 no Rio de Janeiro. Esse movimento grevista foi encabeçado pelos operários em fábricas de tecido, mas logo irradiou para outros círculos operários. Entre eles estavam os trabalhadores da estiva. A busca por melhores condições de trabalho, redução da carga horária para oito horas diárias e aumento de salário, se somou a necessidade dos trabalhadores se organizarem. De tal modo, inúmeras categorias foram aumentando seus laços orgânicos associativos e sindicatos foram sendo constituídos sob o clarão da greve de 1903.

Nessa direção, em 1904 foi formada a União dos Trabalhadores de Café. Porém, essa segunda organização vinculada ao cais teve pouco tempo de vida útil. Todavia, em 15 de abril de 1905 foi fundada a União dos Trabalhadores em Trapiche e Café (primeiro nome de batismo do Sind Resistência RJ).

Esse sindicato foi originalmente composto, quase que em sua totalidade, por trabalhadores brasileiros negros. Tal perfil ainda predomina em nossos dias nessa categoria e na direção do sindicato. A natureza dessa associação, em seu período fundacional, estava contida na defesa dos direitos e aspirações dos trabalhadores do trapiche e do café, além das bandeiras: oito horas de trabalho; defender os membros em caso de coação da patronal em tempos de greves; estabelecer uma rede de solidariedade com outros congêneres no país e no mundo; comemorar o dia internacional dos trabalhadores.

Já no ano seguinte a sua fundação, o sindicato passou por sua primeira prova de fogo que foi a greve dos carregadores braçais de casas de café e trapiches. A greve triunfou e a partir desse marco, para além das conquistas de melhores condições salariais, de trabalho e organizativas, a Resistência entrou no ringue da luta política. Outras greves e lutas de grande porte ocorreram ao longo do século XX com ação destacada do sindicato. Entre vitórias e derrotas, o sindicato foi se forjando e ganhando forma original. E assim, os Arrumadores do Porto desenvolveram e emolduraram sua imponente história e contribuição no seio do movimento operário brasileiro.

Para além dos feitos coletivos é importante guardamos um lugar para referenciar um conjunto de sujeitos que devotaram suas vidas a construção dessa trajetória de 113 anos. Alguns homens notáveis passaram por essa categoria e pela Resistência, como o sambista partideiro Aniceto do Império Serrano e também o compositor – fundador da serrinha – Elói Antero Dias. Desde a fundação da União Operária da estiva, os trabalhadores do cais apresentavam uma composição majoritariamente negra, tendo em seu interior ainda representações minoritárias de imigrantes vindos de Portugal, Espanha, França, Itália e Cabo Verde. Entre os migrantes brasileiros se destacava a presença de operários oriundos do nordeste do país. Um desses homens é o camarada, Benedito Berlarmino de Siqueira.

Nascido em 14 de abril de 1924 em Afogados da Ingazeira (Pernambuco), veio com apenas dez anos para o Rio de Janeiro para tentar a sorte na então capital da República. Havia uma promessa de encontrar com parentes na sua chegada, mas tal encontro não ocorreu. Sem ter o que fazer no imediato, buscou refugio nas margens do Porto no bairro da Saúde. Nesse lugar, foi adotado por um casal de pequenos comerciantes portugueses. Ali passou a trabalhar em sua mercearia costurando sacos de arroz, batatas, feijões e fazendo a função de ajudante imediato do casal comerciante.

Benedito Berlarmino de Siqueira

Benedito Berlarmino de Siqueira

Em 1952 iniciou sua trajetória no sindicato. Através de Leonardo Cruz, ex-presidente do sindicato, se associou a Resistência. Trabalhou no moinho Fluminense, nos trapiches da região da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Além disso, trabalhou na Piedade e doze anos no SENAI. Paralelamente, foi diretor do sindicato, presidente da federação dos arrumadores do Rio de Janeiro e conselheiro de inúmeras gestões da Resistência. Na condição de aposentado, Benedito foi integrante pioneiro na fundação da associação dos aposentados arrumadores do Porto. Defensor dos aposentados foi a Brasília uma dezena de vezes para resguardar os direitos da categoria no período da constituição da Carta Magna de 1988. Foi diretor social dessa associação e presidente da mesma no início dos anos 90. Nessa condição, ajudou e acompanhou de perto o amigo Aniceto no final de sua vida.

Hoje com 94 anos, Benedito Berlarmino de Siqueira é um dos homens mais respeitados do Porto e, possivelmente, deve ser o arrumador portuário mais velho do mundo que em vida contribui com sua categoria. Na oportunidade da inauguração da nova sede do sindicato no ano passado, Benedito foi saudado pelo presidente Luiz Roberto (Mirabel) e falou um pouco de sua trajetória com os arrumadores portuários, sindicalistas, familiares e convidados presentes. Um momento singular que brindou a tradição do Sind Resistência RJ em sua nova casa.

Diante desse acumulo e significado, prestamos nessas poucas linhas parte de nossa singela homenagem a Resistência como instituição centenária e a um dos homens que se materializaram em memória viva do movimento operário brasileiro. Essas referências nos espiram e nos dá mais oxigênio e confiança na classe trabalhadora como sujeito social capaz de transformar o Brasil e o mundo.

Benedito ao lado do filho, Guilherme, que seguiu os passos do pai na categoria.

Benedito ao lado do filho, Guilherme, que seguiu os passos do pai na categoria.


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