Pensar e medir a estagnação secular

Quais conclusões podemos extrair das Ciências Econômicas sobre o debate em relação aos aumentos de produtividade e do crescimento?

Michel Husson 10 abr 2018, 14:39

Existe hoje em dia um debate entre economistas bastante fascinante, tão opostas são as posições. Por um lado, alguns avançam em previsões catastrofistas quanto aos efeitos das novas tecnologias sobre o emprego, e o mais surpreendente é que lhes qualifica de “tecno-otimistas”. Do outro lado, os “tecno-céticos” constatam a desaceleração tendencial dos aumentos de produtividade do trabalho e anunciam o advento de uma “estagnação secular” 1.

O gráfico seguinte mostra esta tendência que começou ao menos a partir da grande recessão de meados dos anos 1970. Propõe um enigma autêntico, como reconhecia Patrick Artus: “Não se compreende bem por qual motivo, apesar do desenvolvimento da informática, do esforço de pesquisa e de inovação, os aumentos de produtividade diminuem e o crescimento a longo prazo se torna débil, em resumo, já não se sabe analisar a situação a longo prazo das economias”.2

Aumentos de produtividade anuais no conjunto da economia francesa médias por períodos
Fonte: Jean Gadrey, “Effondrement historique des gains de productivité”, 29/06/2015

Um problema de medida?

Segue portanto de atualidade o paradoxo que enunciou há trinta anos Robert Solow: as novas tecnologias estão por todas as partes, exceto nas estatísticas de produtividade. Entre as explicações que se adiantaram para explicar este paradoxo está a ideia de que os instrumentos estatísticos tradicionais não têm em conta a nova natureza dos bens e serviços surgidos da economia “digital”.

Há que voltar portanto à definição da produtividade do trabalho: pretende medir o “volume” de bens e serviços produzidos numa hora de trabalho. Como se calcula este volume nas contabilidades nacionais? Se soma o faturamento de todas as empresas e se deduzem depois os consumos intermediários (as trocas entre empresas) e assim se obtém o PIB expresso em euros, a preços correntes ou em valor. Para obter um volume se necessita um índice de preços.

Então aparecem os temíveis problemas metodológicas, porque a natureza mesma dos produtos muda no tempo. Como comparar, por exemplo, um smartphone de hoje e um telefone de fio de há trinta anos? Os preços devem ser ajustados para ter em conta os “efeitos qualidade” que correspondem a estas mudanças de natureza. O PIB “a preços constantes”, isso é sem inflação, se obtêm dividendos (“deflacionando”) o PIB a preços correntes pelo índice de preços.

Mas o próprio termo “qualidade” é enganoso. Tomemos uma empresa que produz ordenadores; suponhamos para simplificar que todos os anos vende o mesmo número (volume) de ordenadores ao mesmo preço. Mas como as propriedades dos ordenadores vão melhorando no tempo, seu preço deveria ser corregido para baixo a fim de ter em conta este “efeito qualdiade”, e o volume de produção, e portanto a produtividade, seriam mais elevados. Esta é uma das explicações avançadas para explicar o “paradoxo de Solow”.

Este método introduz um corrimento conceitual. O PIB “em volume” segue sendo um agregado de valores de troca corrigidos para eliminar o efeito da inflação. Isso não pode ser ao mesmo tempo uma medida da utilidade para o consumidor. E é muito difícil sair deste dilema, sobretudo porque os métodos estatísticos dos preços “hedônicos” ou de maneira mais explícita dos índices “de utilidade constante” introduzem esta confusão3 Tudo ocorre como se a dupla PIB em valor/PIB em volume fosse assimilável à distinção clássica entre valor de troca e valor de uso.

O PIB é fundamentalmente (deixando aqui de lado o PIB não-mercantil) uma soma de cifras de faturamento e faz referência ao valor de troca das mercadorias produzidas. A operação consistente em ter em conta os preços não pode transformar este agregado numa avaliação do valor de uso dos produtos. Teríamos ganhado muito tempo poupando-nos a avalanche de literatura que pretendia derrubar portas abertas, “descobrindo” que o PIB não mede o bem-estar, nem a felicidade. O PIB é adequado a seu objeto, a medida da atividade mercantil do capitalismo.

Um exemplo perfeito deste tipo de confusão é esta observação procedente do antigo economista-chefe do Banco de Inglaterra, Charles Bean: “uma parte crescente do consumo são produtos digitais gratuitos ou financiados por outros meios, como a publicidade. Ainda que os bens virtuais gratuitos tenham claramente valor para os consumidores, estão excluídos do PIB, conforme as normas estatísticas internacionais. Por conseguinte, nossas medidas poderiam não considerar uma parte crescente da atividade econômica”4. Há uma confusão entre “valor [de uso] para os consumidores” e “atividade econômica”. Talvez seja essa a chave da “estagnação secular”: as inovações tecnológicas aumentam desde logo o bem-estar dos consumidores, mas este aumento não está ligado a uma produção mercantil. Por exemplo, o “valor” que representa para o consumidor escutar música na rede representa um valor de uso, mas não um valor de troca.

Um estudo mostra ademais que as inovações informáticas somente explicam como muito um sexto da desaceleração da produtividade5. Outro estudo apresenta um resultado ainda mais perturbador. Quando os aumentos de produtividade ligados às novas tecnologias podem ser observados, são resultado de “um descenso da produção relativa [do setor considerado] e de um descenso ainda mais rápido do emprego”6. É difícil conciliar estes “descensos de produção com a ideia de que a informatização e as novas tecnologias incorporadas nos novos equipamentos estejam na origem de uma revolução da produtividade”. E os autores concluem que seus resultados “sugerem pelo menos que as soluções do paradoxo de Solow que se propuseram até agora devem ser examinadas de maneira crítica, e que os partidários de uma ruptura tecnológica devem proporcionar provas mais diretas das transformações induzidas pelas novas tecnologias”.

Valor e efeito útil

Cada mercadoria tem um valor de troca, é seu preço. Tem além disso algumas especificidades qualitativas, por exemplo o tamanho de uma tela plana, a potência de um processador, a duração de um corte de cabelo ou de uma consulta médica, etc. O que os estatísticos denominam “qualidade”. Mas teria que introduzir uma terceira dimensão, seu “efeito útil”, que seria seu verdadeiro valor de uso. Trata-se de uma noção subjetiva que depende de uma avaliação individual (as preferências do consumidor) ou de decisões coletivas depois de uma deliberação política.

Bem, “qualidade” e “efeito útil” não têm por que coincidir. Se a isso se acrescenta o impacto ambiental de cada mercadoria, se chega à conclusão de que somente uma bateria de indicadores pode informar destas múltiplas dimensões. Esta noção de efeito útil está tirada do Anti-Duhring de Engels7: “são afinal de contas os efeitos úteis, ponderados entre eles e em relação às quantidades de trabalho necessárias para sua produção, os que determinarão o plano”. Hoje seria preciso acrescentar “e em relação às limitações ambientais” para ter uma boa definição da planificação ecológica. Engels acrescenta inclusive que “esta avaliação do efeito útil e do gasto de trabalho na decisão relativa à produção é tudo o que resta numa sociedade comunista do conceito de valor da economia política”. É uma maneira de sublinhar a necesside de outro cálculo econômico que se baseia numa avaliação coletiva dos “efeitos úteis”.

Um capitalismo estacionário?

Admitamos agora a hipótese da estagnação secular e portanto de aumentos de produtividade rigorosamente nulos. Quais seriam suas implicações na taxa de lucro? A evolução deste barômetro do capitalismo depende de três fatores: aumenta com a produtividade do trabalho e baixa o salário e o capital per capita. Se suposto que o capital per capita e a produtividade do trabalho se mantêm constantes, restaria esta regra simples: a taxa de lucro varia em razão inversa ao salário real.

A questão colocada a partir destes fatos simplificados é a reprodução do capital. O PIB é produto da produtividade do trabalho pelo emprego ou pelo número de horas trabalhadas, segundo se meça a produtividade a partir dos efetivos ou das horas de trabalho. O PIB já só poderia progredir aumentando os efetivos ou a duração do trabalho.

Esta configuração assim obtida se complica considerando os mecanismos de redistribuição, em particular as aposentadorias. Supondo que a taxa de substituição (a relação entre pensão média e salário médio) seja constante, se obtém uma equação básica que descreve o equilíbrio de um sistema de aposentadorias por repartição. Estabelece que o salário médio deve aumentar igual que a produtividade do trabalho, do qual é preciso deduzir uma parte correspondente ao aumento da taxa de dependência (a relação entre aposentados e ativos).

Este equivalente-produtividade do envelhecimento (medido pela avaliação da taxa de dependência) é, no caso da França, da ordem de 0,5% ao ano. Mas se o crescimento da produtividade se supõe nulo, implica não somente uma transferência contínua dos assalariados aos aposentados, mas um descenso do conjunto das rendas, salários e pensões. Para dizer isso mais claramente, o PIB aumenta, mas tendo em conta uma produtividade do trabalho que se supõe nula, somente aumenta em proporção ao emprego. O PIB per capita é constante mas rebaixa se relacionado com os beneficiários (assalariados + inativos). Caso se faça intervir a duração do trabalho, a conclusão é também clara: a manutenção da renda para todos somente é possível se a duração do trabalho dos ativos aumenta, para compensar o “equivalente-produtividade”.

A questão que se coloca então é saber se tal “estado estacionário” é compatível com o capitalismo. Desde 1991, Herman Daly se colocou implicitamente esta questão e respondeu positivamente. Imaginava uma economia estacionária (Steady-State Economy) que poderia estar “baseada em premissas perfeitamente respeitáveis: propriedade privada, livre-mercado, rechaço das burocracias e do controle centralizado”8. Em seu livro Prosperidade sem crescimento, Tim Jackson defende também que uma economia sem crescimento é compatível com o capitalismo: “podem existir −e existem− economias capitalistas que não estejam em crescimento (…) é possível, em princípio, “estabilizar” uma economia capitalista relativamente clássica9.

Mas parece difícil imaginar um capitalismo sem crescimento, porque este modo de produção está baseado na concorrência entre capitais, na acumulação sem fim e na maximização do lucro. Basta observar como reage este sistema de maneira socialmente regressiva à desaceleração dos aumentos de produtividade (e à crise) para compreender que não pode se acomodar a uma economia parcimoniosa. Esta perspectiva de um esgotamento dos aumentos de produtividade e ainda mais o desafio climático fazer necessário passar para outro cálculo econômico: o objetivo não seria já maximizaria o bem-estar sem coação ambiental. Nesta sociedade, utilizando uma fórmula de Marx, “os produtores associados gerem racionalmente seu metabolismo com a natureza”.

Fonte: http://vientosur.info/spip.php?article13626


Notas

1 Michel Husson, “Stagnaton séculaire ou croissance numérique?”, Analyses et Documents Économiques, nº 122, junio 2016.

2 Patrick Artus, “On ne sait plus analyser la situation à long terme des économies”, 7/12/2017.

3 Florence Jany-Catrice, “Conflicts in the calculation and use of the price index: the case of France”, Cambridge Journal of Economics, 2017.

4 Charles Bean, “Measuring the Value of Free”, Project Syndicate, 3/05/2017

5 David Byrne, John Fernald, Marshall Reinsdorf, “Does the United States have a productivuty slowdown or a measurement problem?”, Brookings Papers, marzo 2016.

6 Daron Acemoglu, David Autor, David Dorn, Gordon Hanson, Brendan Price (2014), “Return of tje Solow Paradox?”, American Economic Review, Vol. 104, nº 5.

7 Friedrich Engels, Anti-Dühring, 1878.

8 Herman Daly, Steady-State Economics, 1991.

9 Tim Jackson, Prosperité sans croissance, De Boeck, 2010. Ver la reseña de Jean Gadrey, 17/04/2011.


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