Intervenção apresenta violência de gênero nas ruas de Natal
A intervenção EU PUTA, ELE SANTO estreou nas ruas de Natal com a temática de violência de gênero sofrida pela própria artista
Os muros da cidade reverberam a história. Antes de adentrar o que a série significa para mim quanto artista, é preciso localizar a minha fala. Branca, hetero, cisgênero, classe média. Isso para dizer que fazer essa intervenção é um privilégio. São inúmeras mulheres que não alcançam a segurança para uma denúncia, são inúmeras mulheres que denunciam e não expõem porque não podem, são inúmeras mulheres que não se expõem porque não aguentam e nem deveriam precisar disso.
A intervenção “EU PUTA, ELE SANTO” é uma série urbana autobiográfica com a foto da violência que sofri em novembro do ano passado, resultado de uma relação abusiva de três anos que, por último,me deixou de olho roxo. Após um histórico de agressões e com uma rede de apoios, decidi sair da relação e somente depois de noites sem dormir, denunciar. Foi preciso fazer a série para expressar nas ruas as provas de uma violência de gênero que ocorre e, ainda assim, a sociedade justifica, acoberta, responsabiliza quem passou a violência e relativiza o dano emocional que diariamente as mulheres passam.
O estado de violência não pode ser naturalizado. Os limites que nos são colocados diariamente nos educa para calar. Estar nesse processo de transição entre o que é ser a mulher que a sociedade construiu e a mulher que sou e ainda quero me tornar é doloroso. Nem mesmo a formação crítica que temos nos impede completamente de reproduzir as teses que aprendemos na nossa socialização: nós putas, eles santos; nós mentirosas, eles honestos; nós loucas, eles equilibrados; nós erradas, eles certos. Nos colocamos contra nós para defender atitudes de homens incontestavelmente covardes porque nos ensinaram assim.
O certificado de feminista não é colete à prova de balas, nem irá por si só significar que uma mulher, sofrendo gradualmente violências, irá responder da forma correta a agressão seguindo o tutorial das cartilhas.Quando você passa por uma situação de violência com a pessoa que está ao seu lado, leituras não bastam, é preciso se permitir falar sobre isso e ter uma rede para não se perder. Aprendi numa relação, chamando outras mulheres que admiro de putas e negligenciando minha própria identidade e construção política enquanto eu apanhava, que o ciclo do autocuidado precisava começar e o ciclo da violência tinha que acabar.
Transformar em potência nossa dor é um exercício de resiliência que exige coragem. O machismo é responsável pelo alto número de feminicídios no mundo e precisamos também refletir até que ponto as mortes de mulheres que não conseguiram suporte para este peso e tiraram a própria vida não entram nesta conta do patriarcado. Não se trata de uma responsabilização individual/ pessoal, é preciso agir criticamente em pautas tabus como o suicídio de mulheres em decorrência da violência doméstica para avançarmos na defesa de nós mesmas no mundo.
Cuidar de si, para não morrer. Verbalizar arte na rua, para não deixar matar.
Serie urbana EU PUTA, ELE SANTO
Local: Rua Chile – Ribeira (Natal/RN)
Artista: Catarina Santos
Apoio técnico: Juliana Domênica
Referências estéticas: Inside out Project; She’s Gotta Have It (série).
Fotos: Catarina Santos