Um retrato de Sâmia Bomfim

Em entrevista ao Universa, a vereadora do PSOL de São Paulo traça um panorama da política nacional e comenta suas lutas na capital paulista.

Sâmia Bomfim 6 abr 2018, 13:57

Aos 28 anos, Sâmia Bomfim é a mais jovem vereadora da história da Câmara Municipal de São Paulo –e a primeira eleita pelo PSOL. Desde sua campanha em 2016, defende o exercício de um “mandato feminista”, que seja “resistência na política brasileira, feita apenas para a manutenção dos mesmos poderes e desigualdades”, explica.

Na prática, isso significou, em pouco mais de um ano de mandato, a apresentação de mais de 50 projetos de lei para São Paulo, entre autoria e coautoria com outros parlamentares. Sua primeira lei –e única só dela, a 16.684– foi sancionada em 10 de julho de 2017 e obriga estabelecimentos públicos e privados do município a afixarem, em suas dependências, placas de aviso com o número do Disque Denúncia da Violência Contra a Mulher, o Disque 180.

Ainda na lista de pautas aprovadas está a Lei 16.736, que determina a construção ou adaptação de fraldários nos banheiros masculinos dos shoppings da capital, e a CPI da Violência contra a Mulher, instalada de forma inédita na Câmara em abril de 2017. A Comissão foi proposta pela vereadora e endossada pela bancada feminina.

Mas apenas conseguir passar projetos não é exatamente o que Sâmia acredita por fazer política no Brasil. “O que vale mais? Aprovar um PL, que muitas vezes fica no papel, ou conseguir através de luta da organização popular atender a uma reivindicação da sociedade?!”, questiona. É por isso que na ocasião da greve dos servidores municipais, que acontece desde o começo de março e tenta derrubar a reforma da previdência proposta pelo prefeito João Doria (a Sampaprev), Sâmia está do lado de quem protesta. “É a maior batalha que enfrentamos desde a minha posse. E é feita junto da população para impedir a ação de um gestor que não governa para São Paulo, mas que apenas quer usá-la como trampolim político”, diz, fazendo uma crítica à intenção de João Doria de concorrer ao governo do Estado.

Assim como o político, que anunciou sua pré-candidatura pelo PSDB a governador, a vereadora também deve pleitear outro cargo nas próximas eleições: o Deputada Federal . “Boa parte das bandeiras políticas que defendo tem a ver mais com um projeto de país do que de cidade, e mais a ver com a função de uma deputada federal do que de uma vereadora”, justifica.

Aqui, Sâmia fala dos desafios de um mandato feminista em um sistema acostumado com a majoritária presença masculina e, ainda, de figuras que movimentam o debate político atual. Entre elas, Jair Bolsonaro, João Doria, Guilherme Boulos e Marielle Franco, colega de partido e amiga de militância. “Marielle é a primeira assassinada política da minha geração.”

Universa – Você poderia citar dois projetos que representam esse “mandato feminista”?

Sâmia –  O PL 120/2017 fala de regulamentar o aborto legal em toda rede pública da cidade. Hoje existem apenas 4 hospitais [eram 5 até dezembro de 2017, quando a prefeitura desativou o serviço no Hospital do Jabaquara, zona Sul] que realizam o procedimento. O PL está em discussão e, para minha surpresa, passou na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Mesmo assim, acho difícil ser aprovado. O fato do prefeito ter fechado o serviço no Jabaquara foi um aviso. E o outro projeto, já vetado por “motivos técnicos”, chama Maria da Penha nas Escolas. A ideia era que através de atividades lúdicas, as crianças conhecessem a Lei. Existem caminhos para você descobrir que existe violência no ambiente doméstico. Um deles, é a sala de aula, através das crianças.

Machismo é algo cotidiano quando uma mulher está na política?

Sem dúvidas que sim. O machismo é um instrumento poderosíssimo para dizer a uma mulher que ela deve voltar para casa. Vou te contar o básico, o de todo dia: apelidinhos. Fofinha, bonitinha, menininha, mocinha… Outro básico é mansplaining, que é explicar o óbvio, o já dito por você mesma. Uma vez um vereador me explicou a importância de ter políticas de combate à violência contra mulher na cidade –sendo que a pauta era de minha autoria.

E assédio?

Só uns tiozões sem noção que, quando vou com um vestido mais curto ou uma roupa mais decotada, comentam: “Hoje você vai sair? Vai sair com alguém? E esse batom vermelho, hein?”.

Como uma mulher jovem no Brasil consegue fazer política? Precisa criar alianças? Como fazer que seus projetos sejam aprovados e melhorem a vida de quem votou em você?

Não tenho uma fórmula pronta. Mas a gente vem fazendo. Tentativa, acerto e erro. E dá com a cara na porta e volta. E tem um desafeto. E às vezes tem medo, e volta. Procuro fazer aquilo que acredito sem jogar o jogo sujo. Ir pelo caminho da defesa das minhas ideias. Mesmo que seja um caminho contramão.

Dá um exemplo de “não jogar o jogo sujo”.

Todo início do ano tem votação para presidente da Câmara. O PSOL e eu, a gente nunca vota no acórdão. E o acórdão te garante coisas. Te garante presidência de comissão, ter mais projetos de lei na pauta do dia. Essa ideia de que a gente precisa se acostumar à velha política e ceder à ela nos leva a derrotas. Olha a situação que a gente vive no país. O próprio [Michel] Temer chegar à Presidência tem a ver com essa lógica de ceder para o seu inimigo. Por isso, não abro mão de não entrar em acordo, de não votar aquilo que fere tudo aquilo que acredito. Não estou lá para ter uma vida fácil, para ter amigos ou o prefeito gostar de mim.

Como o assassinato da Marielle afeta sua caminhada política? Você tem medo de ser morta? Sei que os contextos são diferentes e fazer política no Rio de Janeiro é uma tarefa à parte… Mas mesmo assim, existe o medo?

A execução da Marielle tem muitos significados. Por ser uma mulher, preta, favelada, lésbica, mãe. Que denunciava a repressão e a ação policial, que lutava pelos direitos humanos. Que denunciava a intervenção do exército no Rio de Janeiro, o Pezão, o Cabral, o Crivela. Ela estava no meio do fogo cruzado. 5 tiros na cabeça é um recado muito claro [na realidade Marielle levou quatro tiros na cabeça]. Não tenho medo de ser assassinada em uma emboscada. Me impacta a morte dela por outros motivos. Marielle é a primeira assassinada política da nossa geração.

Para um mandato feminista como o seu, o que representa um cenário no qual Bolsonaro ganha as eleições?

O que seria um mandato feminista numa lógica em que o principal cargo político do país é de um sujeito que diz que não vai estuprar uma mulher porque ela não merece?! A gente brinca que se ele ganhar talvez nem mandato a gente tenha. O regime democrático fecha no país, e a gente entra numa outra lógica.

Lógica militar?

Não sei se militar. Não sei se as Forças Armadas estão com esse nível de organização, força e consciência política. Tem gente que diz que não, inclusive setores do militarismo que não querem o Bolsonaro. As coisas são menos caricatas quanto parecem.

Por que Bolsonaro avança?

Existe uma descrença com aquilo que se chamou de esquerda por muitos anos no Brasil. Mas também porque existe um vácuo de alternativa política no país. Inclusive acho que o PSOL poderia ocupar, se tivesse mais estatura e se acertasse mais na política em alguns momentos. Mas enfim, alguém tem que ocupar esse espaço. E o espaço da indignação, da contestação, da negação da política como ela é, infelizmente é o Bolsonaro que ocupa.

Então você acredita na eleição dele?

Não acho que tudo está perdido. Uma figura como Bolsonaro não é impalatável só pra esquerda, mas ainda para vários setores do poder econômico, que sabe que ele causa muita instabilidade e ninguém quer uma coisa estranha em que você não pode confiar para gerir os seus negócios. E ainda existe um apelo no Brasil pelos Direitos Humanos. Não sei se a nossa sociedade chegaria a esse limite de defender um facínora.

E o Guilherme Boulos [candidato à presidência pelo PSOL], não ocuparia esse espaço que você confere ao Bolsonaro?

Deixa eu beber uma água para poder te responder essa.

O Boulos te parece tão radical quanto Bolsonaro, só que de outra forma?

Olha, acho que o Boulos tem qualidades importantes. A primeira foi construir um movimento social –o mais importante e dinâmico do país — num momento em que todo mundo estava descrente de que isso era possível. E ele conseguiu conquistas para os sem-teto. As pessoas precisam conhecer um acampamento do MTST. Existe um processo de politização ali. E isso é fundamental para esse momento de descrédito completo. Por isso o Boulos é um bom candidato para o PSOL. Agora, se isso vai ser o suficiente para que a gente consiga disputar um projeto para a sociedade, talvez não. Precisa de mais elementos. As campanhas eleitorais podem ser importantes. E sim, ele é o oposto radical do Bolsonaro. Para muita gente isso pode ser ruim.

Parece que você não acredita em um segundo turno com o Boulos. Acredita?

Acredito, sim. Mas para isso o PSOL precisa se confundir um pouco menos com outros partidos da ordem. Às vezes o PSOL tem medo de dizer suas posições, medo de dizer por que foi fundado. Que lá em 2004, na ocasião da primeira reforma da previdência, alguns deputados radicais foram expulsos do PT porque votaram contra. A gente tem que ter cara própria para chegar no segundo turno — daí sim é possível.

Você é a favor da candidatura do Lula?

Sou. Principalmente porque não faz sentido ele não ser candidato e todos os outros serem. A democracia, para os donos do poder econômico e do país, é um instrumento que pode ser utilizado ou não, eles não veem isso como um preceito fundamental para a organização da sociedade. Daí ela é utilizada agora, no caso do Lula, mas é utilizada em casos muito piores, como o do Rafael Braga, que virou um símbolo desse mau uso da democracia.

O que você acha do Doria deixar a prefeitura para tentar o Governo do Estado?

Como ser otimista com Doria sendo candidato ao governo? Só pensando que ele pode nunca mais voltar à Prefeitura. E mais, ele pode sair da vida política. Se ele se afasta da prefeitura e não se elege governador, não pode retornar para para prefeitura por causa da legislação eleitoral. Isso seria enterrar de vez um projeto político de um sujeito que representa retrocessos enormes. Ele foi eleito se apresentando como novidade, mas em poucos dias de gestão mostrou que é parecido com muitas figuras da política nacional. Ele aparelhou a prefeitura com gente que é do grupo empresarial dele. Nomeou pessoas ligadas ao MBL, uma seita juvenil de discurso de ódio. Espero que não consiga se eleger. Daí a gente aposenta ele e ele volta a ser só um lobista.

Você também pretende tentar outro cargo na política. E seus eleitores que te colocaram como vereadora?

Quero ser deputada federal. Talvez com pouca perspectiva de me eleger, tendo em vista que o PSOL precisaria de muitos votos para conseguir ampliar sua bancada no Congresso. Não acho que meus eleitores se ofenderiam, acho que compreenderiam como uma tarefa política. E eu saindo entra a Isa [Penna], mulher feminista, que é a suplente do PSOL.

O STF agora garante o mínimo de 30% do fundo partidário para campanhas de mulheres. Isso ajudaria para uma candidatura para deputada federal?

É um avanço importante. A gente teve a conquista de 30% das chapas, mas isso nunca significou chegássemos ao poder. É preciso outros mecanismos. Então sim, ajudaria.

E o Bruno Covas; vai ser melhor para São Paulo?

Conheço pouco. Mas dizem que é mais hábil politicamente que Doria. Ele tem mais experiência de militância dentro do PSDB, desde criança. Então seria um PSDB mais como a gente conhece. Não é esse kamikaze que o Doria aparenta ser.

Entrevista realizada por Natacha Cortêz para o portal Universa


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Pedro Micussi