Problemas de Organização
Neste documento escrito em 1984 para orientar as discussões da militância do MAS, partido trotskista argentino, Moreno trata da organização partidária.
Apresentação
No dia 16 de julho de 1984, o companheiro Nahuel Moreno, a convite da Juventude Socialista, falou-lhes sobre os problemas de organização do partido revolucionário. O texto que apresentamos em seguida é a desgravação corrigida (…) Foi publicado originalmente em Buenos Aires na série Cuadernos de Solidaridad, Cuaderno de Formación nº 1, 1984.
Como nos Organizar na Nova Situação Revolucionária?
Na última reunião do Comitê Nacional (CN) fizemos uma análise da nova situação política revolucionária que se abre em nosso país a partir da grande onda de greves de junho, e votamos uma série de resoluções para adequar a atividade e a organização do partido a essa nova situação.
Existe o perigo de que as resoluções adotadas sejam interpretadas como uma mudança formal da estrutura organizativa do partido e não como o que verdadeiramente deve ser: a adaptação das formas organizativas do partido à nova etapa, revolucionária, de intensa agitação sobre o movimento operário e de massas que nos permita avançar qualitativamente em nossa estruturação orgânica nos centros de trabalho, estudo e moradia. Dizendo de outra maneira, uma nova etapa na qual o objetivo é aproveitar as condições objetivas favoráveis e os avanços que alcançamos no passado recente para construir milhares de equipes, círculos ou grupos do partido nas empresas, faculdades, colégios e bairros operários e populares.
Para evitar tanto quanto possível que esta verdadeira revolução da atividade partidária seja interpretada como uma “revolução” administrativa ou burocrática das nossas atuais estruturas organizativas, cremos ser necessário dar às resoluções do último CN um marco teórico e político. Tal é o objetivo deste documento.
I – Teoria e História da Organização Operária-Revolucionária
A Importância da Organização
Em geral o problema da organização parece algo secundário, que tendemos a desprezar, que se apaga frente a outras questões, sejam “filosóficas” – como a dialética ou a teoria da alienação -, sejam as apaixonantes discussões sobre a situação econômica ou política. O que ocorre com a economia imperialista? Existe ou não uma situação revolucionária na Argentina ou no Brasil? Chapas antiburocráticas “puras” ou para derrotar o burocrata do sindicato? etc. Todavia, a questão organizativa é o centro, em certa medida, da atividade marxista revolucionária. Assim como o programa e a política respondem à pergunta: quais são as tarefas, os objetivos ou as palavras de ordem que hoje mobilizam as massas até a revolução socialista, a questão organizativa responde a pergunta: qual é a organização que hoje é necessária para que o movimento de massas lute? Como se organiza o partido que se propõe a liderar a luta, a revolução e o poder operário em cada etapa da luta de classes?
A questão organizativa é tão decisiva que, ao contrário do que muitos acreditam, não houve dois grandes dirigentes da revolução russa e do Partido Bolchevique e sim três. Ao lado de Lenin e Trotsky esteve Sverdlov, o secretário geral, o organizador do Partido Bolchevique. Iakob Mijailovich Sverdlovnão é lembrado por qualquer tratado sobre economia, filosofia ou política marxista. Ninguém se interessa por uma coletânea de suas obras completas – se é que existe. Porém, era o homem mais querido, mais respeitado do Partido Bolchevique. Era tão importante que quando morreu, foi substituído por quatro dos melhores dirigentes bolcheviques e os quatro fracassaram: não agüentaram a tarefa.
Lenin, que não era dado à demagogia, nem propenso a elogios, definiu Sverdlov, no discurso pronunciado em seu enterro, como “o chefe que mais fez pela organização da classe operária, por sua vitória (Obras Completas, tomo 29, p. 89). E no discurso em sua memória, pronunciado a 18 de março de 1919, esclarecia o porque destas palavras:
“Para os que julgam as coisas superficialmente… destaca-se com especial relevo uma característica da revolução que se manifestou no enérgico, firme e implacável acerto de contas com os exploradores e os inimigos do povo trabalhador. Não há dúvidas de que sem esta característica – sem violência revolucionária – o proletariado não teria vencido, porém é indubitável, também, que a violência revolucionária só é um método necessário e legítimo da revolução em determinados momentos de seu desenvolvimento, somente quando se dão as condições especiais e determinadas, e que uma qualidade muito mais profunda e permanente desta revolução, a condição de seu triunfo, é e será sempre a organização das massas proletárias, a organização dos trabalhadores. Esta organização de milhões de trabalhadores, de fato, é a condição mais importante da revolução, a fonte mais profunda de suas vitórias…” (Idem, tomo 29, pg. 83, sublinhado por nós).
Para Lenin, a organização é uma “qualidade mais profunda e permanente” da revolução que a própria violência revolucionária. Quer dizer, em um pólo está a ação, o movimento, a luta, o espontâneo das massas; no outro está a organização que estrutura, dá continuidade e permanência a essas ações ou mobilizações. Sem grandes lutas e mobilizações não há revolução, porém, sem organização, não há tampouco. As lutas dissolvem-se, as heróicas ações das massas perdem-se…
Tanto é assim que o partido não maneja exclusivamente palavras de ordem que chamam para a luta e fixam um objetivo mas, também, palavras de ordem organizativas. Agora, por exemplo, agitamos o objetivo da luta: os salários, chamamos uma forma ou método concreto de luta: greve geral; e também agitamos como organizar esta luta: assembléias por fábricas, eleição de delegados, piquetes, etc…
O problema da organização é dificílimo, muito complexo, porque encerra, em si mesmo, uma contradição que às vezes se torna aguda. Toda organização ou estrutura é conservadora, precisamente porque tende a evitar que o que existe desapareça, destrua-se. Porém, ao mesmo tempo, a classe operária dá para si ou necessita de organizações revolucionárias para lutar contra a burguesia e derrotá-la, isto é, destruir o sistema capitalista.
Os trabalhadores argentinos, por exemplo, conquistaram grandes e poderosas organizações sindicais, com as quais, durante muitos anos, até que a crise tornou impossível, nesta ultima década, conseguiram o objetivo de defender seu nível de vida. Porém, essa organização, teve e tem um tremendo peso conservador no proletariado argentino, que permite que elementos da extrema direita – a burocracia peronista – estejam na direção dela e, no momento, não se coloca de modo algum uma direção revolucionária nesses sindicatos nem, menos ainda, um partido operário revolucionário.
Precisamente por esta contradição é tão difícil a questão organizativa. Se um partido revolucionário vai tornar-se direção do movimento de massas, então converte-se no problema dos problemas. Qual a relação orgânica que se estabelece entre o partido e as massas?
Os sovietes são uma forma organizativa do movimento de massas. Eles governam, com boa ou má política. A política é muito importante, porém, sem os sovietes, não teria sido possível tomar o poder, por melhor que tivesse sido a política dos bolcheviques; são o exercito que mobiliza organicamente as grandes massas para tomar o poder e governar. Porém, por seu lado, esta o partido que é o estado major desse exército, o que agrupa a vanguarda mais combativa e consciente. E isto coloca um segundo problema: qual a forma organizativa que deve ter o partido para poder dirigir e ter uma relação cada vez mais estreita com os sovietes e com as massas que estão nele?
O primeiro problema, o da organização das massas, é, em certo sentido, mais simples do que o segundo. O partido não pode inventar nem impor formas organizativas para as massas, elas próprias criam-nas. A grande arte do partido é a de descobrir quando aparecem os primeiros sintomas e agitá-los para que se generalizem. Ou, caso não apareçam, aconselhar pacientemente as massas quanto a alguma forma organizativa de acordo com a situação e a experiência histórica. Assim, pudemos lançar palavras de ordem de coordenadorias em 1975, nos apoiando na experiência histórica das interfábricas de 20 anos atrás. Ou levantar, hoje, a palavra de ordem de milícias da COB e da Central Camponesa na Bolívia, e que ambas organizações de massas tomem o poder, nos apoiando nas lições da revolução de 1952.
O problema da organização do partido, ao contrário, está em nossas mãos. As massas podem fazer prodígios de heroísmo e forjar magníficas organizações revolucionárias para tomar o poder. Porém, se nós não acertarmos com a nossa própria forma organizativa que nos permita construir o estado maior dessas lutas e organizações, se não conseguirmos organizar firmemente, estruturar com laços de ferro nossa influência e a simpatia para com a nossa política e programa nas massas, nós e a revolução estaremos perdidos. Está ai o exemplo da Bolívia: sobra luta revolucionária; sobra organização das massas para tornar o poder, sobra programa… todavia falta o partido como estrutura orgânica com raízes firmemente implantadas no seio das massas revolucionárias. Este é o grande problema, de vida ou morte que é preciso resolver na Bolívia. E, também, ainda que partamos de uma situação qualitativamente superior do nosso partido e de um ritmo revolucionário mais lento da realidade objetiva, na Argentina.
A Mudança nas Organizações de Massas
O movimento operário e de massas permanentemente muda suas formas organizativas. Há mudanças que têm relação com as amplas etapas históricas e expressam transformações estruturais da classe operária. Por exemplo, os sindicatos por ofícios refletiram um setor da classe trabalhadora especializado e mais próxirno, por sua vida social e produtiva, ao artesanato do que da moderna classe operária industrial, altamente concentrada. Os sindicatos por ramo industrial refletem esta última.
Há mudanças, por outro lado, que têm relação com a situação concreta da luta de classes. Se há um retrocesso da classe trabalhadora, então refugia-se em organizações defensivas: os sindicatos. Na situação de derrota extrema podem até chegar a organizar associações de ajuda mútua ou cooperativas. Porém, se vive um ascenso revolucionário, cedo ou tarde aparecem formas organizativas de poder como os sovietes russos, os “cordones industriales” chilenos, ou os próprios sindicatos mudam de caráter transformando-se em organismos de poder, como a COB boliviana. Paralelamente, a classe organiza milícias.
Temos visto, também, revoluções realizadas pelo campesinato, como a chinesa, a vietnamita e a cubana, onde apareceram organizações de massas diferentes: os exércitos guerrilheiros.
O mesmo ocorre em uma fábrica. Normalmente, a classe trabalhadora está organizada através da Comissão Interna e no corpo de delegados. Porém, quando há uma grande repressão interna, seja da patronal, seja da burocracia, em certas ocasiões chega a organizar-se por meio de torcidas de futebol. Quando não há luta as assembléias raramente se realizam, ou então nem ocorrem. Porém, quando há luta, ou está sendo preparada, a assembléia converte-se na principal ferramenta organizativa do conjunto dos trabalhadores. Se sai a greve, aparece o comando de greve que, muito freqüentemente, os delegados reconhecidos são distintos da direção legal e permanente. Também aparecem os piquetes de grevistas e, como acontece em nosso país, as “ollas populares” (ondas ou redemoinhos populares) que são uma combinação de piquete de greve com assembléia de base.
É impossível procurar esgotar a enorme riqueza das formas organizativas que se deu e se dá no movimento o operário e de massas através dos tempos. Porém, o que fica demonstrado é que, ao contrário do que sustentam as burocracias de todo tipo – desde a sindical peronista ate o PC -, a classe operária não está definitivamente encalacrada em uma forma organizativa fixa (os sindicatos burocráticos, para Miguel; os “sovietes” burocráticos para Andropov) e sim que ela própria vai mudando suas formas organizativas segundo mudam as etapas da luta de classes e aparecem novas necessidades.
A Mudança na Organização do Partido Socialista Revolucionário
Fabricou-se um fetichismo, sobretudo da parte do estalinismo, sobre a forma socialista revolucionária como sendo una, fixa e imutável: a organização através de pequenas células. Nós, os pobres trotskistas, que sobrevivemos durante décadas isolados, vendo que passavam anos e nossa organização continuava pequena, fomos vítimas desse fetichismo. Ainda não acabamos de romper com ele. Continuamos acreditando que o socialismo revolucionário é uma forma de organização permanente, sempre igual a si mesma.
Na realidade é o oposto. O partido socialista revolucionário é duro programaticamente e nos princípios. Porém, para o marxismo, não há nada rígido nem definitivo. Menos ainda pode ser o partido da revolução permanente. Por isso, o partido é sumamente flexível na hora de converter o programa e os princípios em estratégias, táticas, palavras de ordem e políticas concretas para incidir sobre a situação presente da luta de classes. Cada vez que há uma mudança na realidade objetiva, o partido muda suas palavras de ordem, suas políticas, suas táticas e suas estratégias… e também suas formas organizativas. Esta é a verdadeira essência da forma socialista revolucionária de organização: a mudança, a adaptação à realidade da luta de classes e às tarefas e objetivos que o partido dá para si, em cada etapa.
As mudanças na forma organizativa do partido são determinadas pela combinação de dois fatores fundamentais: a situação da luta de classes e a situação ou grau de desenvolvimento do próprio partido.
É evidente que a estrutura organizativa do partido não pode ser igual em uma etapa de triunfo da contra-revolução, sob um regime fascista ou semi-fascista, e em uma etapa revolucionária. Aquela seria ultra-clandestina, de pequenas células de ultra-vanguarda, onde só podem participar militantes provados previamente e firmemente captados pelo partido; esta seria aberta, legal, com reuniões amplas, se é necessário, onde participariam companheiros recém aproximados do partido, que completariam seu processo de captação dentro da estrutura orgânica do partido.
Mas, além destes exemplos amplos, dentro de uma mesma etapa, a estrutura do partido tenderá a adequar-se a outros processos de tipo objetivo, social. Não será a mesma forma organizativa se setores do movimento de massas vão rapidamente para a esquerda ou se, como ocorre freqüentemente na primeira etapa da revolução, isto não ocorre e as massas sofrem, massivamente, a embriaguês “democrática” e afluem para partidos reformistas. No primeiro caso, o partido deverá adotar uma forma organizativa adequada para organizar ao seu redor esses setores de massas; no segundo, em que pese a situação revolucionária, deverá manter a estrutura do chamado “partido de vanguarda”, quer dizer, de militantes que, em maior ou menor medida, já definiram que dedicarão uma parte importante de sua vida para a militância revolucionária.
Para não estender muito, a estrutura partidária deverá adaptar-se as características nacionais e, mais especificamente, às das classes exploradas. Evidentemente, não pode ser a mesma para intervir no processo revolucionário na Nicarágua e na Argentina. Na Nicarágua praticamente não havia sindicatos sob Somoza. Os sindicatos apareceram massivamente depois de sua queda. A luta revolucionária desenvolveu-se através de uma combinação de guerra entre exércitos e insurreições urbanas organizadas geograficamente por bairros. Evidentemente, o socialismo revolucionário tinha que adaptar sua organização a estas características nacionais. Daí que, existindo um partido na Nicarágua, a Brigada Simón Bolívar deveria ter-se organizado em torno dos bairros populares.
Na Argentina é totalmente diferente. A clássica organização de massas são os sindicatos, há quase um século. Dentro deles, o organismo fundamental, nos últimos 40 anos, é a Comissão Interna e o corpo de delegados. O partido organiza-se em função disto: grupos por empresas para lutar pela direção desses organismos das massas.
Finalmente, o partido em circunstâncias que para nós são excepcionais, como é a participação nos processos eleitorais burgueses, às vezes deve adotar uma forma organizativa de tipo geográfico-barrial e até colocar em segundo plano, em certas ocasiões, a clássica inserção estrutural de seus organismos (por empresa ou lugar de estudo, além e por cima dos bairros).
Todavia, a questão organizativa torna-se qualitativamente mais complexa porque também incide sobre um segundo fator: o próprio partido. Uma vez que, ao colocarmos uma tarefa ou objetivo para uma etapa, não apenas respondemos às perguntas: o que ocorre na luta de classes?, mas também esta outra: com que partido, com qual material humano – direção, quadros médios e militantes – contamos para intervir nela?
Muito esquematicamente podemos assinalar três estágios no desenvolvimento de um partido: o primeiro núcleo fundador, muitas vezes de uns poucos indivíduos; o partido de propaganda que já realizou sua etapa de acumulação de quadros e conta com algumas centenas deles; o partido com influência de massas. Uma situação revolucionária desenvolvida, com setores rompendo pela esquerda com os aparatos reformistas e burocráticos, já nos coloca, objetivamente, a possibilidade de conquistar influência de massas, quer dizer, de arrastar, por sua política, setores de base do movimento de massas. Porém, obviamente, nossa estrutura organizativa não será a mesma se o partido é de uns poucos indivíduos daquele que já alcançou certa influencia de massas. Neste último caso, é uma obrigação do partido golpear e estruturar seus organismos em todos os setores do movimento de massas (ainda que priorizando aquele que se perfila como vanguarda da revolução, por exemplo, a classe operária industrial na Argentina, os mineiros e fabris na Bolívia, etc.). Se, por outro lado, somos uns poucos companheiros, o intento de estruturarmo-nos em todos os setores é fatal, destrói o partido. Pelo contrário, trata-se de girar todos os companheiros para um só setor, para não dispersar forças e armar o partido, suas organizações e sua influência de massas nesse setor. Não se trata, em uma situação como a descrita, se somos um pequeno partido, de nos auto-definir como “grupo de propaganda” e não intervir com tudo na luta revolucionária. Trata-se, isto sim, de fazer a mesma tarefa que um grande partido faria sobre todo o movimento de massas só que sobre um setor deste, o mais favorável para um rápido desenvolvimento orgânico e para influência política do partido. Ainda que a tarefa seja a mesma, a forma organizativa é totalmente diferente. Porém, se acertarmos na tarefa política e não na forma organizativa corremos o risco de desaparecer.
Em outro plano, a forma organizativa do partido depende de algo tão simples como a existência ou não de quadros capazes de construir e dirigir os organismos. Este foi um grave problema para nós. Levamos anos e anos para solucionar. Tentamos todo tipo de formas organizativas – por sindicato, por fábrica, por bairro… – e a cada seis meses ou um ano desabavam. A chave nos deu um companheiro francês, de base, sem grande nível teórico, que possivelmente refletia a influência da tradição que deixou Trotsky quando viveu na França. Este camarada nos perguntou: quantos quadros capazes de dirigir organismos tínhamos. E aconselhou que não fizéssemos qualquer organismo – fosse uma célula, uma fração sindical, um grupo de bairro, ou de teatro ou o que fosse – se não tínhamos um quadro capaz de dirigí-lo. Se não tem direção um organismo fracassa, por mais perfeito que seja nos papéis. O problema dos quadros existentes é, pois, um problema decisivo – qualquer que seja a etapa da luta de classes que estejamos atravessando – para definir a forma organizativa do partido.
Nós, por exemplo, decidimos organizar o partido durante a campanha eleitoral em torno dos 600 locais que íamos abrir nos bairros operários periféricos. Pudemos planejar isto porque contávamos com uma quantidade similar ou maior de quadros médios, capazes de abrir e dirigir os locais. Se o partido tivesse tido que enfrentar a campanha eleitoral com apenas 50 quadros, teríamos que pensar outra forma organizativa. Possivelmente nos concentraríamos em uns poucos municípios, com grandes sedes centrais, ou outra vertente.
Marx
Examinando em profundidade a luta de classes de sua época, fundamentalmente da Comuna de Paris, Marx definiu quais eram as tarefas revolucionárias no terreno político como sendo a instauração da “ditadura do proletariado”. Isto significava destruir o Estado da burguesia e instaurar um governo operário:
… não fazer passar de umas mãos para outras a máquina burocrático-militar … e sim demoli-la, esta é a condição prévia de toda verdadeira revolução … Nisto, precisamente consiste a tentativa de nossos heróicos camaradas de Paris (Carta de Marx a Kugelmann, citada por Lenin em O Estado e a Revolução, idem tomo 25, pp 408-409).
… a Comuna era, essencialmente, um governo da classe operária, fruto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora…”(Marx, La guerra civil en Francia, idem, p. 424).
Para fazer um governo da classe operária era necessário um partido político da classe operária. Naqueles tempos, a classe operária européia não votava ou, se o fazia, votava nos partidos da burguesia liberal (um fenômeno parecido ao da classe operária argentina em relação ao peronismo). Com o objetivo de realizar a tarefa política fundamental de tornar o proletariado independente da burguesia, Marx, junto com Engels, sustentou a concepção organizativa do partido único da classe operária (algo similar, também, para a palavra de ordem que freqüentemente temos levantado em nosso país de “Partido dos Trabalhadores, ou trabalhista). Era uma concepção correta para a tarefa colocada, máxima quando ainda não havia surgido em todo seu esplendor a aristocracia operária, nem as grandes burocracias do movimento operário assentada em sólidos aparatos.
Todavia, à medida que passava o século XIX e a humanidade adentrava-se no século XX, esta concepção converteu-se em algo perigosíssimo, equivocado e que acabou tendo conseqüências funestas. O que fez aparecer duas leis fundamentais. A primeira, geral, é que a realidade é mais rica do que qualquer construção teórica, já que foi a própria realidade da luta de classes que deixou para trás aquela concepção de Marx (junto com algumas outras, como o livre comércio, o inevitável começo da revolução socialista nos paises mais adiantados e outras). A segunda lei, é que uma concepção rígida e estática da questão organizativa é muito pouco científica e que pode ser tão reacionária quanto uma concepção rígida e estática de qualquer fenômeno humano e social, desde as ciências até as táticas de um partido revolucionário.
A Social Democracia
Acompanhando a concepção de Marx fundaram-se os grandes partidos socialistas europeus que tiveram, durante toda uma época, um papel muito progressivo, tanto que alcançaram a independência política do proletariado, arrancando-o do seguidismo da política burguesa liberal. Ainda hoje sentem-se as conseqüências desta etapa progressista dos grandes partidos socialistas. A ofensiva econômica do imperialismo mundial alcançou potentes retrocessos nos salários dos trabalhadores do mundo semi-colonial, assim como nos Estados Unidos e Japão. Na Europa, ao contrário, o retrocesso é muito menor, porque a classe operária oferece uma resistência encarniçada, cujos melhores exemplos têm sido as tremendas greves dos mineiros da Inglaterra e dos metalúrgicos da Alemanha Ocidental. E isto só se pode explicar pelo fato do proletariado europeu conservar daquela etapa um nível de consciência e organização comoclasse qualitativamente superior a outros proletariados tão ou mais poderosos como o ianque e o japonês.
Porém, estes grandes partidos socialistas sofreram, como não poderia deixar de ocorrer, a influência de novos processos sociais. Com o aparecimento do imperialismo desenvolveuse ao máximo, nos países europeus, a aristocracia operária: um setor privilegiado da classe operária, com um nível de vida superior aos seus irmãos de classe do próprio país e do resto do mundo. Esta aristocracia operária gozava desses privilégios comendo as migalhas que lhes atirava a burguesia imperialista com a exploração dos demais trabalhadores e, sobretudo, das colônias. A ela somaram-se as camadas superiores dos partidos socialistas – que tinham conquistado a legalidade e intervinham permanente e sistematicamente nos processos eleitorais e parlamentares – começou a assimilar-se ao aparato estatal burguês. Processo que pôde se dar porque o sistema capitalista mundial, quando ainda era progressista e desenvolvia as forças produtivas, e, inclusive na primeira fase de sua decadência, já como sistema imperialista, podia fazer grandes concessões, reformas políticas e econômicas para a classe operária metropolitana. O proletariado dos países imperialistas – e até certo ponto, de todo o mundo – vivia uma época reformista, não revolucionária.
Assim, a social-democracia organizou-se essencialmente para alcançar reformas e participar nas eleições, não para fazer a revolução contra a burguesia. Os operários reuniam-se em suas sedes para escutar os oradores, porém ninguém era obrigado a vender jornais, nem fazer qualquer coisa. O partido só queria ganhar votos. Não havia disciplina. Para os social-democratas não interessava agir cotidianamente na estrutura, nas profundidades da classe operária, nas fábricas e oficinas, para ali organizar, na luta diária, os operários e o próprio partido. Era comum que, frente a uma greve, os socialistas votassem divididos, um setor a favor e outro contra, e os dois continuavam no partido.
Assim, os grandes partidos socialistas foram enormes aparatos eleitorais, alheios às lutas concretas e cotidianas e à organização para essas lutas da classe operária, com a única exceção: o trabalhismo britânico e, em certa medida, a social-democracia belga e alemã. A massa de operários socialista tinha um papel passivo. Os únicos que trabalhavam permanentemente eram os que integravam o aparato partidário, que estava controlado por advogados, por deputados ou candidatos, pelos profissionais, pelos jornalistas, que não estavam sujeitos a qualquer controle por parte do partido em seu conjunto.
O Partido Bolchevique
Contra as previsões de Marx, a primeira revolução socialista não triunfou nos países imperialistas mais desenvolvidos e sim no mais atrasado deles, na Rússia Tzarista, com sua população esmagadoramente camponesa, que nunca conheceu a democracia burguesa, porém, também, com o proletariado mais concentrado do mundo. A necessidade de construir o partido para a revolução nessas condições objetivas, onde a norma era a clandestinidade absoluta, onde não havia sindicatos legais nem, muitos menos, eleições periódicas, explica o surgimento de um novo tipo de partido: o bolchevique. Será uma forma de organização inovadora, revolucionária, que podemos descrever em poucos traços fundamentais:
1. tinha uma estrutura que Lenin chamava “conspirativa”, isto é, centralizada e disciplinada, apta para agir em toda situação da luta de classes, passar rapidamente da legalidade para a clandestinidade e vice-versa, adequada para centralizar, organicamente, todas as forças do movimento de massas para a tomada do poder pela via insurrecional;
2. não aceitava, em seu seio, todas as correntes e programas pelo simples fato de reivindicarem-se socialistas. Pelo contrário, estabelecia uma clara linha divisória entre os revolucionários e os reformistas. O partido era dos revolucionários, os reformistas que fizessem outro partido;
3. a atividade central do partido não era a eleitoral e sim a luta de classes. É o partido do trabalho diário, que intervém nas lutas de todos os dias da classe operária e das massas exploradas, acompanha-as, procura organizá-las e organiza, na classe e em suas lutas, o próprio partido. Está nos combates da classe, em todos, tanto nos grandes quanto nos pequenos. Sempre procura estar na frente deles, dirigi-los e organizá-los ou, no mínimo, intervir nos combates espontâneos que a classe faz.
Como se vê é uma forma organizativa diametralmente oposta àquela da social-democracia.
O Fim do Partido Único da Classe Operária
A concepção organizativa de Marx e Engels sobre o partido único da classe operária foi superada pela experiência da revolução russa e pelo partido bolchevique. O próprio processo histórico do século XX demonstrou que era corretíssima a divisão entre socialistas revolucionários e reformistas, isto é, na Rússia, a divisão entre bolcheviques e mencheviques em dois partidos não apenas diferentes, mas inimigos. A partir do ano 1917, esta divisão transformou-se em mundial: em todos os países havia partidos socialistas e comunistas enfrentando-se, organizados em internacionais diferentes, a IIª e a IIIª. A realidade havia demonstrado ser superior à concepção de Marx.
Todavia, assinalamos isto para demonstrar o terrível erro que significa aferrar-se às concepções rígidas em qualquer terreno; a grande revolucionária alemã, Rosa Luxemburgo, não aceitou a divisão dos partidos socialistas, nem que os revolucionários deveriam ter sua própria organização. Isto lhe custou muito caro, para ela e sua tendência, que tiveram que enfrentar uma situação revolucionaria sem um partido adequado e foram aniquilados pela repressão da burguesia, executada pelo governo do socialismo reformista. Mais caro ainda custou para a classe operária mundial, que viu a revolução alemã ser derrotada pela falta de tal partido para dirigi-la e atrasou em décadas – marcada por guerras com milhões de mortos e espantosas situações de exploração e miséria – o desenvolvimento e o triunfo da revolução mundial.
Com base na experiência bolchevique os marxistas revolucionários temos podido desenvolver a teoria que explica porque não pode existir, nesta etapa, o partido operário único. Toda classe tem vários partidos. Tradicionalmente tinha-os a burguesia, representando seus diferentes setores: industriais, agrários ou financeiros, monopolistas ou não-monopolistas, etc. Atualmente, à medida que os grandes monopólios imperialistas estão terminando de aprisionar completamente a estrutura econômica mundial, está se dando uma tendência para a unidade que se expressa no bipartidarismo. Apenas dois grandes partidos tendem a ocupar o cenário da política sob o sistema imperialista-capitalista. Um, de tipo social-democrata, para arrastar os votos operários; outro, de centro direita, para fazer o mesmo com a classe média. Na Europa e em poucos países do mundo semicolonial, como o Chile, os votos operários são arrastados por partidos reformistas. Em muitos outros países, são arrastados por partidos diretamente burgueses, como o peronismo aqui, Acción Democratica na Venezuela, ou o próprio Partido Democrata nos Estados Unidos.
A classe operária é mais homogênea do que a burguesia, a mais homogênea da sociedade. Porém, em que pese isto, não tem garantido a suficiente homogeneidade política de maneira a ter um só partido. Como toda classe, tem diferentes segmentos. Há aristocracias, operários médios e operários super-explorados, quase marginais. Há setores com trabalho temporário e outros que trabalham permanentemente. Os que são da indústria pesada, os da indústria leve, dos serviços e, também o proletariado agrícola. Tudo isto dá motivo para o surgimento de partidos distintos.
Também se dão, refletindo esta heterogeneidade estrutural, ainda que não de forma mecânica, diferentes graus de desenvolvimento da consciência na classe operária. Como disse Trotsky, em uma de suas brilhantes análises: há setores da classe operária que olham para trás e outros que olham para frente (e, nós acrescentamos, outros que não olham para qualquer lado).
Evidentemente, não podem estar no mesmo partido os operários com expectativas pequeno-burguesas, que ainda acreditam que se pode progredir individualmente nos limites do sistema capitalista, e que irão para algum partido burguês ou para algum tipo de partido reformista, com os operários que querem o socialismo, mas não percebem que para consegui-lo é preciso fazer uma revolução, que irão parar em algum partido de tipo social-democrata, com os operários que já são revolucionários e entrarão para o partido marxista revolucionário.
Por qualquer ângulo que se olhe, não há qualquer razão científica que explique ou justifique que deva existir um só partido para a classe operária.
O Estalinismo
Como produto da guerra civil – na qual morreram muitos milhares – e da fome – que provocou sua volta ao campo -, a velha classe operária russa, a que construiu os sovietes, que se colocou atrás da direção do partido bolchevique e fêz a revolução, desapareceu. Este desaparecimento físico em torno de 90 por cento dessa classe é a explicação profunda do triunfo do estalinismo na Rússia. Stalin se impôs sobre uma nova classe operária, recém chegada do campo; sem experiência, nem tradição.
Os bolcheviques procuraram diferentes formas de organizar de maneira revolucionária esta nova classe operária; por exemplo, a organização dos operários sem-partido, organismos para a luta contra a fome, etc. Porém, no geral, não tiveram bons resultados. A conseqüência desta falha organizativa – que era uma falha social, dado que a classe operária apagou-se do processo histórico russo – foi o stalinismo.
Este traçou na Rússia uma nova forma de organização e de ligação com o movimento operário, de tipo inorgânico, ferreamente burocratizado e cujo objetivo central era exatamente o oposto da organização dos sovietes revolucionários e do velho partido bolchevique. Enquanto estes eram organizações para desenvolver, ampliar, generalizar e concentrar as lutas espontâneas dos trabalhadores em uma só e grande revolução, os “soviets”e o “partido bolchevique” do estalinismo eram para impedir toda luta, destruir a espontaneidade das massas, evitar toda organização da classe operária.
Entretanto, fora da Rússia, o estalinismo continuou utilizando um elemento, um apenas, da herança leninista: estar onde estão os operários, ter suas células e militantes nas fábricas, organizar onde está a classe operária, girar em torno de seus problemas cotidianos e não da questão eleitoral, colocar-se à cabeça de suas pequenas lutas. Porém, a canalha burocrática utiliza tudo isto a serviço de sua política de colaboração de classes, traidora, contra-revolucionária. Está nas pequenas lutas para melhor impedir que explodam as grandes lutas, quer dizer, as revoluções. E, se explodem, poder conduzí-las à derrota. E se triunfam, converter os novos estados operários em ferramentas da contra-revolução.
Desta forma, o stalinismo cobriu o flanco descuidado da social-democracia. Eis porque nos países onde a social-democracia realiza excepcionalmente aquele papel, como na Inglaterra e Alemanha, o stalinismo é muito débil. Porém, onde há uma social-democracia “clássica”, como na França, na Espanha, em Portugal, majoritária nas eleições, o stalinismo é uma potência no movimento sindical. Os social-democratas traem os trabalhadores no terreno da política eleitoral; os estalinistas, no terreno da luta diária. É uma verdadeira divisão de trabalho. E existe um partido comunista-estalinista, o italiano, que realiza as duas funções ao mesmo tempo.
O estalinismo sobreviveu por muitas causas, porém uma muito importante e que ressalta o peso decisivo da questão organizativa, que impediu que já se tenha desmoronado totalmente, em que pese sua tremenda crise mundial, é a que acabamos de mencionar. Em muitas ocasiões o PC fez traições incríveis e, entretanto, a classe não rompeu com ele. O operário espanhol, por exemplo, viu os comunistas ao seu lado combatendo junto a si e construindo sua ferramenta sindical máxima: as Comissões Operárias. Junto com isto, chamaram-no a aprovar a monarquia, o Pacto de la Moncloa. Em que pese toda a tradição republicana dos trabalhadores espanhóis e da funesta conseqüência para seu nível de vida com a aplicação do Pacto de la Moncloa o PC espanhol, ainda que dividido e fragmentado, e com sua força eleitoral tremendamente diminuída, continua sendo a direção das Comissões Operárias; e as Comissões Operárias continuam sendo urna potência ao lado da lânguida UGT dos social-democratas. E, claro, a social-democracia completa o outro braço da tenaz contra-revolucionária, arrastando eleitoralmente a classe operária.
II – Revolucionar a Organização Partidária
Os Grupos do Partido
Estamos, então, frente a uma tarefa parecida, em certo sentido, com a abertura de sedes. Quando as abrimos, fizemos a partir de uma profunda análise sócio-cultural da classe operária. Hoje, entre as horas extras, viagens, etc, quase todos os operários estão fora de suas casas por, pelo menos, 12 horas. Longas viagens, jornadas prolongadas, os trabalhos brutais destroçam-nos. Não seríamos marxistas se tivéssemos ignorado esta realidade, abrindo grandes sedes nos centros das localidades e chamado os trabalhadores para virem até elas. Fizemos o oposto: fomos onde estavam os operários, onde vivem, onde nos sábados à tarde ou nos domingos podiam conversar conosco sem que isso significasse um sacrifício adicional. A circunstância de que a atividade central era eleitoral foi a segunda razão de peso para que adotássemos a forma organizativa das sedes.
Agora temos que fazer o mesmo. Irmos aonde estão os trabalhadores. Agora não se trata de abrir sedes nos bairros, ainda que, seguramente, também faremos. Trata-se de organizar os operários, fundamentalmente, onde eles lutam e onde surge a nova direção: nas empresas. Nosso grande eixo é organizar o partido nas empresas. Temos que adequar nossa organização à nossa classe: onde trabalham, onde vivem, onde fique mais cômodo para eles. Que também deve resultar em mais comodidade para nós. Assim, torna-se muito mais fácil disciplinar os companheiros para a atividade a favor do partido.
Antes que na direção resolvêssemos por esta orientação, já havia alguns companheiros que tinham começado a discuti-la e aprová-la. Em Somisa de San Nicolás, por exemplo, o partido tinha 80 ou 100 trabalhadores muito firmes, que cotizavam alto, faziam as tarefas que propúnhamos e alguns eram delegados. Porém, cada vez vinham menos à reunião na sede. O segredo era que estavam trabalhando até 16 horas por dia e se sentiam esgotados pelo trabalho.
Quantos militantes tínhamos em Somiza? Havia dois critérios: se os organizávamos na fábrica eram várias dezenas.
Se eram os que participavam da reunião da sede, eram seis ou sete. Exatamente na época que os companheiros discutiam isto, nós estávamos lendo sobre a situação do proletariado norte-americano. Encontramos declarações de um delegado sindical da fábrica da General Motors, em Lordstown, que nos pareceram interessantes e esclarecedores:
“Não existe, de fato, a jornada de 8 horas. Há jornadas de 16, 12 horas, seis dias por semana. Não é possível ter vida social. A única vida social que podemos ter é dentro da fábrica” (N. York, TIME, 19 de setembro de 1983).
Tratava-se de um fenômeno mundial: o aumento brutal da exploração capitalista. Entendemos o que se passava com nossos 80 ou 100 companheiros de Somisa: não vinham à sede porque estavam destroçados e embrutecidos pelo trabalho e não tinham tempo nem vontade para vir. Em seguida, nos colocamos de acordo: teria que se fazer as reuniões na fábrica, nem mesmo na saída, mas dentro da fabrica.
Este é o critério que temos que adotar para construir os grupos do partido: fazê-lo onde os companheiros queiram, na fábrica, na hora do descanso ou no banho, no café da saída, no bairro… Se, em uma fábrica, os companheiros reúnem-se todos os dias 15 ou 20 minutos, na semana temos uma muito boa reunião de duas horas e meia ou três horas.
Ali discutirão os problemas do estabelecimento ou do sindicato, assim como todos os problemas da luta de classes e da política nacional ou internacional.
E que extraordinária unidade vai ter esse grupo do partido, já que seus integrantes trabalham juntos todos os dias! Onde está maior oportunidade de lutar contra a burguesia, senão ali, de forma concreta, nessa seção ou nessa fábrica? Só assim o partido começa a ser, de verdade, o organizador coletivo, político e sindical, da vanguarda operária.
Se construímos estes grupos, estamos fazendo urna verdadeira organização humana. Isto significa que nem tudo será igual, mas, pelo contrário, muito diverso. Nenhum grupo se parecerá com outro, como em uma escola, onde nenhuma série é igual a outra, nem qualquer aluno é igual a outro. Há maus e bons alunos. Também há os medíocres. Há boas e más divisões. Umas rendem muito e fazem pouca algazarra. Outras rendem pouco e fazem muita algazarra. Há outras que rendem muito e fazem muita algazarra. Nós temos grupos bons, medíocres e maus. Alguns vão ser bons logo de começo e depois vão decair. Outros vão à última raspa do tacho e depois vão nos dar surpresas. Se todos os grupos vendem a mesma média de jornais, cotizam a mesma quantidade de dinheiro, têm a mesma inserção ou influência sindical, etc, está acontecendo algo muito raro. Todos são iguais. Se, pelo contrário, há profundas diferenças, temos um partido vivo, que começa a ser de massas e que reflete o processo mutante e diverso de nossa classe.
O único que temos que pedir para os novos grupos é que trabalhem para o partido, ainda que seja um pouquinho todos os dias. Daí surge nossa definição do que é, nesta etapa, o militante partidário, muito parecida com a que fazia a IIIª Internacional:
“Em geral, todo militante do Partido deve ser incorporado a um pequeno grupo de trabalho com vistas ao trabalho político cotidiano (…) As organizações do Partido estreitam seus laços com os diferentes agrupamentos e membros através do trabalho cotidiano comum (…) Em geral, para ser membro do Partido .. é necessário… cumprir também com as formalidades da inscrição: primeiro, eventualmente, como aspirante, de pois como militante. É necessário pagar regularmente as cotizações estabelecidas, a assinatura do jornal do Partido, etc. Porém, o mais importante, é a participação de cada militante no trabalho político cotidiano”.
O Jornal
A grande ferramenta para a construção do partido e dos novos grupos é o jornal. Daí, já termos dado a partida para nossa “saída para fora” propondo-nos um salto na colocação do jornal.
Não há qualquer possibilidade de construir organismos do partido sobre outra base que não seja a unidade política daquilo que nos integra: a política partidária. Não podemos nos reunir por reunir. Reunimos para agir. Não há grupo que sobreviva se não tem urna atividade concreta, pratica, sobre o setor que atua. O grupo em uma fábrica ou bairro reúne-se para discutir e armar todos os companheiros na política partidária e para saber o que cada militante tem que fazer no dia seguinte nessa fábrica ou bairro. Quantos são os contatos do partido? Quantos são os ativistas sindicais que nos respeitam e que estão dispostos a discutir conosco sobre como organizar a fábrica ou o que fazer no sindicato? Quem se encarrega de conversar com esses contatos e ativistas? O que nos propomos fazer com a Comissão Interna e com o Corpo de Delegados? Quais as atividades que o grupo faz para levar adiante as campanhas nacionais e internacionais do partido? O que se pode fazer na empresa ou no bairro, por exemplo, pela Nicarágua? E pelos direitos humanos? E contra o FMI?
A reunião precisa responder a todas estas perguntas e distribuir entre os companheiros toda a atividade. Fulano fala e passa o jornal a tais e tais operários que nos olham com simpatia política. Beltrano, que é muito vivo para a questão sindical, fala com os melhores ativistas e também lhes passa o jornal. Sicrano, que não se anima a falar na fábrica, mas que é muito organizado, administra as nossas finanças e a do jornal, procurando vender o jornal em seu bairro e aos seus familiares. E todos discutem o jornal e suas campanhas políticas com todos os leitores, procurando uma maneira de ganhá-los para a participação ou para a propagação das posições do partido. Se na fábrica não ocorre uma conversa sobre a Nicarágua, ela sai no bairro. Porém, lá saiu um belo papo com os companheiros da fábrica para explicar porque não pagar a dívida se queremos que nos aumentem os salários. São infinitas as possibilidades de atividade, porém todas têm um ponto em comum: o jornal. Precisamente porque o jornal é o porta-voz da política do partido e, por essa via, organiza toda nossa atividade.
Por essa razão, a construção de novos grupos do partido está mediada pela colocação do jornal. Em geral, vai ser muito mais fácil fazer uma reunião se os que queremos que participem conheçam nossa política e trajetória através do jornal.
Ninguém está verdadeiramente ganho ou em processo de captação se não quer que o partido cresça, estenda-se, torne-se mais forte, começando pelo primeiro passo: que cada vez mais gente leia nosso jornal.
Apenas começamos e já estamos quase cometendo um erro – em alguns lugares já cometemos -: por as reuniões adiante do aumento da venda do jornal. Arrebentamos a alma para reunir novos companheiros ou tornar a reunir os velhos antes de ter saído com tudo para multiplicar o número de jornais. Assim, torna-se difícil reunir o velho e quase impossível ganhar o novo.
Temos que fazer o oposto. Saímos com tudo com o jornal. Vendemos como loucos enquanto ritmo de atividade, porém, sempre pensando, caracterizando e planificando o trabalho. Dessa maneira vamos encontrando os companheiros que, às vezes por conta própria e às vezes porque nós lhes instigamos, oferecem-se para levar algum jornal a mais para vender a um companheiro conhecido com o qual começa a construir a equipe. Apenas tenhamos dois, três ou quatro companheiros de uma mesma fábrica, bairro, colégio ou faculdade, a reunião converte-se em uma necessidade real, não em algo imposto por nós.
Daí darmos importância fundamental a duas tarefas chaves: o piquete e a listagem dos leitores do jornal.
Os piquetes devem ser sistemáticos, semana após semana, sempre que possível com os mesmos companheiros. Os operários de uma fábrica têm que se acostumar que no mínimo uma vez por semana os socialistas estão vendendo seu jornal na porta. Nesta situação política, nosso jornal converte-se em um ponto de referência para setores da classe operária ainda que, todavia, não concordem conosco. Já são numerosas as informações sobre seções de fábricas que comentam nosso jornal na hora do cafezinho. Já existem trabalhadores que nos esperam para comprar o jornal. Não são muitos milhares, todavia podem chegar a ser. Temos que estar ali. Se as forças não dão para piquetear todas as fábricas, selecionamos as que podemos tocar, porém façamos piquetes de maneira sistemática. Piquetear todas as semanas uma fábrica diferente é pouco útil para nós.
À medida que avança a colocação do jornal, tem que avançar o recenseamento ou alistamento dos nossos compradores. Os piquetes nas estações e centros comerciais são muito bons para que o partido ganhe a rua, faça sentir sua presença política. Porém, o mais importante é o estrutural, onde vamos acabar sabendo o nome e sobrenome e até o endereço dos compradores. Nos bairros é mais fácil. Nas fábricas é mais difícil, porém não impossível. Por isso é muito importante que sejam sempre os mesmos companheiros que vão às fábricas. Talvez não convenha, na primeira vez, pedir o nome do comprador. Porém, seria um erro mortal subestimar aquele que já comprou pela segunda vez. Este companheiro quase certo que já é um simpatizante do partido; pode ser um militante potencial.
O jornal é, então, a ferramenta, o meio para a construção do partido, de seus grupos, nas fábricas e bairros. A atividade começa por aí. Portanto, logicamente, há uma dialética. Ganharemos novos companheiros que venderão, por sua vez, mais jornais. Construiremos grupos do partido que venderão muitíssimo mais. Porém, como dizem os chineses, todo caminho de mil quilômetros começa pelo primeiro passo. E o primeiro passo é vender o jornal.
Os Quadros ou “Chefes”
Como já assinalamos não há organismo ou grupo do partido que possa existir se não está nele o companheiro que seja capaz de armá-lo e dirigi-lo. Esse companheiro é o que chamamos “quadro” ou “chefe”. Concretamente, alcançaremos organizar tantos grupos do partido quantos chefes em condições de fazer a tarefa o partido tenha ou ganhe.
Os quadros do partido não ocupam sempre o mesmo lugar. Muitos dos que foram vanguarda para a tarefa central de uma etapa passam para a retaguarda quando muda a etapa do partido e, com ela, a tarefa central. Outros não, continuarão na vanguarda. E aparecerão novos que não empalmavam a tarefa central anterior, porém são uns leões para a nova tarefa.
Cada mudança de etapa exige uma nova prova e seleção dos quadros partidários. Na que estamos entrando essa prova e seleção começa com a venda do jornal e culmina com a construção dos novos grupos do partido. Temos que provar a todos os companheiros que se postulem para ser quadros e a muitos que não tenham postulado – por timidez ou porque explicamos mal a tarefa – porém que possam render igualmente.
Isto não quer dizer que aquele que não vende de cara 20 jornais não é quadro. Pode começar com pouco e ir subindo. Pode ser ruim para vender muitos jornais pessoalmente porém muito hábil para conseguir novos companheiros que vendam. Pode se dar qualquer combinação. A única coisa em comum tem que ser o entusiasmo, a paixão para aumentar semana a semana a venda do jornal. Não basta a compreensão política da necessidade de fazê-lo; sem essa paixão não há avanço possivel.
Como mínimo vamos exigir que, de início, reúna urna nova equipe do partido. Só vamos exigir mais leitores e que os recenseie. A partir daí, como ganha alguns, compromete-os para que queiram ser militantes do partido, que comecem a divulgar o jornal ou a fazer qualquer atividade para o partido; se entretanto, não se animam a vender, que comecem a cotizar; e, finalmente, como conseguir fazer urna equipe de quatro ou cinco companheiros que se reúnam coerentemente. Tampouco nisto se deve ser esquemático: primeiro que vendam e depois que se reúnam. É possível que de tanto ir a uma fábrica todas as semanas, comecemos a reunir na saída com três ou quatro companheiros que querem conversar conosco porque compram o jornal, porém não o vendem. Nesse caso, muito pacientemente, temos que conseguir que essa reunião se converta em um novo grupo do partido onde todos saiam com alguma atividade e vendendo o jornal. As variantes são infinitas; é no esquematismo que mora o perigo.
Estes serão os quadros da vanguarda do partido nesta etapa. Os que vão para fora, para a classe e as massas. Os que vão à sede para armar-se politicamente para a atividade e saem zumbindo para as fábricas, bairros, colégios e universidades. Os que sentem que seu lugar, seu meio natural não é a sede, a vida interna, e sim a classe operária ou o estudantado, o que está fora do partido.
Isto não significa que apenas eles sejam quadros. Eles são a vanguarda, a nata do partido nesta etapa. Porém, quadro é todo companheiro que dedica ao partido seus esforços, que se sacrifica todos os dias dando horas e horas de sua vida para a atividade, para o partido. Quadro é o companheiro que vende muito poucos jornais, porém encanta-se em fazer faixas e fica sem dormir para fazê-las. Ou o que todos os dias decora a sede, consegue cadeiras, faz limpeza e pinta a sede. Ou o que é um grande administrador, que conduz muito bem as contas e tem-nas bem controladas e cutuca todos os companheiros para que estejam em dia com as cotizações e o jornal; ou o que passa organizando festas, rifas, partidas de futebol, ou o que for e consegue dinheiro para o partido. Ou o que é um grande piqueteiro de estações e centros comerciais, não lista ninguém, porém vende dezenas de jornais e faz sentir a presença do partido. Ou o que nos garante o mimeógrafo e está à disposição em qualquer momento para imprimir alguma coisa. Ou mil atividades mais.
Finalmente, há companheiros que são quadros por peso próprio, porque são muito bons em alguma especialidade, ainda que sejam meio devagar e sacrifiquem-se menos do que o resto. Quadro é o grande caudilho sindical ou de bairro, talvez meio indisciplinado, “varzeador”, porém reconhecido como dirigente na fábrica ou bairro. Também é um grande propagandista para fora, que ajuda muitíssimo o partido dando palestras porque amarra a todos osque o escutam. Ou para dentro, que dá muito bons cursos e ajuda assim a formar os militantes. Ou outras variantes, como bons escritores, etc.
Hierarquizar a Estrutura Partidária
Do que disse até agora surge claramente a diferença entre um quadro e um militante de base. Uns militam muito, arrebentam-se pelo partido em qualquer tarefa que seja e/ou cumprem um lugar destacado na luta de classes ou em alguma tarefa específica partidária. Outros são companheiros que fazem sua atividade cotidiana em seu local de trabalho, estudo ou bairro, vendem alguns jornais e cotizam para o partido, mas não dedicam seu tempo livre ao partido, nem se destacam em alguma atividade. Muitos dos militantes de base, com o tempo, acabam sendo quadros. Também ganharemos quadros já feitos porque se formaram em outras organizações ou porque a própria luta de classes formou-os. De qualquer maneira, à medida que o partido cresça e se torne de massas, teremos mais e mais militantes de base, muitíssimo mais do que quadros.
Quadros e militantes de base têm, em certo sentido, os mesmos direitos. Todos têm organismos do partido nos quais discutem e votam; todos têm o mesmo voto para eleger delegados aos congressos do partido, etc. Porém, isso não significa que o partido não hierarquize os militantes. Para nós não é o mesmo o companheiro que se sacrifica totalmente ao partido e aquele que não o faz.
O quadro tem necessidades diferentes daquelas do militante de base. O quadro não busca no partido apenas as respostas políticas para a luta de classes, busca também respostas internas de todo tipo: linha organizativa, cursos teóricos, etc. Se, por exemplo, no processo de saída para fora, ganhamos num bairro um companheiro que vende três a quatro jornais semanais e está disposto a cotizar, ele é um militante de base. Porém, se esse companheiro começa a reunir dois ou três dos leitores do jornal e consegue que todos vendam 15 ou 20 jornais, está se tornando quadro. Imediatamente virá nos solicitar orientação de todo tipo: como organizar as reuniões? Que temas discutir? Como preparar um informe internacional, nacional ou de atividades? Que atividade dar aos companheiros que reúne? O companheiro já começou a dirigir.
Destes dois elementos, o grau de dedicação ao partido e as necessidades que ele coloca, surge a hierarquização do partido. Um quadro tem mais hierarquia do que um militante de base. Da mesma maneira, um dirigente regional tem mais hierarquia do que um quadro de base, já que atua e trata de orientar o conjunto dos quadros e militantes de uma região e ele coloca problemas superiores: elaborar uma política para toda a regional, em suas frentes sindicais, de bairros e estudantis; acompanhar de conjunto as relações com os partidos políticos da zona; garantir os cursos e escolas; ter e garantir um plano de conjunto de finanças; ter um aparato; etc. E aquela que é a sua tarefa mais importante: formar quadros.
Da mesma maneira, mais acima, onde estão os companheiros mais hierarquizados, estão os dirigentes nacionais. E, mais hierarquizados ainda: os internacionais.
Esta hierarquização é parecida, em certo sentido, porém oposta, em outro, àquela do exército. No exército burguês sobe-se, burocraticamente, na hierarquia e por decisão da hierarquia máxima: o comandante em chefe. Ninguém cai na hierarquia, a não ser por alguma ação desonrosa ou algo semelhante. No partido não há hierarquias permanentes. Qualquer um cai se não rende e qualquer um sobe se rende. Um militante está mais ou menos hierarquizado segundo seu rendimento para o partido e para a luta de classes em cada momento. Porém, além disso, a hierarquização se faz democraticamente. É a base do partido, não a direção, que elege os delegados aos congressos. E nos congressos esses delegados elegem a direção.
A hierarquia dos militantes ganha-se pelo esforço e pela capacidade individual, porém concretiza-se através dos organismos do partido. O que está hierarquizado no partido são os seus organismos: o Comitê Central é o organismo dos dirigentes nacionais; a direção regional das regiões, etc.
Na etapa de retrocesso, aquela na qual o partido fica na defensiva, a que acabamos de sair, nossos organismos de base, as sedes, reuniam em suas assembléias quadros e militantes de base, sem diferenças de qualquer tipo. Isto era natural, já que ao estarem fechados nas sedes não se verificam grandes diferenças entre uns e outros. Porém, nesta nova etapa é necessário hierarquizar categoricamente os quadros. Temos que ir para duas reuniões diferentes: a dos quadros e as das equipes de base. A reunião na sede deve ser dos quadros e para os quadros. Eles devem ter, além dessa reunião própria, um tratamento privilegiado: boletim interno para eles e não para todos os militantes; cursos e escolas para eles, etc. Os militantes de base terão reuniões próprias em seus bairros, fábricas e escolas (e, se quiserem fazer, também na sede), com a direção de um ou dois quadros.
Como toda linha categórica, ainda mais se é no terreno organizativo, pode nos conduzir a sérios erros, alertamos quais seriam. É um erro gravíssimo separar os companheiros das reuniões tradicionais da sede porque não os consideramos quadros. E isto por diferentes motivos:
1. Porque, apesar de nossa saída para fora, para a construção de novos grupos de base do partido, estamos nos primeiros passos. É muito ruim tirar um companheiro de um organismo se não existe outro organismo para incorporá-lo. Se fazemos assim vamos perder muitos companheiros valiosos.
2. Porque sendo ainda débil nossa saída para fora não teremos critérios, provas objetivas para saber quem responde como quadro e quem não. Vamos então fazer uma divisão entre quadros e militantes no laboratório de nossas cabeças, em vez de fazê-la no laboratório da atividade partidária e na luta de classes. Assim vamos perder muitos quadros em potencial, que podem vir a ser se os orientamos e os ajudamos em sua atividade, que querem ser, porém que ainda não são.
3. Porque, como todo processo, há uma transição. A revolução é conseguir que nossas reuniões convertam-se em reuniões de quadros por seu conteúdo: discute-se, planifica-se, vota-se e controla-se a atividade como se todos fossem quadros. Porém não se separa ninguém das reuniões de quadros, por enquanto. Aquele que não estiver à altura da reunião vai notá-lo e, de maneira natural, mudará para reuniões de outro tipo, de base, onde se sente mais confortável.
4. Porque somos muito ruins em colocar corretamente os companheiros, como veremos mais adiante. E não devemos descartar ninguém como quadro até termos feito todos os esforços e ter oferecido todas as variantes, localizações e estímulos possíveis para que se entusiasme e tome com tudo alguma atividade de quadro.
Por isso, nesta transição, a hierarquização dos quadros deve fazer-se segundo um critério fundamental: o entusiasmo, a paixão pela atividade. Em primeiro lugar, a paixão por vender o jornal. E também a paixão por qualquer outra atividade na luta de classes e na construção do partido.
A Grande Tarefa da Direção: Localizar, Dar Iniciativa e Motivar os Quadros e Militantes
Ocorre, muito freqüentemente, que descartamos como quadros companheiros que militam todo o dia e todos os dias ou são brilhantes em algum aspecto do trabalho partidário porque não fazem bem a atividade central da etapa: agora, por exemplo, vender jornais e construir grupos do partido. Nós somos contra isto. Se um quadro não rende para o partido não é responsabilidade sua, é responsabilidade da direção regional, que não soube localizá-lo em uma tarefa onde renda, nem entusiasmá-lo, motivá-lo para a atividade.
É muito comum que sejamos unilaterais, formais, esquemáticos, administrativos. Pretendemos que todos os quadros e militantes façam a mesma tarefa e da mesma forma. E, por esse caminho, deixamos que se alheiem ou nada rendam para o partido companheiros que não servem, não sabem ou não se sentem confortáveis fazendo esta tarefa. Se, em uma equipe de quadros, por exemplo, encontramos que todos fazem o trabalho sindical, todos vendem a mesma quantidade de periódicos, etc, algo anda muito mal. Ou já rejeitamos outros quadros que tinham características diferentes em vez de localizá-los onde rendem; ou estamos forçando todos para que façam o mesmo e a maioria dos companheiros sente-se mal, pressionados, incomodados e continuam militando apenas por disciplina e moral, muitos deles aproximando-se da crise.
A mesma coisa pode ser transladada para os novos grupos do partido que estamos formando. Se o quadro de base não viu a direção regional organizá-lo com um método correto, transferirá esse mesmo método burocrático ou administrativo para os novos companheiros nos novos grupos. Ali os resultados nefastos aparecerão com maior rapidez ainda, precisamente porque são novos e ainda não chegaram ao grau de disciplina dos quadros. Simplesmente os companheiros pensarão: “Não sirvo para o que o partido me pede” e afastam-se.
A grande tarefa da direção, em qualquer nível partidário, regional ou de grupo é organizar a atividade dos quadros e militantes. Isto quer dizer: localizá-los, dar-lhes iniciativa e motivá-los.
Localizar significa detectar os pontos fortes e fracos de cada companheiro e propor-lhe uma tarefa de acordo com eles. Não exigir de um tímido que faça agitação nas estações. Não exigir de um rasgador, que é um turbilhão desordenado, que faça o mesmo trabalho sistemático do companheiro costurador, que trabalha em profundidade e morde como um bulldog. Não impor ao companheiro que vende 20 periódicos no bairro, que é feliz conversando com a dona Maria, a quitandeira, que largue tudo e vá piquetear a fábrica, onde não vende nada.
Dar iniciativa significa que, uma vez que saibamos para o que serve um companheiro e conversando com ele, nos colocamos em acordo sobre qual a tarefa que irá fazer, induzimos que ele próprio pense, proponha, faça planos. Queremos que ele mesmo tenha idéias. Seguramente serão muito melhores que as nossas. E, se não são, que faça a experiência. Temos que tomar cuidado com a peste da regulamentação da atividade dos companheiros, impondo-lhes que façam as coisas que ocorrem a nós e da forma que nos ocorrem.
Motivar tem um duplo sentido. Primeiro, que o companheiro faça a tarefa com gosto, que se sinta feliz, realizado. Que veja que ele mesmo vai avançando à medida que progride na atividade. E que está fazendo para o partido o que ele quer fazer. Segundo, que o companheiro veja que sua atividade é útil para o partido, que suas opiniões são escutadas e úteis para o partido. Somos especialistas na insensibilidade. Em atirar baldes de água fria sobre companheiros que chegam contentes porque fizeram algo e nós não lhes prestamos a atenção, não ressaltamos a iniciativa do companheiro frente à equipe, não o parabenizamos por essa atividade, não o ajudamos a tirar as conclusões e ver como melhor continuar em frente. Por que? Porque essa tarefa afastou-se da “sagrada escritura” do momento.
Por exemplo, se um companheiro quer organizar um campeonato de futebol entre sedes ou fábricas da regional, em vez de motivá-lo e alentá-lo para que o faça e nos pormos a pensar como o partido pode aproveitá-lo para firmar os laços de companheirismo, discutir informalmente a marcha da atividade, atrair simpatizantes para integrá-los mais ao partido, falar sobre a situação nas fábricas, etc, certamente pensamos ao contrário: tratamos de desalentá-lo porque isso não nos serve de maneira imediata para aumentar o número de periódicos vendidos ou construir novos grupos. Esse companheiro não irá nunca mais ter uma idéia e se a tem, não irá propor a nós.
Como vemos, esta tarefa, a de organizar localizando, dando iniciativa e motivando os companheiros, é o oposto aos métodos administrativos que muitas vezes utilizamos. Para o administrador cada companheiro é um número e o mesmo se passa com cada jornal colocado. Resulta em um informe: temos tantos quadros, tantos militantes, tantos grupos e vendemos tantos jornais… Tá acabado. Para o verdadeiro organizador, cada quadro, grupo, militante e leitor do jornal é um ser humano ou um organismo humano e, por isso mesmo, diferentes uns dos outros, ao contrário dos números não são todos iguais.
Apenas formando-nos e ajudando a formar todos os quadros com este critério poderemos avançar para construir um partido de massas.
Um Grande Obstáculo: Nosso Sectarismo
Para avançar pelo caminho que nos propomos, temos um grande obstáculo: nosso sectarismo. Nosso partido nem sempre foi sectário. Fomos nos começos, quando éramos um grupo minúsculo, porém, tendo ido para a classe operária aprendemos e superamos o sectarismo. A partir de então, até a construção do PRT (La Verdad), tivemos outros desvios. Por exemplo, éramos obreiristas e não dávamos importância ao trabalho sobre o estudantado, limitando muitíssimo nossas possibilidades de ganhar intelectuais revolucionários para multiplicar a formação de quadros.
O sectarismo começa quando o partido torna-se grande, como o PST, que se nutre fundamentalmente da vanguarda estudantil que lutou contra Ongania e, depois, já com centenas e até milhares, com o que surge depois do Cordobazo e com as eleições de 1973. A partir de 1973 ou 1974 descobrimos uma lei infernal: quanto mais crescíamos mais sectários nos tornávamos.
Tínhamos lido marxistas prudentes que falavam da totalidade que era a social-democracia alemã, para explicar porque não se devia romper com ela ou havia muitos militantes que não queriam romper com ela. A social-democracia alemã era um micromundo, que obtinha milhões de votos, tinha teatros, clubes, sindicatos, bailes, bibliotecas, clubes de libertação sexual. Dentro dela havia respostas para quase todas as inquietações e necessidades que poderia ter uma pessoa. Aqui também o socialismo, o anarquismo e o estalinismo eram micromundos em suas épocas de esplendor. Tinham orfeões (quer dizer, conjuntos musicais e coros), além de clubes e bibliotecas.
Estes micromundos estão imersos no verdadeiro mundo, a sociedade capitalista, horrorosa, hostil. A vida dentro deles e muito mais linda que fora: parece que se conseguiu o socialismo agora. Forma-se uma tendência centrípeta: quer-se viver dentro do partido.
É uma tendência desgraçada: acreditar que já está solucionado tudo quando não se solucionou nada, já que a sociedade capitalista continua aí, vivinha e serpenteando, preparada para destruir com um bote o micromundo. Isto foi o que se passou com a social-democracia alemã: Hitler a destruiu, e seus clubes, bibliotecas e sindicatos.
Esta tendência surgiu entre nós quando fizemos um partido de vários milhares. Dentro do partido os companheiros encontravam um micromundo, uma ilhota socialista no oceano capitalista. Isto é parcialmente certo: temos uma moral diferente e relações humanas livres, solidárias e fraternais, diametralmente opostas às que se dão fora do partido. Se um moço e uma moça se gostam, podem relacionar-se franca e diretamente, sem passar por todos esses trâmites hipócritas que exige a pseudo-moral burguesa. Se há companheiros em greve ou sem trabalho, o partido e os militantes são solidários com eles…
Isto empurra para viver dentro do partido e não sair ao mundo “hostil”, não fraternal. Começaram a gostar mais das reuniões do que da luta de classes. Usamos uma linguagem própria, que ninguém entende a não ser que tenha no mínimo vários meses de partido. É muito comum, por exemplo, que em reuniões onde há companheiros novinhos, digamos “estrutura” em vez de local de trabalho, estudo ou moradia. Preferimos uma festa do partido a uma beleza de baile de bairro operário. Preferimos conversar com companheiros do partido e não com operários de fora. E mil exemplos mais.
Pior, não somos a social-democracia alemã. Ser sectário de um partido de milhões de votos e dezenas de milhares de ativistas é grave, porém muito mais compreensível. Porém, ser sectários de um partido com uns poucos milhares e que, no entanto, não tem influência de massas, é uma tragédia. E cada vez que ganhávamos 500 militantes novos, havia um novo empurrão sectário. Em vez de continuar crescendo, nos púnhamos a viver para dentro e fazer dos 500 novos companheiros, 500 novos sectários.
O sectarismo manifesta-se, como já vimos antes, na forma administrativa de localizar e dar tarefas aos quadros e militantes. Não os localizamos considerando suas relações com a sociedade e a luta de classes, quer dizer, respondendo à pergunta: O que este companheiro pode fazer em sua fábrica, bairro ou colégio? Localizamo-lo em função do que supomos ser os objetivos votados pela direção: todos para piquetear fabricas, por exemplo.
Porém, isso também se expressa em nossas relações com os fenômenos e correntes políticas que ocorrem na sociedade. Por culpa desta tendência sectária não pudemos fazer um trabalho forte, intenso, sobre os milhares de novos dirigentes operários e estudantis, honestos e extraordinariamente combativos que se nucleavam na JTP, os Montoneros e o classismo na etapa anterior. Para nós, tudo o que não fosse do partido ou não nos desse razão de cara era um pequeno burguês, contra-revolucionário, nosso inimigo e da classe operária. São muito poucos os companheiros que podemos ganhar para nosso partido desses milhares de lutadores de vanguarda. Mais ainda, este balanço não deve ocultar-nos a razão decisiva do nosso fracasso: a arrasadora força do peronismo.
Esta tendência sectária volta a se manifestar agora, à medida que crescemos. Tem sido muito difícil fazer com que os companheiros tomem com entusiasmo o trabalho de ir ao PI, ao PC, Franja Morada. Não passa pela nossa cabeça que o partido socialista revolucionário que já tem alguma força, como nós, deva ter militantes em todas as outras organizações. E, se abrimos o diálogo com alguém de outra organização, desesperamo-nos para ganhá-lo rápida e individualmente, qualificando-o duramente se não conseguimos. Em vez de deixá-lo amadurecer, tratá-lo com respeito e respeitar seu próprio ritmo de desenvolvimento. Temos que combater esta tendência sectária. Se não a vencermos, o partido estanca e acaba retrocedendo.
A luta contra o sectarismo é impossível se não temos uma segurança e confiança absolutas em nossas posições e em nossa classe. Se nossas posições são corretas e se é certa a frase de Marx: “A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”, temos que saber que a maioria dos companheiros dos outros partidos com que tratamos em nossa atividade diária, cedo ou tarde vão ser do nosso partido. Todo operário, todo assalariado, todo estudante plebeu ou com inquietações progressivas virá ou, no mínimo, pode vir para o nosso partido. Se não vier em um mês, será dentro de um ano, de dois, de três… No final do caminho vamos nos encontrar, por que o caminho é o nosso partido. É o que, no fundo, todos eles, com maior ou menor consciência, estão buscando e querem percorrer.
Não estamos falando dos velhos quadros esclerosados nos aparatos estalinistas ou sindicais, ou na imundície do aparato peronista ou radical. Esses já têm interesses próprios, que se medem na maioria dos casos, em pesos ou em dólares. Porém, sim, falamos daqueles que simpatizam com eles e são militantes ou quadros médios deles, porque acreditam honestamente que assim lutam contra o imperialismo e a oligarquia, ou pelas liberdades democráticas e contra os genocidas, ou pela melhoria
do nível de vida dos trabalhadores, ou inclusive, pelo socialismo. Alguns, inclusive, poderiam estar em nosso partido, porém não nos vêem como perspectiva porque somos pequenos, conseguimos poucos votos, não somos apoiados por nenhum Estado Operário…
Nosso partido tem tudo em comum com estes companheiros. Queremos a mesma coisa que eles. Não os consideramos nossos inimigos porque estão com outra organização (ou porque são antipartidos). Inimigos nossos, da classe operária e da revolução são seus partidos e dirigentes, não eles. Eles são nossos companheiros de luta.
Imaginemos um pequeno-burguês estalinista, cheio de inquietações. Está no PC porque acredita que é o melhor partido de esquerda, aquele que está mais à esquerda. Ou então já considera que não está tão à esquerda, porém acredita que é o único que pode conseguir resultados positivos. Ou está ali por que o PC é ó único que pode alcançar resultados positivos. Se temos confiança em nossa classe, em nossos companheiros de luta, para nós esse pequeno-burguês estalinista é formidável. É um firme candidato a militar conosco em nosso partido, uma vez que faça a experiência com o seu… Sempre e quando não formos sectários com ele.
O que discutiria um sectário? Que o estalinismo traiu a revolução espanhola, que o PC argentino foi sócio de Videla, que Victor Manuel III, rei da Itália, concedeu a ordem da Annunziata para Stalin, que Stalin traiu a revolução chinesa. Esse pequeno-burguês não sabe nem quem é Victor Manuel nem Chiang Kai Shek. Da guerra civil espanhola só conhece as canções. E sobre a política do PC frente a Videla não está convencido de que tenha sido assim, porque senão já teria rompido com ele.
Um não sectário começaria por ter relações políticas claras, porém fraternais e proporia a unidade de ação. Claridade: estamos totalmente em desacordo quanto à política de sua direção. Fraternidade: somos lutadores da classe operária e para mim você é um companheiro de luta. Unidade de ação: no que podemos trabalhar juntos? Façamos juntos alguma coisa pela Nicarágua? Apoiemos juntos uma greve? Lutemos juntos contra a expulsão desse seu companheiro secundarista que expulsaram da escola porque vendia “Qué Pasa”?
Se vamos como sectários, esse “pebê” nos julgará como um pedante, patife, que não o ganhamos para nada, que somos discutidores, que queremos ganhar discussões (o que seria verdade nesse caso). É um grave defeito. Nunca um socialista revolucionário dá a impressão de que quer ganhar a discussão. Sempre procura demonstrar que quer acordos práticos para fazer algo para que avance o movimento operário e de massas.
Porém, para fazer isso é preciso ter confiança nesse “pebê” estalinista. Dizer para nós mesmos: “Que beleza de pebê! Os estalinistas ganharam-no, mas eu vou ser mais hábil do que eles!”. Não nos enojamos, não o trituramos na polêmica. Discutimos sim, permanentemente, porém sobre as propostas de ação comum. Cedo ou tarde o processo histórico vai a nosso favor e vai trazer o “pebê” estalinista para nossas fileiras.
Nem falemos quão terrível pode ser o sectarismo se, em vez de tratar-se de um militante, saímos a polemizar para ganhar a discussão com as centenas de milhares de operários de base peronista, as centenas de milhares de operários alfonsinistas, simpatizantes do PC ou do IMP com quem dialogamos em nossa atividade diária.
A Captação e o Perigo Oportunista
Só superando o sectarismo triunfaremos naquilo que, em termos gerais, é a grande tarefa que nos propusemos: captar para o partido. A outra face do sectarismo é o oportunismo: não nos apresentamos frente a todo mundo como do MAS. Apenas o fazemos quando o companheiro já está próximo do partido. Se é de outro partido ou nos diz que não quer saber nada dos partidos, não discutimos política e caímos em relações confusas, pouco claras ou diretamente desviadoras. Por exemplo, se é ativista sindical só tratamos de sindicalismo com ele. Assim não podemos captar.
Como captar? Simplesmente assim: a toda pessoa que se quer captar, diz-se: “Olhe, quero que entre para o partido”. Em qualquer lugar que vamos, nem bem cumprimentamos, dizemos: “Sou do MAS”. Não devemos ter vergonha de dizer que somos do MAS, nem de oferecer o jornal, nem de pedir dinheiro para o partido. Muitos, para nossa surpresa, nos responderão: “Isso é o que eu estava esperando, que me oferecesse teu jornal ou me convidasse para teu partido”. Tampouco ser sectários se nos respondem que não. Continuamos tão fraternais como sempre e, uma vez por mês, tornamos a insistir: “Você está seguro de que não quer entrar no partido?”
É fundamental criar estes reflexos antioportunistas e anti-sectários no partido. O reflexo de que, com qualquer um que falemos, nos apresentemos como do MAS, oferecendo-lhe o jornal.
Todo mundo tem que saber que somos do MAS e que queremos ganha-lo para o MAS.
Recentemente houve uma grande greve onde o partido participou com tudo e dirigiu. Durante toda a greve não aproveitamos a reunião permanente dos operários na “onda popular” e não fizemos propaganda, cursos e palestras sobre o partido. Não havia ninguém que dissesse: “Companheiros, quem está apoiando vocês com tudo é o meu partido, estou falando em nome do meu partido, propondo que entrem para o meu partido”. O companheiro da direção que foi para lá começou a dar cursos e palestras, porém aparecia como algo misteriosíssimo: todo mundo sabia que ele era do MAS, porém o único que não dizia que era do MAS era ele.
Discutimos e lhe dissemos: “Capta-se… captando”. No dia seguinte, no curso, ele disse: “Bem, companheiros, eu estou dando cursos porque sou do MAS e o plano que tenho, francamente, é captá-los a todos para o meu partido quando terminarmos o curso”. A resposta foi: “Faz tempo que esperávamos isto…” Essa foi a primeira captação em grande escala que fizemos nos últimos tempos.
Temos que conseguir esse reflexo, como o PC ou o PI, que o que fazem primeiro é perguntar: “Está filiado? Não? Então, filie-se”. O estalinismo acrescenta: “Venha até nossa sede, reúna-se conosco”. Temos que ter essa mesma obsessão: ganhar para o partido.
Para isso é preciso sermos hábeis. Conseguir que as pessoas tenham confiança em nós, sintam-se confortáveis conosco. Não ser pesados. Não dar ordens. Porque é muito freqüente que de início sejamos tímidos para colocar a captação e, uma vez que a colocamos, começamos a perseguir. Não procuramos ver se quer ou não entrar, de verdade, para o partido, se quer ou não fazer algo pelo partido. Muitas vezes os companheiros não entram ou se afastam do partido porque os incomodamos mais do que evangelistas. Não perceber que nós trabalhamos segundo o que ele quer fazer e o que ele pensa, não segundo o que queremos e o que pensamos.
Aquele que não está convencido de que não temos que pagar a dívida externa discutimos e discutimos. Deveríamos, ao contrário, buscar outro tema, como os direitos humanos, ou como derrubar a burocracia, ou porque lutamos contra Alfonsin e ele odeia Alfonsin porque é “gorila”. E pode vir a ser um grande companheiro do partido, ainda que por algum tempo nos encha o saco em todas as reuniões sobre a necessidade de pagar a dívida porque dívidas são questão de honra.
Há muitos companheiros que não querem vir ao partido ou às suas reuniões. Como nos respeitam ou são nossos amigos, dão voltas e voltas para nos dizer não. No fundo, esperam que digamos que se não querem vir que não venham e continuamos sendo amigos e companheiros como sempre. Nem isso sabemos fazer. Sempre vamos para um dos pólos: ou temos um medo bárbaro de dizer-lhes que entrem para o partido ou os incomodamos de forma insuportável para que entrem.
O que também não sabemos fazer é captar em grupo. Quando entramos em contato com um grupo também vamos aos extremos: ou queremos ganha-los um a um, individualmente, ou nunca colocamos para o grupo, em conjunto, que entre para o partido, ou cometemos os dois erros ao mesmo tempo.
Se queremos captar individualmente um grupo, por exemplo, de cinco ou seis operários que se reúnem conosco à saída de uma fábrica e compram nosso jornal porque vêem que os apoiamos contra a patronal e a burocracia, destruímos o grupo. Ganhamos um, mas o grupo se divide. Cedo ou tarde, os demais inteiram-se de que um deles se reúne em separado com o partido. Não entendem porque. Começa a desconfiança. “Por que não nos convidaram todos? Por que se reúnem às nossas costas? Não nos queriam utilizar sem que nos déssemos conta?” Com esse clima já não podemos captar ninguém?
Porém, muito freqüentemente, vamos ao outro extremo: por temor de perder não nos jogamos para captar todo o grupo. Pensamos: “Se coloco agora, dos cinco ou seis companheiros só vou captar dois ou três. Melhor esperar mais tempo, até que todos estejam maduros”. Muitas vezes perdemos todos.
Nós aprendemos com os companheiros norte-americanos do Socialist Workers Party que nunca se ganha sem perder (vejam a importância que tem uma Internacional!: entre outras coisas, aprende-se muito). Há uma oportunidade para captar, como para qualquer outra coisa. Toda pessoa e todo grupo humano tem um processo: se vêm para nós e não os agarramos a tempo, vão-se embora. Excepcionalmente, ficam girando no vazio. Porém, dentro do grupo nem todos têm a mesma dinâmica, nem amadurecem ao mesmo tempo para ser captados. Temos que ter a coragem, a serenidade de saber que quando colocamos ao grupo que os queremos captar, algo vamos perder.
Se temos um grupo de cinco companheiros, elegemos o momento de colocar a entrada para o partido e dizemos para nós mesmos: “Há cinco. Chamamos para entrar para nosso partido. Se perco um, é excelente. Se perco dois, é bom. Se perco três, é ruim, porém pior é nada; ganhar apenas dois não é um desastre. Terminou o problema: vou definir a situação”. Depois, com tranqüilidade, temos que fazer um balanço para aprender. Queríamos ganhar quatro e só ganhamos dois. Por que? Fomos apressados? Deixamos passar o melhor momento e convidamos tarde demais? Tínhamos uma caracterização errada dos companheiros? Não fizemos bem o trabalho político? Eram apenas relações de amizade ou sindicais? Etc. Assim, aprendemos, e na próxima vez será melhor.
Extraído de marxists.org.