O marxismo japonês
Especialista expõe e comenta as principais correntes do marxismo japonês desde o início do século XX.
Como conteúdo integrante do especial sobre a Copa do Mundo que a Revista Movimento prepara sobre os 32 países partícipes da competição, publicamos tradução inédita de entrevista conduzida com a estudiosa em Filosofia marxista e Estudos Japoneses Elena Louisa Lange. Nas linhas abaixo, a especialista identifica as principais tendências do marxismo japonês ao longo do século XX, apontando as potências e debilidades presentes em tais abordagem. Rica em detalhes, a entrevista é uma boa ilustração dos obstáculos encontrados por uma teoria forjada no exterior que precisa ser aclimatada em um contexto social distinto daquele do qual foi inicialmente forjada. Não obstante, demonstra o vigor do marxismo como teoria explicativa das mais diversas sociedades capitalistas pelo mundo. Do Brasil ao Japão, passando pela França, onde a entrevista foi realizada, cabe aos marxistas se apropriarem da teoria e forjar, em luta, uma práxis que dê conta da superação das contradições das realidades de cada país. Leia abaixo os principais trechos da entrevista conduzida por Vincent Chanson e Frédéric Monferrand.
O marxismo japonês é desconhecido no mundo francófano. Apesar de algumas notáveis exceções, como o estudo de Jacques Bidet ‘Kozo Uno e sua escola. Uma teoria pura do capitalismo no Dicionário Marx Contemporâneo’, um número especial da revista Actuel Marx (O Marxismo no Japão, n.2, 1987) assim como alguns outros textos, essa tradição está fora dos debates contemporâneos. Para sanar um pouco essa falta, você poderia nos apresentar brevemente as principais correntes e principais figuras dessa tradição?
Elena Louisa Lange – De um ponto de vista geral, é difícil encontrar no Japão do pós-guerra um intelectual que não tenha, de algum ponto de vista, “flertado” com o marxismo. A reelaboração da tradição marxista no Japão depois da Primeira Guerra mundial foi tão influente que mesmo as figuras mais conservadoras se sentiam obrigadas a citar o nome de Marx para serem levadas a sério nos debates. Mas não é preciso dizer que essa recepção encontrou muita resistência, ela mesmo foi reprimida no início, durante a era Meiji (1868-1921), a era Taisho (1921-1926) e sobretudo no começo da era Showa (1926-1945). Quando houve, no começo da era Meiji, um período de “ocidentalização” e de importação massiva da filosofia ocidental (que consistiu essencialmente em grandes projetos de tradução para os quais o governo imperial implementou um ministério especial), tratava-se geralmente para as autoridades oficiais de defender o que se convenciou a chamar de “filosofia burguesa”, a saber, o idealismo alemão, o racionalismo e o empirismo britânico e a filosofia vitalista francesa (Bergson). É verdade que o Manifesto do Partido Comunista foi traduzido ao japonês em 1904 por um militante político, Kotoku Shusui, mas no conjunto o movimento socialista do começo da era Meiji foi constantemente perseguido. Foi apenas a partir dos anos 1920 que uma dinâmica de publicação ao redor da teoria marxista se afirmou, notadamente com a tradução do primeiro livro do Capital em 1920, seguido rapidamente pelos livros II e III em 1924. Contudo, foi preciso esperar a derrota do Japão pelo exército estadunidense para ver esse fenômeno se ampliar – ironicamente, foi isso que promoveu publicamente os estudos marxistas nas escolas e universidade. Mas “Marx” não era apenas um simples objeto acadêmico. A forte presença do marxismo nos debates públicos do Japão do pós-guerra contribuiu largamente para seu impacto na sociedade japonesa. Esses debates, que aconteciam sob a forma de mesas redondas nas revistas e nos grandes jornais, como o “Asahi Shinbun”, contribuíram durante muito tempo à vivavidade da tradição intelectual japonesa. Geralmente, parece que essa forma de recepção, que era muito elaborada se pensarmos na sofisticação metodológica das discussões marxológcas, teve o mesmo vigor que a recepção de Hegel ou de Darwin no fim do século XIX. No que se refere às diferentes correntes do marxismo japonês, é necessário mencionar o papel fundamental do Partido Comunista Japonês, dos seus membros, dos seus dissidentes e de suas polêmicas, como por exemplo o famoso debate sobre a natureza do capitalismo japonês nos anos 1930. Eu não me estenderei sobre esse ponto, uma vez que Jacques Bidet já abordou os principais aspectos dessa discussão em alguns de seus estudos. No lugar disso, eu prefiro insistir nas principais correntes “heterodoxas”, introduzi-las brevemente. Em primeiro lugar, uma das mais influentes foi certamente a de um marxismo orientado às questões literárias, filosóficas e à crítica cultural (cultural critic) que, com um marxismo voltado à econômica política, foi o mais presente nos debates acadêmicos. Evocamos assim algumas das grandes figuras do campo literário, especialmente o movimento de literatura proletária dos anos 1920-1930, com autores como Nakano Shigeharu (1902-1979), ou mesmo Yoshimoto Takaaki (1924-2012) que foi o pai do célebre escritor Banana Yoshimoto e foi um ator importante do movimento de contestação estudantil dos anos 1960.
No que se refere ao marxismo no campo especificamente filosófico, é um tanto delicado isolar um ou dois grandes nomes, mas mencionemos mesmo assim o de Hiromatsu Wataru (1933-1994) que é certamente o segredo mais bem guardado do marxismo japonês (uma vez que nenhum de seus textos está disponível em linguais ocidentais). Ele se debruçava, sobretudo, em interrogar a ideia de reificação e explorá-la em todas as suas dimensões e consequências epistemológicas. Podemos evocar também Umemoto Katsumi (1912-1974), um filósofo marxista cujas principais referências eram as Teses sobre Feuerbach e a Ideologia Alemã. Ele foi uma figura cenral no “debate sobre a subjetividade” (1946-1948), que tratava do status do indivíduo no materialismo histórico, e que se revelará limitado na medida em que ele não pôde se libertar de certas ressonâncias hedegerianas-existencialistas. Notemos que um bom número de debates sobre Marx foram feitos por filósofos muito marcados pelo idioma existencialista. Sartre era sem dúvidas muito conhecido no Japão, e mesmo aqueles que pretendiam criticá-lo mobilizavam categorias como “ser” ou “nada”. No plano do marxismo cultural (cultural marxism), mencionemos Tosaka Jun (1900-1945). Tosaka é certamente muito importante para ser mencionado apenas alusivamente, de passagem. Perdoem então esse pequeno desvio. Ele foi estudante do filósofo idealista de direita Nishida Kitaro, mas se tornou rapidamente um crítico do idealismo filosófico e se reapropriou do paradigma materialista. Ele funda assim o “grupo de pesquisa sobre o materialismo” (yuibutshu ron kankyukai) em 1932, um grupo que não se reduzia às questões de ordem estritiamente filósofica, mas que se debruçou sobre problemas referentes à atualidade: o crescimento do fascismo, o papel das mídias, o da ideologia. Ele foi, claro, vítima da repressão: ele morre na prisão em 1945. Do meu ponto de vista, ele foi um dos que levaram de fato a sério a 11ª tese sobre Feuerbach, e se impôs como um dos raros críticos consequentes da sociedade japonesa, numa época em que isso era virtualmente impossível. Podemos citar outros críticos culturais como o influente Maruyama Massao (1914-1996) que não era, contudo, marxista. Mas a sua perspectiva que associa a psicanálise e a crítica da sociedade lembra alguns aspectos da Escola de Frankfurt (ainda que ele não tenha tido conhecimento dessa corrente).
Enfim, em relação à crítica da economia política, a teoria marxisa abre um espcro que vai da crítica da pobreza e da acumulação capitalista a debates mais específicos sobre a teoria da forma-valor. Inútil precisar que Uno Kozo (1897-1977) foi um intelectual, no sentido científico do termo que evoiquei precedentemente, que possuía um profundo conhecimento da teoria econômica marxista. Uno debateu com um grande número de teóricos e intelectuais de esqueda, e suas obras abarcam muitos textos do tipo “Resposta à crítica do Professor X”, que se mostrava ser um rival – como Kuruma Samexo (1893-1932)-, mas também com alguns de seus estudantes e de seus colaboradores, como por exemplo Furihata Setsuo (1930-2009). No momento, Uno é considerado uma referência para uma boa parte dos economistas críticos, e ele é muitas vezes criticado e discutido. Assim, Otani Teinosuke (nascido em 1934), que é professor emérito de economia na Universidade Hosei de Tóquio, se presta neste momento a perseguir a crítica filológica que Kuruma Samexo, o grande rival de Uno, realizou. Isso permite a realização de muitos seminários e jornadas de estudo sobre O Capital e os Grundrissse.
Desde o começo dos anos 1920, intelectuais como Kazuo Fukumoto importaram certos elementos da teoria marxista ao Japão e, mais especificamente, elementos relevantes do que se convencionou a chamar de “marxismo ocidental”, com problemáticas como a da alienação ou da reificação, etc. Você considera essas noções centrais nos debates japoneses? Qual articulação pode existir entre o “marxismo ocidental”, em suas formas mais hegelianas (Lukács, Korsch, a Escola de Frankfurt), e o marxismo japonês?
No conjuno, o problema do fetiche e do valor pensado conjuntamente com uma análise das manifestações de suas formas reificadas não foi explorado de maneira central no marxismo japonês. É verdae que o História e Consciência de Classe de Lukács foi em parte traduzido a partir de 1927. Mas esse recolhimento não produzim o impacto considerável que poderíamos pensar sobre o plano da recepção da problemática da reificação. Para ele, há uma verdadeira ruptura entre o conceito de alienação, ainda muito hegeliano, e o que podemos encontrar no jovem Marx, e nas elaborações mais tardias em que a noção de reificação é tratada na seção do Livro I do Capital consagrada ao teorema do Caráter feitichista da mercadoria. Mas esse último ponto foi interpretado de maneira incompleta por Hiromatsu, notadamente porque a dimensão intrassubjetiva do fenômeno não foi completamente explorada. Ao lado da noção de reificação (Verdinglichung), ele elaborou a de coisificação (Versachlichung) que insiste de maneira mais completa e aprofundada sobre o processo de troca de mercadorias e seus efeitos no plano mais intersubjetivo. Hiromatsu foi, contudo, um daqueles que tematizaram claramente a noção de valor como fetiche, assim como a maneira pela qual as relações sociais tomam a forma de relações entre as coisas. Como podemos constatar, se esse problema foi visado, ele o foi apenas no domínio da filosofia marxista, e não a partir da teoria econômica. Entretanto, mesmo entre os filósofos, uma abordagem de tipo materialista foi embutida de idiomas fenomelógicos e existencialistas – e às vezes inclusive de idiomas idealistas fichtianos. Contudo, ela evoluiu com o novo interesse suscitado pelas teorias do valor, que não podiam de fato estudar o problema do fetichismo. Um estudo recentemente publicado pelo jovem pesquisador Sasaki Ryuji, Marx’s Theory of Reification.Thinking Material as the Critique of Capitalism (2011) é um marcador importante na esperada reexploração desse problema há muito tempo negligenciado no Japão. Mas não é possível considerar esse problema sem se reapropriar da longa discussão ocorrida a seu respeito no Ocidente, com a Escola de Frankfurt, por exemplo. De todo modo, Benjamin, Adorno, Horkheimer e Marcuse ainda não foram levados a sério como marxistas que discutem o problema do fetichismo. No Japão, os seus textos são lidos sobretudo nas áreas da hermenêutica cultural (Benjamin) ou da sociologia (Adorno, Marcuse). O mínimo que podemos dizer é que a recepção da Escola de Frankfurt e de seu impacto crítico não foi muito forte. Por exemplo, o conceito de “abstração real” elaborado por Alfred Sohn-Rethel, ainda que absolutamente central nas abordagens recentes sobre à teria da forma-valor, não foi, até onde eu saiba, discutido no Japão. É possível, assim, abrir uma nova página da história da teoria marxista se ele fosse aplicado ao contexto japonês. É de fato estranho que, assim como Hegel, tal como mencionamos anteriormente, ainda que tenha sido uma das figuras centrais dos departamentos de filosofia desde o século XIX houve poucos marxistas hegelianos; com exceção de Mita Sekisuke (1906-1975) e Funayama Shin’ichi (1907-1994) com sua insistência sobre a categoria de “materialismo antropológico”. Em regra geral, a maior parte dos economistas marxistas no Japão recuou diante da ideia de teorizar a noção de reificação. E é também interessante constatar a partir dessa perspectiva que Mita Sekisuke se revelerá uma crítica radical de Uno Kozo.
Na França, Uno Kozo é uma das figuras mais conhecidas do “marxismo japonês”. Você poderia nos dar uma apresentação sintética de seu trabalho teórico? Uma das especificidades da escola de Uno é a elaboração de uma teoria “pura” do capital. Esse objetivo “transcendental” parece um tanto especulativo e contra-intuitivo: quais são suas questões epistemológicas?
Tal como elaborada no trabalho seminal de Uno, Keizaoi Genron (1950-52/1964) , a ideia que apoia o desenvolvimento de uma teoria “pura” da economia é muito mais simples do que poderíamos imaginar: para compreender a estrutura de uma “sociedade da mercadoria” é necessário se ater à distância entre as pesquisas empíricas e históricas, de modo a elaborar uma teoria cuja validade ultrapasse sua aplicação apenas à sociedade capitalista. O objetivo de Uno é certamente compreender o capitalismo, mas a inteligência da sociedade burguesa é, segundo ele, a chave de compreensão das sociedades pré ou pós-burguesas. A construção de uma teoria credibilitada do capitalismo implica, assim, o afastamento de todo dado histórico, como de qualquer utilização de estatísticas, de tabelas, questionários etc. Além de seus métodos respectivos, sobre os quais eu tratarei posteriormente, a diferença mais marcante entre Keizai Genron e O Capital de Marx reside, para mim, no fato de que O Capital consiste essencialmente em uma crítica da economia política. Contudo, não se encontra nada disso em Uno. Ele preferiu tomar as críticas marxianas de Smiht, Ricardo, Say, Quesnay etc. como fatos estabelecidos. É assim que ele pôde recriar os três volumes do Capital no espaço de 227 páginas (na edição de 1964, ao menos). Trata-se de um sucesso que merece ser sublinhado, mas que implica igualmente em uma profunda modificação da arquitetura do Capital. A mercadoria, a moeda e o capital, que constituem as três prmeiras seções de Keizai Genron, são na verdade consideradas como “formas de circulação”. A Doutrina da circulação (ryutsuron) é colocada assim no começo da investigação. Inútil sublinhar que Marx, por sua vez, começa pelo processo de produção do capital. É na perspectiva desse processo que ele análisa a mercadoria e a moeda, as quais parecem ser puros meios de circulação. O objetivo de Marx é exibir o que não é linear, o fato de que o dinheiro é uma relação social fundada na organização do trabalho (humano abstrato) nas sociedades capitalistas. Em contraste, Uno tem uma ideia ligeiramente “funcional” da moeda, como meio de circulação. No conjunto, é preciso sublinhar que a análise proposta por Uno da mercadoria, da moeda e do capital, excluindo o processo de trabalho, é idiossincrática.
Me parece que o aspecto menos interessante, ainda que seja o mais conhecido, do trabalho de Uno é sua abordagem em três níveis (sandankairon) da economia política: onde o primeiro nível é o da teoria pura, o segundo das fasess históricas do capitalismo (capitalismo comercial, industrial e financeiro) e a terceira diz respeito à exploração dos eventos políticos “reais”. Eu não acho que essa abordagem seja muito importante para Uno, jusamente por que ele nunca desenvolveu o segundo e o terceiro nível, ainda que ele tenha muitas vezes proposto uma conceitualização metódica. Ele esse deteve às diferenças da teoria dos estados característicos do marxismo tradicional de Lênin ou de Luxemburgo, e a análise do capitalismo japonês, que suscitava um certo entusiasmo no Japão dos anos 1950. Uno se concentrou sobre a compreensão da socialização capitalista (capitalist sociation) no âmbito da única “teoria pura” e reduziu a economia política a três leis fundamentais: a lei do valor, a lei da população e a lei do equilíbrio da taxa de lucro. Ele não se seduziu pelas questões do fetichinso, da abstração real, das “formas de pensamento objetivas” e por outros conceitos que suscitarão uma certa fascinação entre os marxólogos contemporâneos (inclusive em mim). Portanto, ele seguiu o curso da economia rígida, para a qual o capitalismo representa um processo onde tudo, ou quase tudo, acontece segundo uma boa razão. A questão de saber por que, em certas sociedades capitalistas, “tudo vai como se deve e, contudo, nada vai como se deve” (alles mit rechten Dingen zugeht und doch mit rechten Dingen) não o interessava.
Quais são, para você, os limites da abordagem de Uno Kozo? As leituras de Marx em termos da “teoria da forma-valor” te parecem representar, a um nível metodológico, crítico e político, uma alternativa possível à de Uno?
Eu diria que os limites da abordagem de Uno residem justamente em sua marginalização dos aspectos “impuros” do capitalismo como forma histórica. Isso não diz respeito somente à “acumulação primitiva” – de fato, Uno vê bastante importância nisso – mas o problema da autonomização da lei do valor, da forma-valor em quanto fetiche historicamente determinado, e o complexo da abstração real. Enfim, o que falta em Uno é uma discussão detalhada da dimensão qualitativa do valor. A lei do valor não pode ser explicada sobre uma base de dados econômicos A questão a que deve responder a econômica política é, então, a de saber por que, nas sociedades capitalistas, o trabalho necessariamente toma a forma do valor. Reflexões desse tipo me parecem indispensáveis à inteligência da economia capitalista, de maodo que a análise desse modo não poderia ser “pura”.
Para darmos um exemplo, em meu projeto de pesquisa eu tento descobrir se a abordagem da moeda e do valor proposta por Uno – seja uma teoria do valor que não é nem monetária, nem pré-monetária, mas “funcional e relacional” – deve ser atribuída à sua falta de interesse pelo problema da fetichização e da reificação. A rejeição da teoria do valor – ou mesmo a má compreensão dela pela sua recepção japonesa – é revelador. Uno culpou Marx por ter desenvolvido a teoria do valor no âmbito da “esfera da circulação” – no capítulo sobre “a mercadoria” do livro I do capital, enquanto ele deveria ter feito isso a nível da produção. Esse mal-entenddo de Marx me parece ter gerado uma suspeita cada vez maior a respeito de seu teorema fundamental, de modo que no Japão mesmos os economistas marxistas negam a teoria do valo como “substancial” e se voltam completamente para o seu lado crítico. Não é ao azar que a teoria da utilidade marginal e, com ela, a pesquisa econômica puramente quantitativa tenham renunciado a toda crítica da forma que toma o trabalho, reinando em popularidade (ver, por exemplo, a “teoria do crescimento econômico” do antigo economista marxiano Michio Morishima). Os salários são mais uma vez abordados como equivalentes a certo volume de trabalho. Mesmo que se interesse, pelo menos, aos aumentos de salários, nunca se questiona o sistema salarial como tal. Este é evidentemente um fenômeno que podemos observar em todos os velhos países industrializados. As “novas leituras” da teoria da forma-valor felizmente contribuíram para recolocar em cena a relação teórica entre o valor, a moeda, o capital e o trabaho. Elas vão muitas vezes para além de Marx, o que me parece não apenas bem-vindo, mas também necessário. Eu tenho, contudo, o sentimento que elas desarmam às vezes a carga crítica das análises marxiana,s perdendo de vista a luta cotidiana, política e concreta. Tão importante como ultrapassar Marx é guardar o maximalismo inerente ao seu projeto: a abolição do modo de produção capitalista e de suas “formas de pensamento objetivas”. É a partir de nosso lugar de trabalho que se deve começar.
Entrevista realizada por Vincent Chanson e Frédéric Monferrand para a Revue Période. Tradução e Introdução de Pedro Micussi.