É preciso estar com os jovens da Nicarágua

Constata-se uma expressiva retomada de lutas e de polarização que percorre diferentes países da América Central.

Israel Dutra 2 jul 2018, 15:22

É preciso estar com os jovens da Nicarágua contra o governo autoritário de Ortega

As informações compartilhadas com nossos companheiros da América Central descrevem a dramática situação da “insurreição desarmada” que enfrenta o governo autoritário de Daniel Ortega na Nicarágua. Há uma nova situação na região, de extrema importância para a luta anti-imperialista. Constata-se uma expressiva retomada de lutas e de polarização que percorre diferentes países. O sentimento de unidade centro-americana avança, à medida que aumentam os conflitos com as medidas xenófobas de Trump.

Recentemente, Honduras passou por uma rebelião popular que, mesmo não derrotando a fraude operada nas urnas, imprimiu uma cunha de ilegítimo no governo de Juan Orlando Hernández. Já a Costa Rica acaba de vivenciar nesta quinta-feira (28/06) uma grande greve nacional contra os planos de austeridade do novo presidente Alvarado. Na Guatemala, após a tragédia do terremoto recente, novos movimentos sociais e associativos ganham a cena. O Panamá, por sua vez, atravessa uma reorganização do movimento sindical. E é na Nicarágua onde a mais dramática situação se decide.

Conforme já vínhamos desenvolvendo em artigo anterior: os dados revelados por Organismos de Direitos Humanos são trágicos. Após dois meses de intensos protestos, a cifra chega a 285 mortos e milhares de detidos na penitenciária El Chipote, antigo centro onde o regime somocista colocava seus opositores. Nesse momento, delegações internacionais estão na Nicarágua para averiguar as denúncias de violações dos direitos humanos. Até aqui não avança o impasse entre as manifestações de rua e o endurecimento do regime de Ortega, sob a ineficaz mesa de diálogo nacional, coordenada pela Conferência Episcopal.

A “insurreição desarmada” num impasse

A entrada em cena do movimento estudantil contra as reformas previdenciárias solicitadas a mando do FMI desnudou todo o mecanismo repressivo que Ortega utiliza para manter seus privilégios. De forma heroica e espontânea, a mobilização foi além da plataforma contrária às reformas e alcançou um patamar de questionamento político.

Após anunciar reformas no sistema de Seguridade Social, Daniel Ortega viu eclodirem por todo o país em 18 de abril protestos contra o seu governo. Os primeiros a saírem às ruas foram os aposentados e pensionistas. Em seguida, os jovens tomaram a dianteira do processo. Universidades começaram a ser ocupadas por estudantes enfrentando a brutal polícia anti-distúrbios. Conforme os dias foram passando, as primeiras vítimas fatais apareceram. TVs que noticiavam os enfrentamentos tiveram seus sinais cortados. Ante o transbordamento das manifestações e a consolidação de uma unidade democrática em oposição ao autoritarismo de seu regime, Ortega precisou recuar: a reforma foi suspensa e um “diálogo nacional” foi convocado em 24 de maio.

A repressão, inclusive com o protagonismo de “grupos parapoliciais”, entretanto, não cessou. Empresários descontentes com Ortega e as centrais sindicais convocaram paralisações interclassistas e passeatas cívicas para pressionar Ortega a uma negociação real, enquanto os mortos pela intervenção repressora nas barricadas foram se acumulando. No último 14 de junho, registrou-se uma importante greve geral, ante a recusa do governo em reabrir o diálogo encerrado em 31 de maio.

O símbolo maior desta luta ininterrupta do povo nicaraguense é a histórica cidade de Mayasa, totalmente sublevada contra Ortega. Com um passado de rebeldia indígena que remonta aos tempos coloniais, Mayasa também foi o coração da insurreição contra Somoza. Hoje, de peito aberto, seus moradores de Mayasa enfrentam com pedras e tocos de árvores os fuzis e as caminhonetes mortíferas de Ortega, já não lhe reconhecendo nenhuma autoridade. O destino da rebelião nicaraguense por “Eleições Já” se joga em grande medida nesta cidade de 100 mil habitantes, outrora bastião da revolução sandinista em 1979.

Ortega, cada vez mais parecido com Somoza

Um dos cartazes mais vistos nos protestos foi o que assemelhava as fotos de Ortega com o antigo ditador Somoza, com a seguinte rima, que era repetida como palavra-de-ordem nos protestos: “Ortega/Somoza, es la misma cosa”. Ainda que devemos guardar as devidas diferenças, essa bronca popular revela até onde foi a degeneração dos governos Ortega, que além de um modus operandi fraudulento e corrupto, tem adquirido cada vez mais a feição de um setor da burguesia nicaraguense interessado em entregar parte das riquezas minerais do país, vide a recente concessão da construção do canal interoceânico a uma empresa chinesa. Além disso, os meios de comunicação sofrem o mais desavergonhado controle e pressão por parte da vice-presidenta Rosario Murillo.

Cercar de solidariedade a luta por uma Nicarágua democrática

Neste sábado (30/06), está convocada a “Passeata das Flores” em memória dos jovens mortos. Marcada para semana passada, foi suspensa em decorrência de uma violenta incursão das tropas de choque dos paramilitares na Universidade Nacional Autônoma de Manágua e em alguns bairros da capital.

É dever da esquerda latino-americana empenhar todo o seu repertório solidário em apoio ao povo nicaraguense. Entre uma autêntica rebelião juvenil-popular e um governo autoritário não deveria haver maiores questionamentos em qual trincheira se localizar, permanecendo pertinente o que escrevemos em artigo anterior (21/05):

“As correntes que defendem o campismo, utilizam da mesma tática de Ortega: se valem de aspectos simbólicos do passado, como as bandeiras, as siglas e a trajetória das organizações que hoje estão no poder para justificar sua conversão e degeneração. Fecham os olhos, por razões comerciais para o imperialismo chinês, responsável por boa parte das privatizações e projetos de destruição ambiental em nosso continente. Ou apoiam militarmente governos como o da Rússia, que acabou de colaborar com Erdogan para entrega o norte da Síria para a Turquia, acabando com importantes focos de resistência dos curdos. Apesar de seus aparelhos e manobras, o campismo e o foro de São Paulo perdem força. Com o fim do ciclo anterior, a resposta que as massas dão contra os ajustes de governos como o de Macri e de Temer não encontra na velha esquerda uma referência à altura. Uma nova alternativa só poderá ter consistência se surgir como superação dos equívocos e das estratégias de unidade com a burguesia que levaram ao desastre o “ciclo progressista”. E a tragédia de Ortega é a prova viva.”
(“Nicarágua: levante popular reabre feridas vivas”, 21/05)

Desde o Brasil, saudamos a iniciativa do “Manifesto por uma Nicarágua Livre e Democrática” que coleta assinaturas de ativistas e cidadãos em dezenas de países em apoio aos anseios de liberdade de um povo cansado de um regime criminoso e lesa-pátria.

Artigo originalmente publicado no Portal da Esquerda em Movimento.


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