Na dança dos vices, vou com a Guajajara

O xadrez dos vices foi pautado por jogadas ensaiadas, relutâncias prudentes e desvios constrangedores.

Samir Oliveira 9 ago 2018, 17:08

Nunca antes uma eleição presidencial esteve tão perto de começar sem que a maioria das chapas estivesse completa. Os candidatos empurraram a escolha de seus vices até o último momento, com as definições se concretizando na véspera do prazo determinado pela Justiça Eleitoral para registro das nominatas: o dia 5 de agosto.

A revelação tardia dos vices na disputa diz muito sobre as fragilidades das candidaturas que arrastaram esta escolha até o limite do possível. Alckmin, Bolsonaro, Lula, Marina e Ciro ficaram com os vices que conseguiram, não com os que desejaram.

O tucanato paulista sonhava com o empresário mineiro Josué Alencar, do PR – filho de José de Alencar, que foi vice-presidente durante os mandatos de Lula. Josué desenhou, alegando motivações pessoais para recusar o posto. Diante da dificuldade de encontrar um nome do Nordeste, Alckmin acabou recorrendo à Ana Amélia Lemos (PP-RS), apostando no radicalismo reacionário da senadora para garimpar votos entre os apoiadores de Bolsonaro. A escolha revela a intenção de reforçar as fileiras da direita na campanha tucana. Ana Amélia tem um pé na ditadura e outro na incitação à violência como forma de fazer política. Funcionária de seu marido no Congresso – um senador sem votos indicado para o posto pelo regime militar -, ela elogiou as ações violentas contra a caravana de Lula no Rio Grande do Sul. “Quero parabenizar Bagé, Santa Maria, Passo Fundo, São Borja. Botaram a correr aquele povo que foi lá levando um condenado se queixando da democracia. Atirar ovo, levantar o relho, mostra onde estão os gaúchos”, disse a senadora. Não foi à toa que se tornou queridinha da milícia política protofascista que atende pelo nome de MBL.

Bolsonaro deu com os burros n’água por mais de uma vez. Sua busca por um vice teria pitadas de comédia se não fosse a representação crua do que existe de mais atrasado no país. Primeiro, Bolsonaro tentou negociar uma aliança com o chamado “Centrão” – um algomerado de partidos fisiológicos de direita que vende seu passe a quem der mais. Não levou. Acabou perdendo para Alckmin e resolveu cuspir no prato que tentou devorar, criticando a aliança do adversário como se não tivesse tentado arrecadá-la para si. Depois de cogitar um príncipe, um astronauta e um general vetado pelo próprio partido, ficou na expectativa de atrair a advogada Janaína Paschoal e recebeu um banho de água fria com o discurso pouco amistoso que ela dirigiu a seus apoiadores na convenção do PSL. Por fim, convenceu Levy Fidélix a não ser candidato para indicar o general Hamilton Mourão para a vaga. Bolsonaro que se cuide, pois Mourão é afeito a golpes. Esta chapa dos horrores é a prova viva de que Fidélix estava errado em seu debate de 2014 contra Luciana Genro: aparelho excretor pode reproduzir, sim.

Ciro Gomes ensaiou um longo namoro com o “Centrão”, ao mesmo tempo em que este era assediado por Bolsonaro e Alckmin. Já sabemos que esta história terminou com a revoada do grupo para o ninho tucano. O que não sabíamos até poucos dias era que o pedetista – que já foi filiado a PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB e PROS – levaria uma rasteira monumental do PT, garantindo-lhe o isolamento político na disputa. A cúpula petista foi às últimas consequências para costurar um acordo que garantisse a neutralidade de um PSB que estava às vias de fechar com Ciro. E pagou um preço alto por isso: a implosão da candidatura de Marília Arraes ao governo de Pernambuco. Petistas graduados, como Tarso Genro, apelaram até mesmo “a Deus e às forças do além” para que a negociata não vingasse. Não adiantou. Como, aliás, nunca adianta quando se trata da disputa interna no PT: alguém consegue lembrar quando foi a última vez que a vontade de Lula saiu derrotada? Acuado e solitário, Ciro Gomes optou pela líder ruralista Kátia Abreu como sua vice. Assim como ele, a senadora teve uma trajetória partidária livre de qualquer resquício de coerência: consolidou sua carreira no DEM, conseguiu a façanha de ser expulsa do MDB e acabou nos braços do PDT, embora esteja bem distante das doutrinas trabalhistas. Kátia Abreu tem seu nome associado ao trabalho escravo, à grilagem de terras e crimes ambientais. Mesmo assim transita com desenvoltura entre uma parte da esquerda, tendo sido ministra da Agricultura de Dilma e, agora, vice de Ciro.

Marina não teve muita escolha. Até sondou o ator Marcos Palmeira, mas não levou. Acabou recorrendo a um velho conhecido de 2014: o médico Eduardo Jorge, do PV. Militante vegano, favorável à legalização do aborto e à descriminalização da maconha, Eduardo Jorge não poderia ser mais diferente de Marina. Ambos possuem uma coisa em comum, porém: apoiaram Aécio Neves no segundo turno das últimas eleições. E, de certa forma, defendem o mesmo programa econômico pautado pelo ajuste neoliberal. Com sua escolha de vice, Marina garante alguns bons memes na internet, mas não deve passar disso.

A vida não foi fácil também para os petistas, que anunciaram um vice temporário e uma estepe de vice a dois minutos de encerrar o prazo final para o registro das candidaturas. A ata que registra a aliança com o PCdoB e a indicação de Haddad como vice de Lula entrou no sistema do TSE às 23h58min, sendo que o prazo encerrava à meia-noite. O ex-presidente Lula está tendo que encarar com cada vez mais nitidez o fato de que não será candidato este ano, pois está enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Forçado por esta circunstância, aceitou indicar Fernando Haddad como seu vice até que seu próprio nome acabe sendo impugnado pela Justiça Eleitoral. Então o ex-prefeito de São Paulo passa a ser o candidato de fato à presidência, contando com Manuela d’Ávila como vice. O roteiro funciona assim: primeiro apresentam o futuro ex-vice para que em seguida assuma a ex-futura candidata. Um arranjo que confundiu até mesmo a militância e tenta criar a ideia de uma tríplice candidatura. Não deixa de ser sintomático do momento que vivemos o fato de que, pela primeira vez desde que assumiu o governo, o PT se apresente à disputa eleitoral com o posto de vice ocupado por alguém da centro-esquerda. Isso só acontece porque o partido foi expulso do condomínio de poder da Nova República após o impeachment – um verdadeiro golpe parlamentar articulado por Cunha e Temer com o apoio de todos os aliados de ocasião do petismo. Estivéssemos em condições normais de temperatura e pressão, Manuela d’Ávila passaria longe, muito longe, de ser considerada uma escolha possível para vice da candidatura petista este ano. Fosse quem fosse o candidato do PT, o vice penderia para a direita.

O xadrez dos vices foi pautado por jogadas ensaiadas, relutâncias prudentes e desvios constrangedores. O resultado confunde ainda mais o eleitor e alimenta a ideia de que, ao fim e ao cabo, são todos muito parecidos – senão na política, certamente no método.

Existe, contudo, uma chapa que já estava definida desde o início do ano. Sonia Guajajara, a vice de Guilherme Boulos, foi anunciada junto com ele no dia 10 de março, ainda como pré-candidatos. Sem constrangimento e sem enrolação, selaram uma aliança do PSOL com o PCB, o MTST e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Sonia Guajajara é uma liderança indígena histórica do país, com atuação reconhecida como ativista em defesa do meio ambiente, das demarcações de terras, da reforma agrária e do combate ao desmatamento, à Belo Monte, ao latifúndio e a este modelo de desenvolvimento predatório. Como coordenadora-executiva Apib, unifica mais de 305 povos originários em torno de pautas que se opõem aos setores mais poderosos da sociedade.

Sonia é a antítese do que representa Kátia Abreu e Ana Amélia Lemos. Em 2010, quando a senadora ainda presidia a Confederação Nacional da Agricultura, Sonia Guajajara lhe entregou o prêmio Motosserra de Ouro. Literalmente falando. Ela levou uma réplica de motosserra dourada às mãos de Kátia Abreu, que se recusou a recebê-la. Uma foto, porém, registrou para sempre este momento histórico e carregado de simbolismo.

A história de vida de Sonia é emocionante. Ela é natural do povo Guajajara/Tentehar, que vive nas matas da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Filha de pais analfabetos, deixou sua aldeia aos 15 anos para cursar o ensino médio em Minas Gerais, com apoio da Funai. Retornou ao Maranhão para estudar Letras e Enfermagem, tendo feito ainda uma pós-graduação em Educação Especial.

Discutir o perfil das candidaturas a vice-presidência não é pouca coisa em um país onde três vices já trocaram o Jaburu pelo Planalto desde a redemocratização. Na dança dos vices, eu vou com a Guajajara!


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