Roberto Robaina em entrevista ao Jornal do Comércio

Candidato ao governo do Rio Grande do Sul pelo PSOL, Robaina apresenta seu programa com as principais ideias a serem defendidas na campanha.

Roberto Robaina 13 ago 2018, 15:22

Candidato do PSOL ao Palácio Piratini, Roberto Robaina diz que o centro do debate da campanha será a situação financeira do Rio Grande do Sul e aponta quatro propostas: o questionamento da dívida do Estado com a União, que já estaria paga; a revogação da Lei Kandir; o combate à sonegação de impostos; e o fim do Fundo Operação Empresa (Fundopem) no Rio Grande do Sul. Ele critica a política de incentivos fiscais do governo de José Ivo Sartori (MDB) e os benefícios a grandes empresas. “Esse discurso de que, se não tiver renúncia fiscal, as grandes empresas saem do Estado é o discurso das grandes empresas para continuar se beneficiando. Não aceitamos essa chantagem.” Nesta entrevista da série do Jornal do Comércio com os candidatos ao governo do Estado, Robaina defende o financiamento, pelo Banrisul, de pequenos agricultores e cooperativas para desenvolver a economia. O candidato do PSOL avalia que o banco deve continuar público. E informa que irá revogar a extinção de fundações públicas e manter as estatais de energia.

Jornal do Comércio – Qual a solução para a crise financeira do Rio Grande do Sul?

Roberto Robaina – Mudar o governo, que não tem solução para a crise financeira do Estado. Desrespeita o servidor público, não paga salários, não investe em educação nem em saúde. O Estado para o povo é quase sinônimo de abandono. Temos propostas em relação às finanças, uma é da dívida com a União. Desde 2006 questionamos que o Estado tem sido sangrado pelo mecanismo da dívida pública, que beneficia a oligarquia financeira. Agora teve a suspensão do pagamento, o que nos dá razão. Tivemos o acordo da dívida em 1998; se atualizarmos os valores – porque sem atualizar ficariam superdimensionados -, dá uns R$ 42 bilhões. De lá para cá, até 2017, já pagamos quase R$ 26 bilhões. Quer dizer, uma dívida de R$ 42 bilhões, pagamos quase R$ 26 bilhões, e atualmente a dívida é de R$ 58 bilhões. Evidente que a conta não fecha, porque é juros sobre juros, um esquema de agiotagem. O Estado já pagou essa dívida. Infelizmente, PMDB e PSDB fizeram esse acordo em 1998, e o PT, quando governou o País, tinha uma grande oportunidade para alterar e não alterou. Outro ponto, muito grave, é a Lei Kandir.

JC – Por quê?

Robaina – O acordo de 1996 foi extremamente prejudicial ao Rio Grande do Sul, um dos estados exportadores. Esse acordo isentou o pagamento de tributos dos produtos primários e semielaborados. O Estado renuncia a receber recursos. Técnicos calculam que cerca de R$ 4 bilhões se poderia ter de aumento de receita se estivesse cobrando esse recurso. E, talvez até mais grave, quem se beneficia dessa lei são empresas multinacionais ligadas ao comércio agrícola. Não faz sentido.

JC – O aumento das alíquotas do ICMS vence no fim do ano. Vai apoiar a manutenção desse aumento ou defender a volta ao patamar anterior, de 2016?

Robaina – Não é o caso de renovar. Mas no tema dos impostos tem uma linha política que sustenta a demagogia de que não tem que ter tributação. Tem que ter, sim, tributação. Mas tem que ter uma mudança de lógica. Em geral no País, quem paga tributos é a classe trabalhadora e a classe média. Os muito ricos e os grandes empresários não pagam. Esse exemplo da Lei Kandir é o mais clássico, porque foi renúncia tributária feita por PSDB e PMDB, cujos beneficiários desse não pagamento de tributos foram empresas multinacionais poderosíssimas. A Argentina cobra tributo de 33%.

JC – Mas não se pode exportar impostos. Na medida em que a exportação de produtos primários semielaborados forem taxados, o Rio Grande do Sul fica menos competitivo e, consequentemente, não conseguiria exportar seus produtos.

Robaina – Isso não é verdade.

JC – Esse é o espírito da Lei Kandir.

Robaina – Mas a tese de não exportar tributos não é verdadeira. No mundo inteiro, os países tributam exportação. A Argentina tributa. O Rio Grande do Sul não vai perder mercado. Vai haver ainda consumo. O problema é que o Estado deixa de ganhar. Essas empresas multinacionais, ligadas ao comércio da exportação agrícola, não vão deixar de fazer o comércio e o Brasil não vai perder mercado.

JC – A Argentina tributa, mas tem um regime que reembolsa produtores exportadores, que não temos aqui. Na medida em que se considera que as finanças do Estado estão combalidas, e em razão disso tem se deixado de investir na infraestrutura – importante para atrair investimentos – qual será a sua proposta?

Robaina – Vou voltar ao tema do emprego no campo, porque o senhor está falando como se tivéssemos um setor agropecuário com um peso na capacidade de (gerar) emprego. Não é assim. Esse é o setor que menos emprega na economia e, por sinal, um dos que pagam os salários mais baixos. Infelizmente, o campo gaúcho tem o domínio do grande latifúndio, que faz com que 1% dos proprietários tenham 33% das terras. Essa concentração da propriedade tem levado a uma situação em que a capacidade de emprego também tem sido pequena. O Estado, para poder financiar infraestrutura… Em qualquer área, vai cair na contradição de que necessita financiamento. Quando questiono a Lei Kandir, é por isso. Esse setor da economia, ligado à exportação, deve ser tributado. E temos um questionamento forte ao tipo de benefícios fiscais que o Estado concede. É preciso ter uma política para cooperativas de produção e de consumo, para a pequena agricultura familiar, utilizar o Banrisul e sua capacidade de crédito. Mas a política de benefícios fiscais no governo Sartori, e nos anteriores também, beneficia grandes empresas, e a contrapartida é muito pequena. Tem um exemplo que é o mais absurdo: a concessão de benefício fiscal para a empresa do Lírio Parisotto, proprietário da Videolar, votada na Assembleia Legislativa, com exceção do voto do PSOL, de R$ 380 milhões, com contrapartida de cinco empregos. Isso é um absurdo.

JC – Mas esses benefícios são concedidos à luz do Fundopem, que não pode discriminar se o empresário é rico ou pobre. O senhor a revogaria, modificaria?

Robaina – Revogaríamos. A política do Fundopem é indecente do ponto de vista dos interesses populares. No caso dos benefícios fiscais, a renúncia fiscal é muito grande.

JC – Mesmo que investimentos fossem para outros estados?

Robaina – Lírio Parisotto não vai para outro estado. Esse discurso de que, se não tiver renúncia fiscal, as grandes empresas saem do Estado é o discurso das grandes empresas para continuar se beneficiando. Não aceitamos essa chantagem.

JC – Como seria o regramento para benefícios fiscais? Hoje são sigilosos. O senhor tem esse dado, mas não se sabe outros, protegidos pelo sigilo fiscal…

Robaina – É mais um escândalo que haja benefícios que a sociedade não discuta e nem controle. Não sou contra ter benefício fiscal, mas precisa critério para que haja o investimento numa região que necessita mais de industrialização… Se discute a contrapartida. Mas no escuro, para os amigos do rei? Isso não se justifica, não é aceitável. Além do mais, o nível de sonegação é muito grande. Tem uma leitura de que o Estado tem contribuído para o crime da sonegação. Os cálculos dos auditores e técnicos de tributos estimam que deixamos de arrecadar R$ 6 a 7 bilhões ao ano ao não combater a sonegação.

JC – O Rio Grande do Sul é dependente do campo. Quando a economia agrícola vai bem, a economia do Estado vai bem. Qual o projeto do PSOL para melhorar as relações econômicas do campo, principalmente em relação ao pequeno produtor, que reclama de falta de crédito?

Robaina – A incidência da agropecuária na economia gaúcha talvez seja de 35%, 40%. Temos que ter uma política especial para a pequena agricultura. O Estado tem um papel na exportação nacional. Mas quando temos uma economia atrasada, que precisa desenvolver o mercado interno – no País todo – a exportação deve ser encarada de modo mais relativo. É preciso ter crédito e apostar na pequena produção para o mercado interno. O MST, como movimento político social, é famoso no mundo pelas ocupações de terra. Mas o movimento tem um trabalho econômico impressionante, da produção de arroz orgânico, que está valorizado. Essas experiências, como a do MST, são muito úteis para fortalecermos e utilizar o Banrisul…

JC – O senhor vai manter o Banrisul público?

Robaina – Pô, pelo amor de Deus! O Banrisul tem que ser público. As estatais e as fundações que o governo Sartori quer fechar e fechou são necessárias para o Estado.

JC – O senhor revogaria a extinção das fundações?

Robaina – A Cientec (Fundação Estadual de Ciência e Tecnologia) é necessária. Como vai ter planejamento sem gente especializada na ciência? Se pegarmos a FEE (Fundação de Economia e Estatística), como vamos ter planejamento econômico, diagnóstico do que ocorre no Estado? E agora o governo Sartori fez a indecência de fechar a FEE e contratar a Fipe.

JC – FEE e Cientec são exemplos ou revogaria a extinção de todas as fundações públicas?

Robaina – Revogaríamos. Além do mais, não tem economia nenhuma ao extinguir.

JC – A Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a Companhia de Gás (Sulgás)…

Robaina – Somos a favor de mantê-las e fortalecê-las.

JC – E a Companhia Riograndense de Mineração (CRM)?

Robaina – Também. Por que em uma região pobre do Estado vamos provocar mais desemprego quando temos já 500 mil gaúchos desempregados? Esse é um governo de ajuste contra o povo, é antipopular. Não é à toa que é o PMDB do Eliseu Padilha e do Michel Temer.

JC – Se o PSOL chegar ao poder, não faria aliança…

Robaina – Com o PMDB de jeito nenhum.

JC – Com nenhum partido?

Robaina – Não necessariamente. Iríamos discutir. Essa hipótese de o PSOL chegar ao poder depende não do sistema partidário, mas da organização da sociedade. Não é o PSOL que chegaria ao poder, é a sociedade que se empoderaria, teríamos uma mudança estrutural no País, que vai contra o sistema partidário que está aí.

JC – No Facebook, o assunto mais comentado no mês de abril no Estado foi segurança, com 15 milhões de interações. Quais as suas propostas nessa área?

Robaina – Evidentemente que, como todas as áreas, necessita investimento, infraestrutura, recomposição do efetivo. Se sabe que a Polícia Militar está com o quadro defasado. Está com 18 mil, efetivo defasado em relação ao início dos anos 1990, por exemplo. Mas acreditamos que a política de segurança pública precisa de uma mudança radical. Em nível nacional, porque envolve o tema da política de drogas. Queremos fazer um debate no Estado, lincado ao debate nacional, que exige uma mudança da legislação. Para nós, isso é muito caro. Até porque nós temos uma vereadora no Rio de Janeiro que foi assassinada. Ainda não se sabe quem são os mandantes, mas o próprio ministro da Defesa (Raul Jungmann, PPS) reconhece que os assassinos da Marielle Franco (PSOL-RJ) eram ligados às milícias. E as milícias são a expressão mais acabada do fracasso da política de guerra às drogas, porque representam a degeneração dos aparelhos de repressão em um Estado. Sabemos que no Rio Grande do Sul também tem ocorrido isso, já se noticiaram casos de policiais militares ligados ao crime em Porto Alegre. Essa política de drogas é um fracasso completo. A tendência do Brasil é se “mexicanizar”. No México, a economia ilegal tem um peso relativo cada vez maior do que a economia legal. Isso desorganiza completamente a economia.

JC – Mas como a revisão dessa política de drogas pode acontecer e como deve se refletir no Rio Grande do Sul?

Robaina – Na verdade, tem uma importância grande, porque não tem solução para a segurança pública se não houver uma política nacional de segurança pública. Não há possibilidade nenhuma de melhorar apenas em um estado isolado. Falando em termos qualitativos, no Rio Grande do Sul, em 2017, tiveram 22 mil casos de lesões corporais em mulheres. Estamos falando de um estado que tem uma capital onde um roubo de carro acontece a cada hora. De 2011 a 2018, só na nossa capital, tivemos 4 mil casos de homicídio. Estamos falando de uma tragédia que se reflete no que é falado na rede social. O governo também pode alterar a realidade em termos de política de segurança pública. Primeiro, propondo uma mudança, que queremos levar na campanha eleitoral e depois, mas também orientando a polícia. Um governo estadual tem que orientar, mesmo que não mude a legislação nacional, para a polícia ter como eixo da sua atividade a investigação e o combate aos crimes contra a vida. Na composição social dos nossos presídios, a minoria está ligada ao crime contra a vida. Nem 10% dos casos de homicídio são elucidados. Isso tem que ser invertido, em vez de a polícia, como faz hoje, ir à Restinga, ao Rubem Berta, às periferias das grandes cidades, ter como eixo prender um jovem que está fazendo o tráfico ilegal de maconha, e colocar ele em qualquer uma das nossas cadeias, que são hoje dominadas pelas facções criminosas, e ele sai muito mais envolvido com as facções criminosas do que quando entrou. Essa política fracassou.

JC – Em relação ao que o senhor acabou de falar, que a segurança também envolve questões de educação…

Robaina – Ainda sobre segurança pública, isso tem ligação com a educação: a ideia que uma parte da população tem, que é falsa, de que vamos solucionar o problema da segurança pública prendendo as pessoas, como eixo da política de segurança pública. Se isso fosse verdade, teríamos que ter uma situação muito melhor de segurança pública. No Rio Grande do Sul, em 2000, tínhamos 13 mil pessoas presas. Atualmente, temos 40 mil pessoas presas. E a segurança pública piora. Precisamos mudar a política. Mudar quer dizer priorizar o combate aos crimes contra a vida e encarar também a necessidade de priorizar a educação. Porque, com a educação, tudo melhora. Isso é básico.

Entrevista conduzida por Bruna Suptitz, Lívia Araújo, Guilherme Kolling e Luiz Guimarães para o Jornal do Comércio.


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Pedro Micussi