Solidariedade urgente com os venezuelanos no Brasil
A entrada dos venezuelanos em nosso país tem demonstrado a irresponsabilidade dos governos, que alentam o ódio e a xenofobia.
Nos últimos anos, as crises econômica e humanitária na Venezuela fizeram crescer o número de imigrantes que buscam refúgio, emprego e melhores condições de vida nos países vizinhos. Por sua localização geográfica, o Brasil tem sido um dos destinos mais buscados, atrás de Colômbia, Peru, Chile e Panamá. A entrada dos venezuelanos em nosso país, sobretudo por Roraima, tem trazido conflitos e demonstrado a irresponsabilidade dos governos, que mostram sua incapacidade para acolher dignamente os imigrantes e alentam o ódio e a xenofobia, transformando a fronteira num barril de pólvora.
Depois de uma semana pautada pelo conflito na cidade fronteiriça de Pacaraima (RR), foram anunciadas as primeiras e tímidas medidas. Mesmo a imprensa teve de mostrar o absurdo da xenofobia. Após boatos circularem em redes sociais, confundindo a morte de um cidadão por causas naturais com um assalto a um pequeno comércio, a extrema-direita – que tem peso histórico numa região marcada por conflitos fundiários entre fazendeiros de arroz e indígenas – disseminou a falsa versão de que a responsabilidade era de “venezuelanos”. Espalhou-se uma convocatória para destruição dos acampamentos, humilhação dos imigrantes e um ato pedindo sua expulsão da cidade. Grupos de moradores utilizaram paus, pedras e bombas caseiras para atacar os venezuelanos e suas moradias improvisadas. Sem uma reação enérgica, as forças militares apenas evitaram a possibilidade de um linchamento coletivo.
O governo de Roraima, acentuando o problema, recorreu novamente ao Supremo Tribunal Federal pedindo o fechamento das fronteiras. O jogo de empurra entre o governo de Suely Campos e as prefeituras de Boa Vista e Pacaraima evidencia que a política de ajuda financeira do governo federal é insuficiente, sendo que os governos locais não tem nenhum interesse em resolver com transparência os graves impasses que estão colocados. Ainda pior, abundam as denúncias entre entes governamentais, mostrando que a disputa política e eleitoral entre as oligarquias Campos e Jucá afetam o apoio necessário do governo federal aos sobrecarregados serviços públicos locais, afetando a população de Roraima e os imigrantes.
A formação do Brasil está marcada pela pluralidade das diferentes ondas migratórias. Nosso país foi formado pelos enormes contingentes de imigrantes para compor a força de trabalho do país, iniciando-se pelo deslocamento violento de milhões de africanos escravizados e das levas de europeus, árabes e asiáticos que vieram ao Brasil em particular a partir do século XIX para trabalhar nas lavouras. O próprio fluxo migratório interno levou enorme massa de trabalhadores do Nordeste para os centros urbanos do Sudeste na segunda metade do século XX. É uma loucura falar de Brasil e de sua conformação nacional sem definir que somos uma “nação de migrantes”. Tal tradição deveria servir como lição para que os agentes políticos e o povo acolhessem de braços abertos os vizinhos venezuelanos, diante da tragédia humanitária em seu país.
Ainda que a pauta eleitoral domine o cenário, concentrando os esforços da esquerda no debate de seu programa com a população e na eleição de parlamentares comprometidos com as lutas, é fundamental dar atenção à trágica situação dos venezuelanos.
A questão dos imigrantes: raízes profundas da crise
Os deslocamentos de imigrantes e refugiados são uma das grandes questões da atualidade. O planeta discute e assiste a uma das maiores ondas migratórias de sua história recente. As cenas de mortes nas travessias marítimas, nas quais oriundos do Oriente Médio e da África tentam chegar a todo custo em território europeu, são recorrentes e revoltantes. Milhares de migrantes, refugiados por guerras e crises buscam novos caminhos. Sobrevivendo em condições precárias, famílias inteiras, com crianças e idosos, buscam sair da situação de indignidade e humilhação. A política dos governos tem sido hipócrita, não atacando as raízes do problema, como as guerras pelas quais os poderes imperialistas têm responsabilidade e a crise econômica. Com isso, cresce a extrema direita na Europa com um discurso que culpa os imigrantes pelo desemprego, as dificuldades econômicas e o terrorismo.
Nos Estados Unidos, Donald Trump alimenta o sentimento nacionalista reacionário com seu ataque virulento contra os imigrantes latino-americanos. Toda sua política de controle migratório visa à retirada de direitos e a transformar os milhões de oriundos da América Latina em personas non gratas nos EUA. Além de rever os tratados de imigração, o governo Trump chegou a separar pais e mães de crianças imigrantes, enviando-as para centros de detenção, e insiste com o projeto de construir um muro na fronteira com o México.
No caso venezuelano, a responsabilidade direta é da falência do governo Maduro. Suas últimas medidas – o pacote econômico anunciado a 20 de agosto, batizado de “Madurazo” – servem mais para reforçar o aparato de propaganda do que mitigar os efeitos da crise estrutural, agravada pela queda do preço do petróleo. Por sua vez, o imperialismo, com a diplomacia da Casa Branca à frente, atua para asfixiar o governo de Maduro, ampliando de forma cruel a miséria, para buscar seus fins políticos de controlar com mais força a região. A instalação de novas bases militares no Equador, em Neuquén na Argentina – sem falar do vergonhoso retorno do debate da cessão da base de Alcântara no Maranhão – indicam a grande preocupação dos Estados Unidos de garantir seu domínio predatório na América do Sul, mesmo que custando a fome, a morte e a desorganização social de milhões de trabalhadores. Esta é a receita do caos que empurra milhões de venezuelanos para fora de suas fronteiras.
A xenofobia é antessala de posições fascistas
O discurso de ódio reflete o crescimento da xenofobia no mundo. Em todo o mundo, lideranças políticas instrumentalizam este sentimento para desviar a revolta com a crise econômica mundial, atacando populações e etnias inteiras. Assim atuam o ditador Erdogan na Turquia contra os curdos e Benjamin Netanyahu contra os palestinos e os árabes em geral. Mesmo nos países do centro político europeu, como França, Itália e Alemanha, a xenofobia é a bandeira para organizar a desesperança: por meio dela, buscam dividendos eleitorais a Frente Nacional francesa, a Liga Norte na Itália e a AFD germânica.
No Brasil, onde já há presença de haitianos e senegaleses, a xenofobia começa a ser organizada conscientemente por setores ligados a Bolsonaro. As cenas de Paracaima são brutais. Cerca de 800 venezuelanos entram diariamente na fronteira. Está se preparando um choque, com a população brasileira adotando o discurso de que não pode sequer dar conta da atual população da cidade, os políticos locais lavando as mãos ou estimulando o ódio para esquivar-se de suas responsabilidades e a extrema-direita nas redes diretamente insuflando o povo contra os imigrantes. Não por acaso, Jair Bolsonaro lidera as pesquisas eleitorais em Roraima. Diante da falência dos serviços públicos, da pobreza e da crise econômica, o candidato do PSL oferece como solução o ataque aos imigrantes e às terras indígenas e quilombolas, atendendo, aliás, aos interesses da classe dominante local.
Por outro lado, parte da esquerda local, que deveria combater estas posições, alia-se à atual governadora Suely Campos, do PP, que prega o fechamento das fronteiras como solução para a crise no estado. O PCdoB indicou Oleno Matos como vice em sua chapa a reeleição e o PDT de Ciro Gomes compõe a aliança de 7 partidos, na qual também está o PRTB do general Mourão, vice de Bolsonaro.
Uma tarefa imediata necessária: é preciso dar acolhimento aos imigrantes!
Independentemente das posições sobre o governo Maduro e a situação política venezuelana, é preciso articular uma ampla frente política e social, envolvendo também as organizações de direitos humanos e religiosas, para colocar na ordem do dia o acolhimento aos imigrantes. Em Roraima, 40 entidades assinaram o documento do COMIRR (Comitê para Migrações de Roraima), repudiando os atos de violência e convocando uma campanha para receber os venezuelanos. A CSP-Conlutas e o sindicato local da construção civil atuam na vanguarda do processo. Esta central organizou uma caravana e tem uma cartilha voltada ao atendimento das questões mais simples de organização dos cidadãos venezuelanos.
O PSOL e a frente de esquerda em Roraima (PSOL-PCB- PSTU) têm cumprido um importante papel esclarecedor pra enfrentar o discurso do ódio. Trata-se de uma responsabilidade fundamental dos socialistas e internacionalistas. Nacionalmente, o PSOL também deve engajar-se nesta luta, tomando iniciativas para pressionar os governos, denunciar o descaso, combater as posições da extrema-direita e lutar para que sejam tomadas medidas concretas de atendimento aos imigrantes. Os venezuelanos, nossos irmãos, são bem-vindos!