É possível uma nova crise financeira e política

A dívida global é um problema que acompanha o capitalismo desde os anos 70.

Alberto Wiñazky 9 nov 2018, 20:46

O sistema capitalista atravessa, desde os anos 70 do século passado, por um cenário global de crises periódicas que afetaram o ciclo de crescimento iniciado no pós-guerra. Reapareceram no capitalismo do frágil progresso técnico, a queda da rentabilidade, o baixo ritmo de acumulação e o desemprego estrutural. Durante este período continuou a execução de programas econômicos e sociais que responderam ao paradigma da ordem neoliberal, fortaleceram o poder de classe da burguesia e aumentaram o nível de exploração dos trabalhadores, com as graves consequências econômicas e sociais resultantes.

Desde aqueles momentos se afiançou no capitalismo a doutrina do liberalismo clássico, com o objetivo de enfrentar os novos desafios econômicos e políticos que surgiram pela crise iniciada nos 70s. Para tratar de superá-la foram sendo aprovadas disposições que giraram ao redor das privatizações, a abertura comercial, o rebaixamento de impostos para corporações e o corte dos benefícios sociais. Assim mesmo, instrumentalizaram-se novos e mais complexos mecanismos financeiros, altamente alavancados, que originaram um forte grau de volatilidade na economia mundial.

Posteriormente, em 2008, um dos maiores bancos de investimentos do mundo, Lehman Brothers, declarou-se em bancarrota. Em questão de dias, as ondas de choque paralisaram a atividade financeira dos EUA, desencadeando uma grande fuga de fundos do mercado monetário e finalmente provocaram uma crise financeira de escala global. A economia mundial ainda está experimentando as consequências desse colapso e o maios banco dos EUA. JP MORGAN CHASE desenvolveu um modelo que estima o momento e a profundidade da próxima crise nos mercados financeiros. O modelo faz suas prevenções baseando-se na expansão econômica, a duração potencial da próxima recessão, os preços dos ativos, o nível de desregulação, a inovação financeira, mais diversas questões políticas pelas quais atravessam as economias centrais. De acordo com suas estimativas uma nova crise poderia ocorrer já em 2020 e daria lugar à queda do mercado de valores dos EUA em cerca de 20%, a redução dos preços da energia e os metais em cerca de 35% e 29%, respectivamente, assim como a queda das ações dos mercados periféricos em cerca de 48% e suas moedas em mais de 14%. Por sua vez, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown explicou que o mundo está “se deslizando rumo a uma nova crise financeira” já que não pôde resolver os problemas que determinaram a recessão de dez anos atrás. Por outro lado, o investidor norte-americano Warren Buffet também apontou recentemente que uma nova crise é inevitável. Assim mesmo, George Soros asseverou em maio deste ano que o mundo está ameaçado por uma inevitável crise financeira, da qual Europa sofreria a pior parte. Citou entre outras causas o fortalecimento do dólar estadunidense frente ao euro, a saída de capitais dos mercados periféricos, o colapso do acordo nuclear com Irã e o tema do brexit.

O Prêmio Nobel de Economia em 2006 Edmund Phelps, afirmou do mesmo modo que poderia ocorrer quando passe o efeito da retirada de impostos feita pelo Donald Trump 1 asseverando que os EUA se expõe a uma recessão já que o presidente aumentou muito do endividamento do Estado e “vai produzir um contragolpe” que debilite seriamente a economia dos EUA. Esta crise pode ser acelerada com o desenvolvimento da guerra comercia entre EUA e China, assim como com a incerteza ligada à política na Itália que poderia “dividir a zona euro”.

Pela crise global que atravessa o capitalismo, desde os setenta, um fato se converteu num problema que nunca neste período deixou de existir e é a dívida global, tanto pública como privada, que vai encadeando recorde depois de recorde. Segundo Bloomberg, desde 2007 e até 2014 a dívida a nível mundial aumentou cerca de sessenta bilhões de dólares. O estoque da dívida havia mais que duplicado desde a mudança de século alcançando USD 1,5 trilhão em 2015. Segundo calcularam os economistas do Fundo Monetário Internacional, os perigos que há pouco pareciam hipotéticos parece que agora estão materializando-se. Assinaram que o endividamento global alcançou os USD 182 bilhões. Uma cifra equivalente a cento e cinquenta e seis vezes o PIB espanhol. Desde o começo de 2018, a cifra aumentou em USD 18 bilhões e o endividamento não tem deixado de crescer. Superou já em 60% o nível de 2007, um ano antes que da Grande Recessão chegasse com toda sua força com as graves consequências sociais e políticas resultantes. Por ora, assinalaram, os países mais afetados por este novo clima são os que compõem a Eurozona e Japão. EUA, a quem consideram o autêntico desencadeante deste problema, parece estar resistindo melhor ao vendaval, graças à reforma fiscal expansiva do governo Trump. Mas estas reformas que alimentaram o crescimento, foram somente medidas fiscais, enquanto se incrementava sensivelmente o endividamento do Estado. Quanto aos países periféricos, encontram-se recebendo as repercussões negativas destas tensões.

Esta situação tende a agravar-se. Na recente reunião do FMI em Bali, Indonésia, Christiane Lagarde reconheceu “que o aumento das taxas de juros nos EUA coincidia em forma ‘inédita’ com fortes tensões comerciais [que] obscurecem a conjuntura econômica mundial”. 2 O aumento das taxas de juros nos EUA provocou fortes variações na relação entre o dólar e as distintas divisas e uma fuga de capitais para os EUA, cujas altas taxas asseguram retornos importantes aos especuladores.

É interessante sublinhar também que as relações internacionais desde a vitória de Donald Trump mudou substancialmente. A OMC foi perdendo toda a consideração na resolução dos conflitos comerciais e suas decisões perderam importância. Os objetivos que tinha desde sua criação nos anos noventa, ficaram convertidos em letra morta. O multilateralismo começou a se restringir, aparecendo no horizonte comercial das relações bilaterais que vão substituindo as multilaterais de negociação como era de uso comum. Ou seja, desde a aparição de Dolnald Trump, EUA busca alcançar acordos bilaterais, desativando as alianças regionais ou os acordos comerciais multilaterais como a União Europeia, o MERCOSUL ou o TPP, produzindo enfrentamentos comerciais com a China e a UE.

Por outro lado, Itália além dos graves conflitos políticos originados pela “coalizão populista” no poder, decidiu levar o déficit fiscal para 2,4% do PIB durante os próximos três anos, muito por cima dos parâmetros permitidos pela UE e que nada tem a ver com o programado pelo anterior governo, que o havia limitado a 0,8% do PIB. O Comissário Europeu para Assuntos Econômicos, Pierre Moscovici estimou que o orçamento italiano parecia “estar fora dos limites” das regras europeias. A Itália tem uma dívida de 2,3 bilhões de euros, o que representa ao redor de 131% de seu PIB, o patamar mais elevado da Eurozona depois da Grécia.

Na Alemanha, se acabou a margem de manobra de Angela Merkel (que leva 18 anos como líder conservadora e 13 à frente do governo) ao ser eleito como novo chefe da Bundestag (Parlamento) Ralph Brinkhaus, conhecido por suas críticas à política da Chanceler alemã, não renovando sua confiança em Volker Kouder, braço direito da chefa de governo há onze anos. É preciso assinalar que a coalizão governamental que incluiu aos social-democratas do SPD, ameaça permanente em explodir, inclusive agora que Merkel perdeu o apoio incondicional dos deputados da União Democrata Cristã da União Social Cristã Bávara (CSU) no Bundestag. Mas Merkel, dona de nervos de aço, parece que seguirá exercendo suas funções habituais, já que foi capaz de contornar todos os obstáculos, embora sua margem de manobra se reduziu sensivelmente.

No Reino Unido a situação depois do brexit não é melhor. Recentemente a primeira-ministra Theresa May declarou que o Reino Unido terá, pela primeira vez nas décadas, o controle da imigração depois do brexit e que reduzirá a renda de trabalhadores pouco qualificados. Assinalou que seu país adotará um novo sistema de vistos que levará em conta a preparação laboral dos imigrantes em vez do país de origem. Em 2017, a economia do Reino Unido cresceu somente 0,8%, enquanto a libra continua em queda frente ao dólar, tendo-se convertido no país com maior desigualdade da OCDE. O custo do brexit será alto para o Reino Unido, seja qual for o cenário final. Além disso, existe um enfrentamento no partido do governo entre os partidários do brexit duro e os do brando.

Na América Latina a situação é também muito complexa. Longe de ser somente Trump um governante com tintas fascistas, agora Jair Bolsonaro (ex-capitão do exército), quem com características similares, se impôs amplamente no primeiro turno nas eleições presidenciais do Brasil. Este indivíduo é um político autoritário, racista, machista e homofóbico, que conseguiu um triunfo rotundo nas eleições presidenciais do Brasil, abarcando quase todo o país, salvo o nordeste.

A América Latina enfrenta assim um novo cenário que já não é somente o fim do ciclo progressista e sua possível substituição por forças de direita, mas um deslocamento das fronteiras para posições que reivindicam a ditadura, fazem alarde de violência, desprezando os valores que ainda restam do sistema democrático. Não é possível já na América Latina que o progressismo se exima de suas responsabilidades acumuladas nestes últimos anos de governo. Estes partidos que apregoam a coalizão de classes desenvolveram relações estreitas entre os governos e as turvas “burguesias nacionais” que terminaram por debilitar totalmente suas políticas reformistas.

Definitivamente, observa-se que na Europa, nos EUA e em muitos países da América Latina está emergindo uma nova direita que antepõe o racismo, o autoritarismo e o conservadorismo contra os avanços dos trabalhadores, o feminismo e as minorias sexuais. O progressismo continental encontra-se ante uma crise profunda, tanto política como intelectual e moral. Seus intelectuais ainda têm esperanças nas posições de Vladimir Putin ou Xi Jinping, como supostos contrapesos do imperialismo que permitiriam reviver experiências econômicas anteriores. Mas terminar com o saqueio no curso da América Latina, levado adiante pelos representantes mais extremos do neoliberalismo, só é possível caso se construa uma saída efetiva liderada pelos trabalhadores, que ataque os pilares nos quais sustentam a força e o domínio dos setores dominantes mais concentrados.

Fonte: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=248618&titular=es-posible-una-nueva-crisis-financiera-y-pol%EDtica-


Notas:

1 Entrevista ao jornal austríaco Die Presse

2 Ámbito Financiero – 10 de outubro de 2018


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