O que não esquecer de 2018

No último editorial de 2018, relembramos alguns acontecimentos do ano e as perspectivas de luta de 2019.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 27 dez 2018, 14:04

O brinde de final de ano de milhões de famílias brasileiras será acompanhado pela apreensão com a nova situação política. Apesar das promessas midiáticas, não se apresenta no horizonte nenhuma saída para problemas profundos como o desemprego e a insegurança pública. As propostas do novo governo sobre a mesa apontam regressão no terreno dos direitos, desmonte do serviço público e maior precarização dos postos de trabalho.

Os grandes capitalistas do mundo, por sua vez, também lidam com incertezas. Na semana do Natal, as bolsas do mundo despencaram. Os mercados olham para Wall Street e para Trump com cada vez mais desconfiança. O ano de 2019 começará com a marca do imprevisível, uma herança de 2018.

A crise orgânica do regime brasileiro ingressou numa etapa profunda. Somando-se às “reviravoltas eleitorais” – como a que levou Donald Trump ao poder no maior país do planeta -, Bolsonaro elegeu-se presidente, desferindo um golpe de morte no regime de 1988.

Ponto de inflexão, mudança de regime

A extrema-direita, numa eleição cheia de vícios – como a interdição dos debates presidenciais, o impedimento da disputa do primeiro lugar nas pesquisas no primeiro turno e a usina das fakenews – impôs uma solução reacionária para a crise do regime da Nova República. Logrando ampla força institucional, com o crescimento meteórico da bancada do PSL (52 deputados eleitos), Bolsonaro também elegeu aliados próximos aos governos de estados importantes como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Seu próprio partido ainda elegeu mais 3 governadores, um deles, Antonio Denarium, assumiu em Roraima em meio a uma crise política, como interventor federal, abreviando o mandato da então governadora. O Nordeste do país acabou tornando-se o contraponto, elegendo governadores “não alinhados” com o campo bolsonarista. As negociações para a presidência das duas casas legislativas serão o próximo capítulo para a disputa dos planos da coalizão governamental. O fato é que se abriu, como definimos em novembro, uma situação reacionária, defensiva para os interesses da classe trabalhadora, ainda que instável.

O governo busca utilizar a alta expectativa popular de melhora na economia para impor um projeto ultraliberal. A audácia dos objetivos é uma das marcas de Paulo Guedes, novo chefe da equipe econômica, tanto para a retirada de direitos, considerados supérfluos, como para manter o corte de gastos públicos e liquidar o patrimônio nacional. Os ataques serão escalonados também nos estados, onde o funcionalismo público já é escolhido como bode expiatório da crise fiscal.  

A conformação do ministério de Bolsonaro indica o peso que os militares terão, com presença em pastas estratégicas: serão 7 ministros além do vice Mourão. O latifúndio também estará representado, com a ministra Teresa Cristina e Nabhan Garcia, líder da UDR, prometendo ser duros com as comunidades rurais e ribeirinhas, e “flexíveis” com os grandes pecuaristas e donos de terra. Bolsonaro já anunciou o perdão de dívidas dos ruralistas numa canetada. O ministro do meio ambiente será Ricardo Salles, um articulador da extrema-direita paulista. Na mesma toada ideológica aparecem os titulares da educação, Ricardo Vélez, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, além de pastora Damares Alves, responsável por Direitos Humanos, Mulher e Família no novo governo.

As cenas da diplomação dos novos deputados por todo o país, com empurrões, socos e tensão entre simpatizantes do PSL contra os setores democráticos indicam o novo normal. Outro dado que alarma nos estados é o número de “mortes em conflito” que as policias registraram, já respondendo à nova situação dos que advogam a “licença para matar”, sobretudo nos bairros populares e periferias.

Não podemos esquecer, diante do quadro adverso, que ainda existe um vigoroso movimento democrático no país. Ele se expressou nas impressionantes mobilizações das mulheres, que abriu o caminho para a confluência do #EleNão; na defesa das universidades, com a entrada em cena da comunidade acadêmica; e na luta dos educadores contra o projeto que amordaça a escola. A votação do PSOL, que ultrapassou a cláusula de barreira (alcançando quase 3% dos votos válidos, dobrando sua representação na Câmara dos Deputados e crescendo nas Assembleias Legislativas), é um sintoma dessa luta democrática. Da nossa parte, defenderemos essas trincheiras como forma de resistência e de luta por uma alternativa.

Não esquecemos o que disse Mano Brown: a esquerda precisa aprender as lições e reconstruir seu projeto defendendo os interesses do movimento de massas, enraizando-se junto ao povo. Nossa orientação é buscar unidades democráticas e a frente única em defesa dos interesses dos trabalhadores, sem perder a dimensão da construção de uma esquerda renovada e combativa para enfrentar os desafios que estão postos.

Não nos esquecemos de Marielle!

A morte de Marielle Franco e Anderson Gomes despertou revolta e dor. Como escrevemos em 15 de março num editorial especial,   

“Marielle, como negra e mulher, foi uma das vereadoras mais votadas do Rio de Janeiro no pleito de 2016. Ativista dos direitos humanos e da população das favelas, sua crescente trajetória política correspondia ao ascenso da luta das mulheres e da negritude. Seu assassinato foi um crime contra as mulheres negras, contra o povo pobre, contra os que contestam o abuso das forças de repressão no estado do Rio de Janeiro. O PSOL no Rio de Janeiro, com Marcelo Freixo, com quem Marielle trabalhou diretamente durante muitos anos, sempre esteve à frente da denúncia das milícias, organizações paramilitares que dominam territórios, acossando o povo mais pobre da cidade”.

Até agora não existem conclusões finalizadas para o crime. Uma ampla campanha internacional segue existindo, assim como milhares de vozes que se levantaram pelo país, exigindo justiça e querendo saber quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson. Assim como eles, outras vitimas de crimes de ódio com motivações políticas marcaram o ano de 2018, como mestre Moa do Katendê, dirigentes do MST da Paraíba, lideranças da luta indígena e camponesa no norte do país, além dos milhares que são violentados e mortos pelas polícias – o que até mesmo os organismos internacionais já classificam como genocídio da juventude pobre e negra nos morros e favelas brasileiras. A revelação, há algumas semanas, do plano para execução de Marcelo Freixo, por parte de milicianos da região oeste do Rio de Janeiro, só demonstra a gravidade da situação.

As manifestações que estão sendo preparadas para março levantarão a defesa da agenda de Justiça para Marielle, unida à luta das mulheres e à primeira agenda unitária contra o governo Bolsonaro. Do carnaval, passando pelo dia 8 de março e chegando à data que marca um ano do assassinato, 14 de março, há um importante calendário, que orientará o conjunto da militância e do movimento social.

Mãos dadas

Em 2019, não esqueceremos o lema da resistência: ninguém solta a mão de ninguém. As tarefas para o próximo período são diversas. Organizar a luta contra a escola sem mordaça, resistir ao plano de ajuste, disputar na sociedade a opinião contrária à reforma da previdência, além da tarefa democrática central já apontada – Justiça para Marielle e Anderson!

Com a Revista  Movimento, organizamos durante 2018 nossa rede de informação a serviço do debate político, das ideias socialistas e internacionalistas, e da construção do PSOL. Editamos revistas impressas que expressaram nossas opiniões, consolidando um espaço editorial e de propaganda socialista para enfrentar os desafios do período histórico atual.

Vamos resistir em 2019, levando em conta a lição de Drummond: nossa matéria é o tempo presente! Desejamos um ano novo de lutas e realizações para nossos camaradas e leitores!


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Pedro Micussi