De Mariana a Brumadinho
Para agir em relação a esse novo crime é preciso como ponto de análise e comparação o crime da Samarco, ocorrido em Mariana.
A nova tragédia ocorrida no dia 25 de janeiro de 2019 representa um novo crime da grande corporação Vale. Até o momento foram nove mortos e quatrocentas e treze pessoas desaparecidas, com a potencialidade de uma monumental tragédia humana. Para agir em relação a esse novo crime é preciso ter outro crime como ponto de análise e comparação: o crime da Samarco, ocorrido em Mariana, no dia 5 de novembro de 2015.
A primeira comparação realizada é sobre a fiscalização e regulamentação das barragens. As barragens de rejeitos são grandes diques que armazenam água e rejeitos oriundos do processo de mineração. Tanto em Mariana quanto em Brumadinho esses diques são construídos com os rejeitos da própria mineração. Quando as barragens deixam de comportar os rejeitos as mineradoras aumentam o tamanho do dique, o processo leva o nome técnico de alteamento. A liberalização dessas construções deve passar por processos de regulamentação, onde os órgãos estatais responsáveis classificam o risco a partir do dano potencial associado a barragem. No caso da barragem de fundão em Mariana e a barragem da Vale no Córrego do Feijão eram classificadas com risco médio, e não eram classificadas como instáveis.
Outra semelhança que deve ser destacada é a construção de monumentais reservatórios de rejeitos e água próximo de concentração humana e importantes bacias hidrográficas. Em Mariana, a barragem de Fundão era localizada nas proximidades do distrito de Bento Rodrigues, que foi surpreendido pelo grandioso fluxo de lama que varreu o distrito, matando dezenove pessoas, acarretando um aborto de uma moradora, e varrendo o distrito do mapa. Além de Bento Rodrigues, outras comunidades humanas, distritos, cidades, aldeias e vilarejos ao longo da bacia do Rio Doce foram afetadas. O rompimento da barragem no córrego do Feijão ficava nas proximidades de Brumadinho, mas uma vila de trabalhadores da própria Vale se localizava nas margens da barragem, o que pode ter acarretado outras dezenas de vítimas, ainda não apurado o número oficial.
É importante ressaltar, também, como em ambos os eventos não funcionaram, ou não existia, um sistema eficiente de alerta e evacuação, permitindo que as pessoas nos arredores das instáveis construções pudessem ter chance de salvarem as próprias vidas. Todos esses pontos de comparação, adiante o fato de estarem ligados a mineração e no estado de Minas Gerais, trás o fato inicial que ambas as barragens não possuíam classificação de instabilidade e conseguiram com certa facilidade os licenciamentos, a barragem do Córrego do Feijão conseguiu a licença após o crime de Mariana.
O crime de 2015 não acarretou em transformações nas legislações que envolvem o licenciamento do funcionamento e construções de barragens, nem impediu que um novo crime ocorresse. A Vale, protagonista do novo crime, também possui relações com o crime de 2015, por ser acionista da empresa Samarco, responsável pela construção da barragem de fundão, e, ainda, não foi para o banco dos réus. A impunidade está imbricada no poder econômico da empresa, com forte Lobby desde as prefeituras e câmaras municipais até os governadores, assembleia legislativas, congresso e presidência da república.
Os financiamentos de campanha, agora não mais permitidos, e as arrecadações de impostos fazem que o poder público funcione como um braço dessas grandes corporações. E tal denúncia é vocalizada por próprios membros da justiça, como o promotor responsável pelo crime da Samarco em Mariana que alerta como esse modelo de barragem não foi proibida e substituída por outras construções mais seguras, porém com custos mais elevados, revelando como Estado e grandes mineradoras possuem um interesse voltado para o lucro desenfreado e não para a vida humana e meio ambiente.
Portanto, após o novo crime de Brumadinho, podemos dizer que nada foi alterado desde o crime da Samarco em 2015, pensando em manter as grandes somatórias de lucros das mineradoras, que viabilizam aos seus acionistas grande lucro gerado pelo aumento da fiscalização e exploração predatória, que não calcula o preço das vidas humanas e do meio ambiente. É intolerável que o Estado continue com uma postura de sócio das grandes mineradoras, ignorando as populações atingidas, as comunidades que dependem dos rios e florestas, das bacias hidrográficas e de todo ecossistema.
Outro fato que necessita de destaque é a quantidade de barragens construídas por mineradoras, que no estado de Minas Gerais ultrapassa quatro centenas. Como qualquer outra multinacional, a Vale possuí suas ações a venda nas bolsas de valores do sistema financeiro. A flutuação do preço dos minérios sempre pode acarretar a perda financeira de acionistas da Vale. Portanto, para impedir que os lucros diminuam, a empresa recorrentemente opta por otimizar o processo de mineração, aumentando a produção, precarizando o trabalho dos mineiros, e potencializando a quantidade de rejeitos e danos ambientais. O que explicaria a escolha do processo de alteamento para a ampliação das barragens, que aumentam sua capacidade de receber rejeitos, possibilitando o aumento da produção.
E nesse processo, mais uma vez, a Vale conta com o poder público como seu maior auxiliador. Tanto em Mariana como em Brumadinho as barragens não possuíam uma classificação de alto risco, mesmo com milhares de vidas humanas nos seus arredores. Na última década os parâmetros para tais construções foram sofrendo sucessivas flexibilização para possibilitar processos mais baratos e os altos lucros da mineração. Os órgãos regulamentadores também passaram por um processo de sucateamento, que dificulta o trabalho de fiscalização nas centenas de barragens.
Assim, a somatória dos processos de ampliação da mineração predatória, o que chamamos de extrativismo industrial, e a parceria do estado acarretam no fenômeno de rompimentos, que não é incomum, pois Mariana e Brumadinho são dois crimes de maiores proporções, que, portanto, se destacam, mas entram no amplo rol de tragédias. Podemos observar como exemplo a comissão criada no congresso para vistoriar o crime ocorrido em Mariana. Dos 19 congressistas presentes, treze receberam doações das mineradoras, valor que somado chegava a dois milhões e seiscentos mil reais.
A Vale, Samarco e demais mineradoras e acionistas majoritárias devem ser punidas por sua ação terrorista, destruindo cidades, matando pessoas e causando prejuízos materiais e ambientais incalculáveis e irreparáveis. Esse grande conglomerado financeiro apenas considera os montantes de lucro, ignorando a potencialidade dos riscos, e levando a população viver um pesadelo. Também não devemos perder do horizonte que na data do crime em Mariana apenas 1% das empresas pagavam as multas aplicadas pelo IBAMA. Ou seja, no Brasil existe uma profunda impunidade para quem mata pessoas, comunidades com sua cultura e relações sociais, e destrói o meio ambiente e as riquezas naturais.
O poder público precisa ser cobrado e romper com suas relações escusas, que impossibilita uma fiscalização séria e licenciamentos que realmente consideram a vida como prioridade. Não podemos tolerar comportamentos semelhantes ao do presidente Jair Bolsonaro que reduz a importância do Ibama, cogitou a extinção do ministério do meio ambiente e colocou para comandar a pasta Ricardo Salles, investigado por fraudes ambientais. O novo governo de Minas Gerais e da República devem ser cobrados por sua postura criminosa que relativiza a necessidade de rigor nas fiscalizações e regulamentações. Também não podemos esquecer da suscetibilidade que os governos petistas, estadual com Fernando Pimentel e federal com Dilma Rousseff, possuíam em aceitar lobby das mineradoras, aceitando pesados financiamentos de campanha. As atuações petistas pós crime da Samarco em Mariana foram desastrosas, permitindo que as próprias empresas ficassem responsáveis por investigar e estipular as reparações dos atingidos. Também permitiram maior flexibilização nas regulamentações que corrobora para a continuidade de crimes cometidos pelas mineradoras.
A regulamentação das aéreas de mineração devem ser realizadas por órgãos autônomos, compostos por pessoas que estejam preocupadas com a preservação ambiental e com a vida humana. Os marcos legais da mineração devem ser rígidos, impedindo ações que tragam riscos a vida humana e meio ambiente. E a justiça não pode continuar leniente com os crimes socioambientais, cumprindo as sentenças judicias e colocando fim nas injustiças perpetradas pelo poder econômico.
Toda solidariedade e justiça para os atingidos, que sofrem e estão sofrendo devido aos crimes das mineradas. Basta de crimes socioambientais. Basta de injustiça para os atingidos e meio ambiente. Respeito as riquezas naturais e soberania popular na fiscalização e regulamentação das aéreas de mineração e extrativismo. Participação popular no controle da exploração dos recursos naturais ou barbárie.
Fontes:
http://www.dnpm.gov.br/assuntos/barragens
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/25/politica/1548443780_104893.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/26/politica/1548458431_109220.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/09/politica/1544379683_286039.html