O paradoxo de Buridan e a alta inquisidora Damares Alves

A ministra é uma exímia representante do neopentecostalismo.

Italo Laredo 7 jan 2019, 13:52

Na última terça-feira (02), aconteceu a apresentação oficial de cargos dos ministros de Jair Bolsonaro, como manda o protocolo. O primeiro escalão do presidente tomou posse e já mostrou para o que veio. Na linha do que vem por aí, a nova equipe ministerial demostrou sintonia com o conservadorismo e com o plano econômico defendido por Jair Bolsonaro ainda durante as eleições.

Desta forma, no aspecto geral, a composição governamental proposta por Bolsonaro não está desvinculada do caminho o qual ele pretende trilhar enquanto for presidente da República. Assim, cada ministério com sua chefia será componente ativo, gerando energia política para a nova direção – que se alimenta de medos irracionais e injustificados, mas que ganhou as urnas com mais de 57,7 milhões de votos. Em outras palavras, os ministros escolhidos a dedo serão os próximos algozes da burguesia e trabalharão incansavelmente para implementar, nas suas competências, o projeto protofacista em curso no Brasil.

Entre os ministros da malha governamental já empossados de Jair Bolsonaro, a responsável pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, chamou atenção por conta de sua recente declaração divulgada nesta quinta-feira (03) sobre a divisão de gênero em cores, provocando muitas polêmicas e evidenciando imediatamente qual será o seu perfil como ministra no atual governo brasileiro. O assunto, enfatizado pelos bate-bocas calorosos, memes e protestos que repercutiram na internet, chegou a ficar entre os assuntos mais comentados nas redes sociais. Mas quem é Damares Alves, afinal?

Para início de conversa, Damares Alves é um astro importante da miríade ministerial bolsonarista. Bastou uma rápida pesquisa para descobrir que a mulher que relata que encontrou Jesus na goiabeira e também ex-assessora do senador Magno Malta, do Partido da República, tem uma passagem marcante na política. Uma das poucas mulheres no Governo Bolsonaro, a líder religiosa é uma das principais condutoras da Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, cujas principais bandeiras são a manutenção do aborto como crime e a defesa dos padrões normativos da família embasados na bíblia.

A pastora Damares Alves vem atuando ativamente, por conseguinte, em torno de pautas como a defesa dos costumes e do que ela chama de “família evangélica”. Não por coincidência, portanto, a aproximação de Bolsonaro e Damares representa a culminância das inflamadas pautas conservadoras, isto é, a materialização dos retrocessos e ameaça dos direitos sociais conquistados a duras penas em arenas importantes. O fato é que Damares também é uma exímia representante do movimento cuja expansão evidencia-se atualmente: o neopentecostalismo.

No início de dezembro do ano passado, por exemplo, segundo o jornal O Globo, mais de 100 entidades – entre igrejas, organizações não governamentais, associações de classe – assinaram uma nota em defesa da nomeação de Damares Alves ao cargo de ministra. Grande parcela dessas entidades, segundo a matéria, tem ligação bem estreita com instituições religiosas, o que deixa evidente seu alinhamento político e quem a pastora representa. E, em outras ocasiões, ela já se pronunciou ser contrária não só ao feminismo, como também à suposta “ideologia de gênero” ensinadas nas escolas.

As declarações da referida ministra de Bolsonaro incitam o ódio, a intolerância, perseguições políticas e a exclusão de minorias sociais do hall dos direitos humanos. Não temos como antecipar, aqui e agora, a atuação de Damares enquanto chefe de um dos principais ministérios do recém-empossado presidente brasileiro. Todavia, podemos fazer as nossas apostas – e, analisando o tabuleiro, é evidente que Damares é uma peça fundamental da estratégia presidencial para o avanço da agenda conservadora presente no plano de governo Bolsonaro.

Uma rival em potencial dos movimentos sociais, Damares Alves, alinhada aos interesses do governo bolsonarista, confronta substancialmente os interesses das LGBT. Vale destacar que a medida provisória aprovada por Bolsonaro, após sua posse, excluiu referências a políticas voltadas à diversidade sexual e de gênero das diretrizes do Mistério Mulher, Família e Direitos humanos que é suficiente para demonstrar os desafios que as LGBT’s terão no novo governo. E, em seu discurso de posse, a pastora afirmou sua responsabilidade por garantir os impactos das políticas de governo sobre as famílias.

A avaliação da ministra é que o tratado dos direitos humanos vigentes no Brasil possui muitos pontos sequestrados por agendas ideológicas. Segundo ela, grupos com viés ideológico agem de má-fé para avançar agendas pró-aborto e de ideologia de gênero. E, entre as primeiras ações concretas da ministra, a pastora, emergencialmente, elaborará e implementará ações pró-família com a finalidade de defender as famílias brasileiras e seus valores em meio de ameaças.

Em função do exposto, de forma pragmática, Damares Alves encarna o risco real da institucionalização da pedagogia do armário sob o controle e violência do Estado.  O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos será a pedra pune do governo bolsonarista, o amolador de facas, onde nossos direitos serão não apenas violados, mas também criarão, destarte, ambientes ainda mais propícios a possibilidades para discriminação, violência e extermínio. Logo, o discurso de posse da ministra não pode ser entendido como uma mera distração de início de governo, e sim, em vias de efetivação imediata, a institucionalização e ou a federalização da LGBTfobia.

A declaração “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, da pastora evangélica, como ministra, orienta e reafirma a heterossexualidade como norma. E o que perdemos com isso, em termos de direitos? Muita coisa, sobretudo o direito à vida. A “nova era” sugerida por Damares é um novo regime político que, evidentemente, instituirá inquisições no país inteiro apoiadas pelo Estado. Não é novidade a liderança mundial do Brasil nas estatísticas de homicídios de LGBT’s, contudo a proposta de Bolsonaro, em consonância com a sua alta inquisidora, suscita e potencializa a LGBTfobia no Brasil.

Portanto, o cerne da questão nunca foi qual a vestimenta é a mais apropriada. Sabemos que nada tem a ver com qual cor é a ideal para determinado gênero, mas sim sobre a normalização dos processos e mecanismos heterocisreguladores de hierarquização, ajustamento, marginalização, exclusão e extermínio. Ademais, as mobilizações marcadas, no país inteiro, são demasiadamente importantes por caracterizar todos esses elementos elencados. Não obstante, é imprescindível a cautela do conjunto de oposição ao atual governo para enfrentar todos os ataques de Bolsonaro de maneira estratégica, a fim de linkar todas as pautas de parcelas populacionais historicamente subjugadas e resistir nas diversas trincheiras da luta. Em outros termos, entre decidir se é “apenas uma distração de início de governo” e uma causa importante, opine por não dar sossego ao governo do Bolsonaro. Pela criminalização da LGBTfobia e pelo direito de ser e amar, ninguém solta a mão de ninguém!


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