A organização da luta social na Amazon – Parte 1

Trabalhador da Amazon na Alemanha faz relato dos conflitos de classe na gigante de vendas online.

Christian K. 12 fev 2019, 14:32

A Amazon é a maior empresa de venda por correspondência em linha do mundo. Mas esta informação deve logo ser relativizada porque na China há companhias de venda por correspondência em linha muito mais importantes. Por exemplo, a Alibaba, uma empresa lançada em 1999, está a desenvolver-se internacionalmente. A Alibaba diversifica-se, entre outros, no setor da logística, no tipo de produtos (maquinaria de construção!). A revista dos Estados Unidos Fortune classifica a Alibaba no primeiro lugar em termos “de qualidade” e desenvolvimento.

Contudo, fora da China, é certamente esse o estatuto da Amazon de Jeff Bezos, lançada em 1994, que também se está a diversificar. A Amazon também está ativa em muitas outras áreas, por exemplo nos serviços em nuvem (AWS), ou seja no fornecimento de espaço de alojamento de dados informáticos. Tanto o governo dos EUA como os seus serviços secretos armazenam os seus dados nos seus servidores.

Em seguida, a Amazon também se lançou no comércio de streaming. Vídeos e música podem ser obtidos através dos serviços da Amazon e esta produz até os seus próprios filmes. A Amazon está em concorrência com os editores de livros e está a substituí-los gradualmente com o lançamento dos seus próprios livros eletrónicos, ebooks [serviço Kindle]. A Amazon também entrou no setor da robótica tendo comprado uma companhia de robótica que inventa e fabrica tecnologias modernas para a gestão de depósitos. A Amazon disponibiliza meios de pagamento electrónico, ou seja, uma espécie de banco através do qual se pode pagar eletronicamente. Há agora até uma moeda da Amazon. E a Amazon visa conquistar a totalidade da indústria da logística, não apenas através da sua própria empresa, mas também substituindo os serviços de correios pelas suas próprias frotas de camiões e companhias aéreas, incluindo a indústria aeroespacial .

Jeff Bezos, o CEO de Amazon, quer aparentemente criar o seu próprio seguro de saúde, em primeiro lugar para os empregados da empresa, o que seria fatal em termos de controlo da força de trabalho no que toca a “disponibilidades físicas”. O que é, na minha opinião, verdadeiramente perigoso na Amazon é que ela recolhe uma grande quantidade de dados sobre dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo. Isto parece inofensivo mas a Amazon pode obter informação sobre nós e sobre uma massa de pessoas, informações de que nem sequer temos consciência.

Amazon na Alemanha

Lancemos um olhar à Amazon na Alemanha. A Alemanha é o segundo mercado maior para a Amazon a seguir ao dos Estados Unidos. A sua faturação anual anda à volta de 15 mil milhões de euros e a Amazon e o seu crescimento atinge uns 30% por ano. A direção da Amazon impõe internamente de forma agressiva este objetivo de crescimento.

A Amazon explora entre dez a doze grandes armazéns na Alemanha. O número não é preciso porque neste momento muitas coisas estão a mexer-se, a Amazon está quase todas as semanas nos jornais e anuncia a abertura de novos centros [lager]. De facto, dois de entre eles estão agora completamente robotizados. Em média, entre 2.000 a 4.000 colegas trabalham nos depósitos. Para satisfazer a procura do mercado alemão, a Amazon opera com armazéns adicionais na Polónia e na República Checa que são muito maiores. Cerca de 55% dos pedidos alemães são processados em centros localizados na Polónia.

Como nos armazéns tradicionais, as nossas atividades incluem: a receção de mercadorias, a inserção das mercadorias na base de dados do sistema, o armazenamento das mercadorias, seguindo um sistema de armazenamento chamado caótico [distribuição das mercadorias de forma aleatória], ou seja, podemos mais ou menos decidir por nós próprios em que prateleira colocamos os produtos, basta scannear o compartimento em causa para uma identificação rápida nas nossas pulseiras ou tablets a partir daí. Na Amazon, os produtos não estão triadas por grupos. Finalmente, temos o processo de disponibilização. Quando chega um pedido, tiramos o produto das estantes e embalamo-lo nas caixas da Amazon conhecidas em todo o mundo.

Para enquadrar o “coração” destas atividades, existe, claro, o apoio: o serviço de pessoal, o serviço técnico, a informática, o inventário e o serviço de qualidade [o blogue dos centros logísticos da Amazon Alemanha dá uma ideia da imagem que a companhia quer dar das condições de trabalho e operação; ver em particular este vídeo: Natal na Amazon].

Condições de trabalho da Amazon

A imprensa na Alemanha já falou muito sobre as condições de trabalho na Amazon na Alemanha. Comecei a trabalhar na Amazon em 2009. Nessa época, o salário inicial era de 8,50 euros. Segundo os indicadores da OCDE, este setor pertencia, assim, ao dos baixos salários. Com efeito, não houve aumentos salariais desde 2006, apesar da inflação ter atingido os 10% desde este período.

Nesta altura, aproximadamente 80% dos colegas tinham um contrato a termo certo. Tratava-se de durações curtas, que se estendiam por um período mais amplo que podia chegar até aos dois anos. No último dia de trabalho, informava-se o trabalhador se lhe era oferecido um contrato indefinido ou de devia ir-se embora. Convocavam-se os trabalhadores para uma sala com 500 outros colegas e comunicava-se-lhes a decisão.

Havia uma forte pressão de rendimento, de resultado num tempo determinado. Uma das razões era que o contrato tinha uma duração limitada pelo que esperava que respeitasse um certo ritmo de trabalho. Por outro lado, está-se fortemente controlado uma vez que se trabalha com o computador e o scanner, o que avalia o ritmo de trabalho em tempo real. Desta forma a Amazon em Seattle ou em qualquer outra parte do mundo sabe quem está a trabalhar e a que ritmo, o que aumenta a pressão sobre os trabalhadores. Não temos contratos à tarefa, já que estes são proibidos na lei alemã. Contudo, o limite de tempo sugere que dever ter um certo ritmo se não quiseres que te ponham na rua. Noutros países, em que os direitos não estão tão desenvolvidos como na Alemanha, ainda há esse tipo de contratos. Por exemplo, os nossos colegas polacos disseram-nos que seriam despedidos se não atingissem um objetivo fixado mais de quatro vezes seguidas.

Além disto, há uma flutuação muito forte de pessoal na Amazon. Atualmente trabalham no nosso local de trabalho 3.500 trabalhadores, mas desde a abertura do armazém passaram por ali um total de 18 mil pessoas.

Quando comecei na Amazon, a ergonomia dos postos de trabalho era deficiente. A organização do trabalho da Amazon segue o princípio do trabalho standard: em todo o mundo e em todos os armazéns, os lugares de trabalho devem ser organizados exactamente da mesma maneira, independentemente das diferencias de tamanho, de idade, etc. dos trabalhadores.

Isso explica também porque é que as pessoas nos Estados Unidos não trabalham mais de dois anos na Amazon. Na Alemanha, ao invés, conheço colegas que trabalham há 20 anos na Amazon. Esta atividade monótona, na qual apagamos o cérebro, tem efeitos percetíveis ao longo dos anos. São muitos os trabalhadores que dizem que quando picam o ponto deixam a sua inteligência na máquina de picar. A direção nunca desenvolveu ferramentas de gestão da saúde.

A organização espacial tem impacto na saúde dos trabalhadores. Nos corredores, que são do tamanho de quatro campos de futebol, os sistemas de estantes, acessíveis a pé, estão instalados em quatro pisos. Estas estantes chamam-se peak tower [estantes de altura muito elevada]. O depósito não está adequado a este tipo de armazenamento, já que o sistema de estantes foi instalado posteriormente nos armazéns. As salas de armazenamento, por exemplo, não estão isoladas e quando se trabalha no piso de cima no verão faz muito calor o que provoca tragédias [respiração]. A ambulância estava lá todos os dias em pleno verão.

Esta organização do trabalho resulta numa taxa de morbilidade extremamente elevada. Os trabalhadores temporários estão oficialmente menos doentes, mas isso significa que estão mais dispostos a ir trabalhar ainda que estejam doentes. A Amazon dá-lhes a entender que o contrato não se prolongará em caso de doença. Ainda hoje em dia esse é o critério para a renovação de contratos. A taxa de morbilidade foi entre os 20 e 30%, ou até mais de 30% em alguns depósitos. Na Alemanha, em comparação, a média no setor logístico é de 5%. E esta quota já é criticada por ser demasiado alta.

Quando os colegas falam sobre o seu trabalho dizem que os trabalhadores não tomam decisões independentes, mas sim enchem um vazio no processo de trabalho que nenhuma máquina pode preencher. Por isso, nos depósitos da Amazon, somos apenas o apêndice de uma máquina e fazemos apenas o que o computador diz que façamos.

Sobre a cultura de gestão na Amazon

Na altura, as pessoas que trabalhavam na Amazon não conheciam os seus direitos. Ainda que tivéssemos uma comissão de trabalhadores, era amplamente ignorada por muitos colegas. Esta tinha uma influência muito fraca na empresa devido aos discursos pronunciados pelos seus dirigentes.

Há aquilo que se chama um all hands na Amazon. É uma reunião que todos os trabalhadores se sentam juntos e o chefe conta uma “história de êxito”. Por exemplo que Jeff Bezos ganhou ourta vez 20 mil milhões de dólares e que o valor das ações da Amazon aumenta.

Sempre aceitámos tais momentos e muitas pessoas acreditaram e aplaudiram porque as histórias eram apresentadas de forma convincente. Nessa altura eu vinha de outra empresa em que existiam conflitos de trabalho. Vivi um primeiro evento deste tipo. Estávamos todos sentados em bancos e o patrão disse, entre outras coisas, que pelo sétimo ano consecutivo não haveria aumento de salário. Mas num sítio qualquer nos Estados Unidos iria abrir-se um novo armazém robótico e isso seria um grande passo em frente para nós. Todos aplaudiram. E inclusive durante as reuniões do comité de empresa, os colegas não faziam perguntas, tudo parecia funcionar de uma maneira muito harmoniosa.

Leia aqui o segundo artigo da série.

Artigo originalmente publicado no site A L’encontre. Reprodução da tradução de Carlos Carujo para o Esquerda.net.

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