Apresentação da Revista Movimento n. 11-12
Edição é dedicada especialmente para a reflexão e elaboração política sobre a luta das mulheres.
Neste mês de março, preparamos uma nova edição da Revista Movimento, dedicada especialmente para a reflexão e elaboração política sobre a luta das mulheres. Com isso, esperamos aprofundar o esforço consciente demonstrado por nossa organização nos últimos anos em avançar na compreensão sobre o tipo de feminismo que defendemos, bem como sobre o papel essencial e a importância estratégica que a luta feminista tem para a construção de um projeto anticapitalista.
Trata-se de um desafio que tornou-se ainda mais imperativo na atual conjuntura, marcada pela ascensão de governos de extrema-direita no mundo, na qual o movimento feminista tem se apresentado como contraponto e trincheira de resistência fundamental. Por isso, esta edição pretende, antes de mais nada, auxiliar e fortalecer nossas intervenções feministas nesse momento, a começar por duas datas muito significativas que inauguram este mês: o 8 de março – que nos últimos anos tem reinventado o internacionalismo e colocado as mulheres na vanguarda dos processos de luta social em diversos países do mundo – e o 14 de março, data em que se completará um ano do brutal assassinato de nossa companheira Marielle Franco. As duas primeiras demonstrações de força nas ruas deste ano contra o governo Bolsonaro serão, portanto, novamente protagonizadas pelas mulheres, a exemplo das manifestações contra o Trump nos Estados Unidos em 2017 e contra o Temer no Brasil – mobilizações iniciadas pelo movimento feminista e que serviram de exemplo, incendiando a disposição de luta de outros movimentos sociais.
Seguindo este espírito, abrimos este volume com uma seção em homenagem a Rosa Luxemburgo, importante dirigente socialista, líder da Liga Spartakus, ex-militante do Partido Socialdemocrata da Alemanha (SPD) e fundadora do Partido Comunista alemão, que, assim como Marielle, foi covardemente assassinada há cem anos atrás. Reproduzimos dois de seus textos: A proletária (1818) e O que quer a Liga Spartakus (1919), que aludem suas perspectivas feministas e políticas, calcadas na ótica revolucionária. Esperamos que sirvam para vigorar a clareza ideológica a respeito da nossa tradição. Pois, como diz Clara Zetkin: “Em Rosa Luxemburgo, a ideia socialista foi uma paixão dominante e poderosa do coração e do cérebro; uma paixão verdadeiramente criativa que ardia incessantemente. (…) Rosa foi a espada afiada, a chama vivente da revolução”.
Na seção seguinte, apresentamos alguns textos a respeito do atual estágio da luta feminista no Brasil e no mundo. O primeiro é assinado pela antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, que evidencia a força, latência e efeito duradouro adquirido pelo movimento feminista nos últimos anos (no sentido da transformação social e da constituição de uma nova subjetividade política, sobretudo entre as novas gerações), deslocando e contrabalanceando, assim, o olhar exclusivamente derrotista que tomou parcela da esquerda devido ao ascenso do conservadorismo e autoritarismo após a vitória de Bolsonaro e outros governos de extrema-direita pelo mundo. Em seguida, a dirigente do MES Nathalie Drummond faz um panorama sobre a atual onda feminista, narrando seus aspectos, seu contexto de desenvolvimento e o impacto por ela gerado nas diferentes esferas da vida cotidiana (seja nos lares e nos palácios de poder), apontando por fim quais seriam os principais desafios das feministas no período atual. Para fechar a seção, Caroline Coelho Vilar, Linna Ramos, Tatiane Ribeiro, Vanderleia Aguiar e Zeneide Lima se debruçam sobre a história do feminismo negro e o legado de Marielle, atestando a centralidade que a vidas negras tem na reprodução do capitalismo e na luta contra ele, sobretudo diante de uma estrutura social patriarcal e racista como a da sociedade brasileira.
Somada a essa seção, apresentamos entrevista inédita com as nossas quatro parlamentares do PSOL que acabaram de assumir seus mandatos na Câmara Federal e nas Câmeras Legislativas: as deputadas federais Sâmia Bomfim (SP) e Fernanda Melchionna (RS) e as deputadas estaduais Luciana Genro (RS) e Mônica Seixas (SP). Elas falam um pouco sobre a ascensão de governos de extrema-direita no mundo, a força da luta das mulheres, a luta por Justiça para Marielle, o desafios das feministas no Brasil e no mundo, e como seus mandatos estarão a serviço do feminismo e da luta dos trabalhadores.
Em seguida, apresentamos uma seção composta por dois textos alinhados na discussão sobre a necessidade de ser construir um feminismo aliado à luta de classes: a defesa de um “feminismo para os 99%”, feita por Nancy Fraser, Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya (expoentes do feminismo internacional e signatárias da últimas convocatórias de mobilização para o 8 de março), e o diagnóstico de Júlia Cámara, dirigente dos Anticapitalistas da Espanha, que expõe como as mulheres se constituem como um setor estratégico na luta contra o capitalismo, sobretudo num período de crise em que a contradição entre capital/vida ganha fortes contornos. Tratam-se de concepções fundamentais, pois enfatizam como a luta contra os problemas trazidos pelo capitalismo hoje – a precarização do trabalho (tanto pago como não remunerado), a feminização da pobreza, os desastres ambientais, a violência contra a mulher, o racismo, a xenofobia, as desigualdades cada vez maiores – é proporcional ao protagonismo das mulheres trabalhadoras, negras, migrantes, etc., em resposta a crise que vivemos. Nunca foi tão atual um feminismo amplo e plural, para os 99%, que consiga aliar a luta das mulheres com a luta contra o sistema.
Por fim, encerramos esta edição com uma seção teórica para fomentar a formação e o debate permanente de ideias, com textos sobre a relações entre feminismo e a tradição marxista (Sharon Smith e Silvia Federici), o problema da interseccionalidade e das relações entre raça, classe e gênero visto de uma perspectiva dialética (Susan Ferguson), a centralidade de um feminismo negro e latino-americano (Lélia Gonzalez), bem como um seção de documentos, que abarca texto em que a Coordenação Nacional do Juntas! destaca como podemos organizar a resistência ao Bolsonaro e ao autoritarismo e conservadorismo no mundo.
Esperamos que seja proveitoso e sirva de instrumento para as nossas batalhas. Boa leitura!