Materialismo ou “criacionismo” histórico?

A história não é produto do divino, nem da conspiração. A história segue sendo a história da luta de classes.

Estevan Campos 23 mar 2019, 13:43

Temos um problema profundo na esquerda, que vai além da falta de projeto e de perspectiva, mas é, sobretudo, um problema de como vemos a realidade, a analisamos e, o mais importante, como e o que propomos. Parece que parte significativa da esquerda opera num tipo de “criacionismo histórico”. Essa semana isso ficou evidente, mais uma vez.

Na quinta-feira, dia da prisão de Temer e Moreira Franco, as redes sociais foram tomadas por esse tipo de análise, que apontavam que as prisões não deveriam ser comemoradas, eram um mal sinal para nós, para a esquerda, pois haveria um “grande plano” por trás das prisões. Alguns desses argumentos caíram por terra já no dia seguinte, por exemplo: disseram que as prisões serviam para (e por isso iriam) pressionar o congresso a dar os votos para aprovar a previdência, o que aconteceu no dia seguinte foi que Maia anunciou o abandono da articulação da reforma no congresso; disseram que era para enfraquecer as manifestações contra a Reforma da Previdência, ontem cerca de 50 mil tomaram a Av. Paulista, além de centenas de outras manifestações espalhadas pelo País, um ótimo número para o primeiro ato; disseram ser uma manobra para aplicar a política do “um cabo e um soldado”, pois o STF iria soltar os dois em uma semana e a população iria apoiar o ataque ao STF, só que ontem mesmo o pedido de soltura de Moreira Franco foi negado no STF, assim como o de Temer, o pedido será julgado na quarta no TRF2. Talvez o TRF2 solte o Temer, talvez não. Mas não é isso que importa.

O que importa é essa praga do “criacionismo histórico” que capturou o pensamento de grande parte de pessoas de esquerda, organizadas ou não.

Por que “criacionismo”?

É conhecida a carta de Marx a Engels em que ele afirma que Darwin havia descoberto “a base, em história natural, para a nossa tese”.

Para Darwin, a evolução das espécies se dava por uma combinação de “variação ao acaso e seleção natural” (segundo Stephen Jay Gold em “Darwin e os grandes enigmas da vida”). A teoria exposta em “A origem das espécies” se contrapunha ao criacionismo, que hoje ressurge nas academias envolto na teoria do “design inteligente”. Em resumo, essa “teoria” afirma que a evolução das espécies é melhor explicada “por uma causa inteligente, ou seja, possuem algum tipo de finalidade e foram criadas por um Projetista ‘desconhecido’, considerando que a complexidade das coisas é irredutível e não pode ter sido se originado por um processo supostamente aleatório e fixado por seleção natural ou mesmo deriva”. Isto é, como a realidade é complexa e contraditória, a única explicação seria o “projetista”.

Muita gente tem sido influenciada por essa lógica de pensamento, expressa pela pseudociência do design inteligente. Se as coisas estão como estão, tudo que aconteceu era parte do plano desse projetista, que visava exatamente que chegássemos onde estamos (seja quem for esse projetista, o imperialismo, a CIA, o PSDB, a Lava Jato, o Moro, a Globo, ou todos eles reunidos numa sala no subsolo do Pentágono).

Nem a história, nem a biologia funcionam dessa forma. Assim como a evolução é a combinação de “variação ao acaso e seleção natural”, a história é a história da luta de classes. Não existe um grande plano para um fim necessário para tudo que ocorre. Essas previsões que afirmam já saber como a história vai ser, servem simplesmente para desarmar a luta (além de desmoralizar a esquerda, pois são frequentemente desmentidas pelos fatos). Afinal, se já sabemos o que será, de que vale se mobilizar?

Que diferentes setores da elite tem lá seus planos é óbvio. Que existem outros interesses por trás da prisão do Temer (muito além da luta contra a corrupção), não há dúvidas. MP/Lava Jato estão em enfrentamento aberto com o STF, e não é de agora. Mas disso não podemos deduzir que há um “projetista” responsável por tudo que acontece, que aconteceu e que acontecerá (não importando o “projetista”).

A história não é produto do divino, nem da conspiração. A história segue sendo a história da luta de classes. As análises, as notas de organizações deveriam servir para isso, armar a luta. Aliás, nessa luta, derrotar a Reforma da Previdência deve ser a prioridade das prioridades, pois é o principal projeto do governo Bolsonaro. Sua derrota pode barrar os outros ataques, alguns já anunciados como o Escola sem Partido, pacote do Moro, além de outros que virão.

Ontem foi o primeiro dia da batalha. E se há briga e atrasos do lado de lá, só temos a comemorar o tempo que isso proporciona pra que organizemos o lado de cá. Afinal, estamos precisando, então mãos à obra.


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Camila Souza