Reforma da Previdência ou paraíso do sistema financeiro?

A proposta de Bolsonaro se baseia numa perspectiva eminentemente economicista.

Ítalo Pires Aguiar 2 abr 2019, 15:26

– I –

A Previdência Social, como delimitada na Constituição de 1988, é um patrimônio da classe trabalhadora. Baseada na solidariedade e universalidade, garante o mínimo de dignidade para todos aqueles que, por conta da fragilidade natural que o decorrer do tempo nos impõe ou por uma situação emergencial qualquer, têm seu potencial laboral reduzido.

Assim, apesar de ser um importante instrumento de aquecimento da economia em um cenário de estagnação, a Previdência Pública é uma política pública de promoção do bem-estar da população e, portanto, não pode em hipótese nenhuma ser regida pela lógica empresarial de menor gasto visando o maior lucro possível, sob pena de sua decretação de morte.

No entanto, sob o frágil argumento de imperiosa necessidade de combate aos privilégios dos servidores públicos e o aperfeiçoamento do sistema previdenciário público à nova realidade fiscal e etária do país, o governo do presidente Bolsonaro encaminhou uma proposta de reforma previdenciária ao Congresso Nacional (PEC 06/2019) numa perspectiva eminentemente economicista.

– II –

Trata-se, para ser mais exato, não de uma proposta de reforma, mas de uma refundação do sistema público previdenciário no Brasil. Dessa forma, é flagrantemente inconstitucional, pois somente uma nova constituinte poderia assim proceder. O governo “confunde” reforma com refundação e, nessa patuscada, tentar retirar diretos básicos dos trabalhadores.

Na proposta de refundação da Previdência Pública, o governo pretende desconstitucionalizar as regras previdenciárias básicas, telegrafando ainda mais ataques no futuro. Isso sem a necessidade de uma votação qualificada no Congresso Nacional como as exigidas para a aprovação das Propostas de Emendas Constitucionais, as famosas PECs.

Pior que isso, ele pede, ainda, um cheque em branco ao Congresso Nacional ao reivindicar a instituição do regime de capitalização remetendo a sua regulamentação a uma lei complementar posterior. As experiências internacionais nesse sentido indicam que a capitalização é prejudicial aos trabalhadores, o Chile é o exemplo mais gritante disso. No entanto, aqui ela pode ser ainda pior, pois o governo sequer apontou os marcos sobre os quais pretende pautar a capitalização.

O que realmente pretende o governo com a instituição da capitalização?! O presidente e seus Ministros devem essa informação aos brasileiros!!!

Sem qualquer pretensão de exercício de adivinhação, mas verificando a experiência de outros países que aderiram à capitalização, me parece crível supor que a imposição de regras mais severa para o acesso conjugada com o rebaixamento dos valores dos benefícios previdenciários e sociais visam o fomento das previdências complementares, quase todas geridas pelo mercado financeiro.

Outra inconstitucionalidade flagrante é a imposição de regras idênticas e mesmo obrigações acessórias aos demais entes federativos (estados e municípios), que gozam de ampla autonomia política e têm realidades socioeconômicas distintas, destarte, podem instituir regras previdenciárias mais generosas que as em debate. Ao fim e ao cabo, uma proposta que ignora as diferentes realidades regionais de um país de proporção continental tem mais inclinação ao incremento das desigualdades que de sua superação.

– III –

Após breves considerações gerais sobre a empreitada do governo, patrões e sistema financeiro contra os direitos dos trabalhadores, elenco os aspectos mais preocupantes da proposta de refundação da Previdência Pública. Infelizmente minhas preocupações não acabam neles, mas esses me parecem os mais significativos.

Ao aumentar o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos e conjugando esse critério com a idade mínima para aposentadoria (62 anos para mulheres e 65 para homens), isso considerando todas as suas contribuições no cálculo e não mais as mais significativas, a proposta evidentemente dificulta o acesso ao benéfico e rebaixa seus valores médios atuais.

Contudo, ao aumentar também o tempo de contribuição para o acesso ao valor máximo do benefício para 40 anos, a proposta indiretamente suprime também o teto. Afinal, em um país marcado por sucessivas crises econômicas e um mercado de trabalho amplamente informal, poucos alcançarão simultaneamente a idade mínima e o tempo de contribuição necessários para o acesso ao benefício previdenciário em seu valor máximo (hoje cerca de R$ 5.800.00).

Ou seja, a proposta pretende diminuir o acesso, os valores e mesmo o teto do benefício previdenciário. Nesse contexto, mulheres, negros e negras serão os mais prejudicados, pois seu acesso e permanência no mercado de trabalho, notadamente em postos de maiores salários, é ainda mais difícil. Logo, o alcance do tempo de contribuição ainda mais penoso.

Outra situação alarmante é a da aposentadoria rural, que hoje demanda a idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens juntamente com 15 de trabalho. Na proposta do governo, as idades de homens e mulheres são equiparadas em 60 anos e o tempo de trabalho de 15 anos substituído por 20 anos de contribuição! Temo, sinceramente, que essa seja uma tentativa de extinção indireta da necessária e justa aposentadoria rural, pois seus requisitos são totalmente desajustados da precária realidade do trabalho rural. Nessa hipótese, também, as mulheres do campo são as mais prejudicadas.

Hoje, o benefício de prestação continuada garante o pagamento de um salário mínimo para pessoas com deficiência e idosos com mais de 65 anos, desde que a renda familiar não exceda um quarto do salário mínimo por pessoa. Com a proposta, os idosos receberiam um valor de R$ 400,00 a partir dos 60 anos. Somente após os 70 anos o valor seria reajustado para um salário mínimo. Um atentado contra a dignidade dos idosos e suas necessidades típicas.

A aposentadoria dos professores (25 anos de contribuição para mulheres e 30 milhões para homens) também será objeto de ataque. Homens e mulheres terão que contribuir por 30 anos, além da idade mínima de 60 anos. Toda a categoria será prejudica, mas especialmente as mulheres, que terão que trabalhar e contribuir ainda mais. Além disso, há o profundo receio do que o governo entenda por “contribuição exclusivamente no exército da função de professor”, restringindo ainda mais o acesso à aposentadoria diferenciada dos professores.

– IV –

As ponderações acima ainda são embrionárias e, portanto, passíveis de críticas e revisão. Contudo, considerando que o governo não abriu amplo diálogo com a sociedade civil e tampouco prazo para críticas e contribuições antes de enviar a proposta para o Congresso Nacional, essa é uma tentativa de promoção da oxigenação sobre o tema.

A previdência social é importante demais para ser debatida de maneira encastelada e, sobretudo, sem ouvir os trabalhadores e suas entidades de representação e pesquisa. Até mesmo porque seus pressupostos são frágeis e suas consequências nefastas. Nem combate aos privilégios, vide o que se propõe para os militares, e tampouco cooperação para o retorno do crescimento econômico do país, mas um paraíso para o sistema financeiro mediante a preparação do cenário de massificação da previdência complementar.

Como política social de promoção de bem-estar dos trabalhadores, a Previdência poderia ser deficitária, mas não o é! Essa falácia deve ser combatida. Muito embora eventual deficitária, a séria histórica da Previdência Social é de superávit, tanto é assim que a prática de desvinculação de suas receitas, as chamadas DRUs, se tornaram corriqueiras nos últimos governos.  O que falta é maior controle social na administração da Previdência social, meio pelo qual o saque de seus cofres seria diminuído.

Se o Congresso Nacional tiver um mínimo de dignidade, a proposta do governo será rejeitada. Como não podemos colocar nossas esperanças no Estado e suas instâncias, a nossa tarefa imediata é a mobilização da classe trabalhadora contra esse ataque. Derrotamos o pacote de maldades previdenciárias de Michel Temer e agora faremos o mesmo com de Jair Bolsonaro. Uma grande greve geral, como a realizada em 2017, é fundamental nesse momento!


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