“Democracia em vertigem” ou reformismo em vertigem?

Os fatos narrados por Petra Costa não deveriam nos levar a um culto intransigente da democracia burguesa.

Gustavo Rego 18 jul 2019, 17:35

​”A democracia é a substância do socialismo” – esta é a concepção do mais importante teórico do reformismo, Eduard Bernstein. Reformismo é uma estratégia política que visa chegar ao socialismo por meio de reformas graduais alcançadas no âmbito do Estado democrático-liberal. Dessa forma, a revolução, seria considerada não apenas impossível mas, por uma questão de princípio, indesejável.

Esta perspectiva é o que indiretamente norteia o filme “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, e é explicitamente assumida por Lula em mais de uma passagem do mesmo filme. Lula gaba-se de ter conquistado reformas populares mantendo a normalidade das instituições. Diz ainda que se Jesus viesse ao Brasil teria de se aliar a Judas, numa alegoria para defender suas alianças com a elite reacionária – e corrupta – do Brasil. Com isso, Lula sugere que não há, ou que nem se deve cogitar, a possibilidade de se fazer política à revelia da classe dominante e do regime político que a sustenta. Da mesma forma, a narradora do filme diz que gostaria de ter visto o PT varrer as velhas oligarquias do poder, mas logo na sequência diz ter ficado muito contente em ver milhões de brasileiros deixarem a pobreza (com direito a declarações emocionantes de alguns desses brasileiros). Ainda que a narradora não diga, o espectador é levado a pensar: “bem, valeu a pena…”

​Será? Os fatos narrados no documentário, ao invés de sustentarem esse culto intransigente à democracia, deveriam, ao contrário, expor como a democracia liberal é nada mais que um véu hipócrita e dissimulado por trás do qual se esconde a dominação burguesa. Foi por meio da democracia liberal, e não por fora dela, que os parlamentares cassaram o mandato de Dilma e que Bolsonaro foi eleito. Se Dilma foi apeada do poder apenas porque reduziu ligeiramente a taxa de juros, como afirma o filme numa citação indireta ao artigo “Cutucando onças com varas curtas” (2015), de André Singer (com o qual eu discordo), isso não seria a prova de que o poder dos trabalhadores no regime liberal é uma ilusão? 

Mas a adesão ao reformismo não se dá apenas por convencimento intelectual. Ela é uma pressão objetiva sobre aqueles que sedimentam seu caminho ao poder na burocracia estatal e nos esquemas corruptos que a mantém. Portanto, não é tão simples para os reformistas “dar uma guinada à esquerda” ou “fazer autocrítica”, como muitos ainda se iludem ao imaginar que o PT fará. Por essa razão, Dilma não reconhece que possa ter sido um erro nomear Michel Temer como seu vice. Fazer uma aliança com mais de vinte partidos é um defeito do regime e não da presidenta, diz ela. Mesmo quando Lula está prestes a ser preso e manifestantes pedem que ele resista, ele reafirma sua confiança nas instituições e sua rejeição à revolução (é ele mesmo que usa esse termo) e se entrega – e segue preso lá em Curitiba esperando pela redenção da “Justiça”.

Tragicamente, isso lembra muito a postura dos socialdemocratas alemães (dentre os quais estava Bernstein) que, diante da iminente ameaça nazista, rejeitavam a greve de massas ou qualquer outra tática mais radicalizada pois diziam confiar na força das instituições democráticas da República de Weimar. No fim, Hitler utilizou os dispositivos constitucionais da própria República de Weimar para perseguir esses reformistas.

O que falta ao Brasil é uma revolução – algo talvez inédito em nossa história. Enquanto não nos dermos conta disso e estivermos presos ao tipo de narrativa reformista de “Democracia em Vertigem”, só nos sobrará um final melancólico como o do filme.

Observação: aproveito a oportunidade para recomendar o excelente “Entreatos” (2004), de João Moreira Salles. Trata-se de um documentário que mostra os bastidores da campanha de Lula no segundo turno das eleições de 2002, em que ele ganhou pela primeira vez. No filme, o caráter de conciliação de classes do programa petista ao governo fica explícita e simbolicamente bem demonstrado, como quando Lula fala ao telefone sobre negociações com grandes empresários enquanto corta cabelo num salão bem simples. Ao final da ligação, olha-se no espelho e diz: “Se minha mãe me visse assim, ela diria – eita baianinho jeitoso!” Por mostrar o reformismo em seus dias de glória, serve como bom complemento a “Democracia em Vertigem”.


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