O Brasil ladeira abaixo
Sobre a política econômica do governo Bolsonaro, a reforma da previdência e as manifestações contra os cortes no país.
Em 15 de maio deste ano, apenas a quatro meses e meio do início do governo Bolsonaro, os protestos massivos voltaram a ser uma realidade na cena política brasileira. Em 222 cidades, em 26 estados da federação e no distrito federal, com destaque para suas capitais, milhares de manifestantes foram às ruas mostrar seu repúdio aos cortes de verbas destinadas à educação universitária e a reafirmar sua defesa incondicional pela educação. Segundo o Brasil de Fato[1], o número de manifestantes foi de mais de um milhão, com destaque para os atos realizados em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, que reuniram 250 mil pessoas cada um deles.
Frente a essa manifestação de força e descontentamento, o presidente Bolsonaro, de Dallas (EUA), classificou os participantes dos atos de “idiotas úteis” e “imbecis”. Na tentativa de remediar o repúdio que se seguiu a tal caracterização, mais tarde, o porta-voz do governo declarou serem as manifestações “legítimas e democráticas, desde que não se utilizem de violência e nem destruam o patrimônio público”. Dois dias depois, contudo, Bolsonaro divulgou, em suas redes sociais, texto anônimo que afirma que o país está ingovernável, atribuindo a culpa às “corporações” presentes no Congresso e no Supremo Tribunal Federal[2]. No dia 26, apoiadores do governo foram às ruas em 156 cidades do país. Se elas não foram tão expressivas como as de 15 de maio, indicaram que ainda é forte sua base de apoio.
Em 30 de maio, novamente se fez presente nas ruas o movimento em defesa da educação, apontando para a greve no dia 14 de junho. Esta, convocada por todas as centrais sindicais, tem como principal eixo a luta contra o projeto de reforma da Previdência Social. Vale lembrar que no dia 1 de maio deste ano, no dia do trabalhador, foi a primeira vez que as centrais sindicais fizeram ato unificado, indicando a importância que estão dando à resistir aos avanços do governo Bolsonaro sobre os direitos dos trabalhadores e sobre as instituições e políticas implantadas durante aos governos que se seguiram ao fim da ditadura militar, especialmente depois de aprovada a Constituição de 1988.
O pano de fundo das manifestações
Em 22 de março deste ano, o Ministério da Economia realizou contingenciamento de R$ 29,792 bilhões nas despesas não obrigatórias do orçamento de 2019. Tudo isso provocado pela frustação do crescimento do PIB e, por consequência, da receita de impostos e contribuições, dado o objetivo de manter a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões estipulada para 2019. Em 29 de março, mediante o decreto 9.741, foi divulgada a distribuição do contingenciamento por ministério. O ministério mais afetado, em termos absolutos, foi o da Educação. Em termos relativos, considerando o total de recursos atribuídos inicialmente na lei orçamentária, outros ministérios tiveram expressiva redução. Entre eles se destacam o da Defesa e o de Minas e Energia.
Em 22 de maio, dada nova revisão para baixo do PIB, foi realizado novo contingenciamento. Dessa vez, contudo, o corte foi realizado aquém do “necessário”, de R$ 2,181 bilhões, e atingiu apenas o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública da União, totalizando R$ 14,62 milhões. Para isso, o governo se utilizou da parte da reserva de emergência criada em fins de março. Além disso, destinou R$ 1,64 bilhão da reserva para recompor parte das verbas dos Ministérios da Educação (R$ 1,588 bilhão) e do Meio Ambiente (R$ 56,6 milhões).
Para se entender em que base se dá esse contingenciamento (um verdadeiro corte nos recursos disponíveis na medida em que, como veremos adiante, não há nenhuma perspectiva de retomada do crescimento econômico no país), é preciso lembrar que 2019 constitui o segundo ano de vigência do novo regime fiscal aprovado em dezembro de 2016, durante o governo Temer. Este regime congelou a despesa do governo federal por 20 anos, sendo apenas admissível sua atualização enquanto poder de compra, levando em conta a inflação passada. Dessa forma, o corte de recursos foi promovido sobre um orçamento já contido. A alocação dos recursos nos diferentes ministérios é função desse congelamento e da meta definida para o resultado do superávit / déficit primário. Isso significa que, mesmo que o país volte a crescer, não haverá expansão do gasto com relação ao realizado em 2018. Tal como alertado por muitos, a continuidade desse regime fiscal levará ao colapso de várias políticas públicas, dado que a demanda por seus serviços e ações continua a aumentar, o que já está acontecendo.
Não há nenhuma perspectiva de mudança no quadro econômico do país. Ao contrário, o que os economistas estão discutindo é se o Brasil enfrenta uma estagnação ou depressão. Segundo a consultoria AC Pastore, do ex-presidente do Banco Central Afonso Celso Pastore, em seu relatório “A depressão depois da recessão”, a renda per capita deverá, caso o país cresça 1% neste ano, permanecer igual à de 2018. Assim sendo, será o terceiro ano em que a renda per capita ficará 8% abaixo de seu pico prévio, isto é, em 2014. Além disso, nenhum setor produtivo até agora voltou ao nível do patamar pré-crise. A consultoria considera que a retomada do crescimento pode ser a mais lenta da história do país. Confirmando essa avaliação, o desempenho da indústria nos três primeiros meses do ano, que foi recém-divulgado, registrou queda de 0,2%.
Todos os ovos na mesma cesta
Enquanto isso, o governo aposta todas as fichas na reforma da
Previdência Social. No entendimento do ministro da Economia, Paulo Guedes, o
problema do Brasil é fiscal e esse se deve fundamentalmente ao crescimento da
despesa previdenciária, especialmente com as aposentadorias e pensões. Esse
diagnóstico não difere de seu antecessor, do governo Temer. A diferença é que
não só altera radicalmente as condições de acesso à aposentadoria, introduzindo
o critério de idade, aumentando o tempo mínimo de contribuição e ampliando
sobremaneira o tempo necessário para a obtenção da aposentadoria a valor pleno,
como propõe que os novos ingressantes ingressem em um regime de capitalização,
alterando completamente a lógica de organização da proteção social existente no
país. Para o ministro, a realização da
reforma, ao mudar o quadro da despesa futura do governo, teria impacto positivo
sobre as expectativas dos agentes econômicos e colocaria o Brasil novamente na
rota do crescimento. Nenhuma palavra é dita sobre a situação econômica mundial,
a financeirização da economia e a necessidade do estado ser um elemento ativo
na condução e realização de políticas no país. É contra essa visão estreita e
absolutamente equivocada, e contra o impacto que tal proposta de reforma terá
sobre os trabalhadores, caso seja aprovada, que a greve geral de 14 de junho
está sendo organizada.
[1] https://www.brasildefato.com.br/2019/05/15/em-todos-os-estados-brasileiros-vao-as-ruas-em-defesa-da-educacao-e-contra-bolsonaro/
[2] https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-compartilha-texto-que-classifica-pais-de-ingovernavel-fora-de-conchavos-23674131