Quem teme o conhecimento crítico?

Sobre os ataques à Educação no país.

Iago Chaves e Isaque Castella 16 ago 2019, 15:14

Durante uma palestra na década de 1970, o filósofo da desconstrução, Jacques Derrida, levantou uma importante reflexão acerca de um mito, associado ao fenômeno do ensino, persistente até os nossos dias. Trata-se da suposta possibilidade de os mestres apagarem a si próprios enquanto porta-vozes dos conteúdos que lecionam. Muitas vezes, os professores são convocados à prática do ato de ensino como se tábulas rasas fossem, permitindo estas que a disciplina “fale por si própria”, em sua “pureza”.

Ocorre que, na verdade, a riqueza das experiências envolvendo docentes e estudantes reside, ao contrário, na marca, isto é, na assinatura que o educador imprime à sua atividade. E é por isso que guardamos conosco as singularidades de cada um de nossos mestres, que impactam nossas vivências de formas únicas. A educação não é equivalente a um depósito bancário, metáfora da qual Paulo Freire (considerado inominável em nossos abomináveis dias) se servia para indicar que há algo a mais em jogo no processo educacional. Educação é conscientização e testemunho de vida; é reconhecer o chão que se pisa, e nesse sentido é inseparável das relações que se estabelecem entre os indivíduos em dado momento histórico e lugar. A inexistência de neutralidade, atrelada à perspectiva hermenêutica em torno das bagagens que todos trazem à cena interpretativa, talvez seja o que se encontra justamente no cerne de tudo isso. 

Desse modo, os grandes questionamentos hoje trazidos à tona por aqueles que buscam estabelecer a verdadeira “caça às bruxas” contra a academia e os professores estão postos em tal lugar, a saber, o da reafirmação, atendendo a determinados projetos ideológicos, do mito do conhecimento puro, à medida em que este é conveniente. Infelizmente, a realidade encontra-se repleta dos exemplos contemporâneos de perseguição e censura aos que até então poderiam ser considerados enquanto mediadores, por excelência, do conhecimento científico.

O mais recente caso envolve a realização do Congresso Internacional Constitucionalismo e Democracia, promovido já há alguns anos pela Rede Internacional para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano. Os termos do parecer emitido pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), vinculada ao MEC (Ministério da Educação), para indeferir o financiamento solicitado para o referido evento são absolutamente questionáveis.

Conforme consta de nota de repúdio divulgada pela Rede (https://constitucionalismodemocratico.direito.ufg.br/n/119053-nota-de-repudio-a-censura-atinge-as-agencias-de-fomento), foi apresentada a seguinte justificativa: “Organizadores e Palestrantes de elevada relevância para a comunidade de militância política na área do direito. O aspecto negativo é a necessidade de recorrer aos cofres públicos para a realização de congresso que não apenas voltado à construção científica, mas também à crítica política. A CAPES não pode destinar verbas públicas para eventos, publicações ou formação de cunho político ou partidário.” 

​O que se percebe é a velha tática de apelo ao elemento mitológico do conhecimento neutro ou puro, quando, no fundo, o que as autoridades educacionais propagam nada mais é do que uma fundamentação completamente ideológica e política, desprovida de qualquer fundamento de caráter técnico-científico. Busca-se, demagogicamente, a repressão de uma ideologização camuflada em meio a fala dos próprios repressores.

​Além de violar, sob uma perspectiva jurídico-normativa, um fundamento basilar do Estado de direito brasileiro, a saber, o pluralismo político-ideológico (ou seja, de ideias, correntes de pensamento) e direitos fundamentais como a liberdade de pensamento e de expressão, o posicionamento da CAPES escancara a natureza autoritária que o governo de ocasião tenta esconder a partir de justificativas econômico-orçamentárias. Assim ocorreu quando três universidades federais foram ameaçadas com cortes por serem consideradas espaços de “balbúrdia”. 

A antiga tentativa de “quebra da política” como elemento “sujo”, revela uma das maiores fraquezas do governo de Jair Bolsonaro (PSL) e das elites políticas e econômicas no Brasil: a ausência de qualquer projeto nacional, de qualquer base de pensamento minimamente séria que sustente uma ideia de país. Elemento importante de se colocar na discussão porque no capitalismo a própria educação é voltada para a reprodução das condições atuais de vida e internalização da legitimidade do sistema que explora o trabalhador como mercadoria. Ora, se o governo necessita utilizar a força da censura para barrar um processo que já é altamente controlado, então precisamos admitir que seus membros não têm nada a dizer. 

A condição em que é preciso utilizar de uma força extrema em face de qualquer sinal de ameaça à hegemonia lembra a do pai que só consegue “educar” seus filhos com base na força, no castigo, no constrangimento. Há algo de impotente e até mesmo de ridículo na autoridade que não se baseia em nada, no vácuo sobre o qual a violência se encaixa. Ridículo que Bolsonaro faz questão de sempre repetir e fazer circular, não como cortina de fumaça, mas como método para exercício da força.  

Mas da mesma forma como o “filho” representa para o pai o lugar do inaceitável, que deve ser corrigido, censurado, reduzido aos claros limites da tradição, cabe situar o que só pode ser uma impossibilidade, o que não pode aparecer de modo algum frente ao tirano. Nessa lógica, a educação, como espaço de desenvolvimento do pensamento e produção científica, é a contraditória filha que o capitalismo produz quando permite que os explorados e oprimidos tenham contato com a possibilidade emancipatória do conhecimento. 

Tal é o lugar que os educadores – rebeldes que ousam pensar o que não se pode, lembrar o que está fora das possibilidades imediatas –  precisam assumir, não apenas como representantes do pensamento e da intelectualidade formal, mas como forças reais de mutação do organismo social. É hora de rechaçar a ideia de que os intelectuais não têm relevância social para que possamos ter a emancipação humana como bandeira fundamental contra um governo obscurantista e violento. 

Se o tirano pai Bolsonaro ataca as universidades e, especificamente, os intelectuais, “militantes políticos do direito”, cabe lembrá-lo que “filho teu não foge à luta” e que a educação é capaz de desconstruir qualquer mito!


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Camila Souza