Barricadas chilenas

Entre a população, parece claro que a violência maior é a do governo.

Alexandre Benoit 22 out 2019, 13:04

Quando as panelas batiam sem cessar no último domingo, dia 20/10, após 48 horas de intensos protestos, era comum que manifestantes lembrassem com ironia das palavras do presidente Piñera quanto ao Chile ser um oásis na América do Sul. “Seu oásis virou cinzas”, diziam, apontando para o fogo das barricadas.

Até semana passada seu governo de centro-direita se vangloriava de uma estabilidade e bonança que países vizinhos, como o Equador, passavam longe. Mas, bastou o aumento da passagem do transporte público para tudo ruir da noite para o dia. Focos de protestos isolados e pacíficos se iniciaram em Santiago, dirigidos sobretudo pelos estudantes. Na última sexta-feira, um grande ato foi duramente reprimido na região da Plaza Itália, centro da cidade. Governo e imprensa buscaram culpar os manifestantes. No entanto, era comum, em bares, livrarias e cafés encontrar pessoas indignadas com essa versão dos fatos. 

Não demorou para vir a resposta. Grupos radicalizados de jovens ocuparam o metrô, houve duros confrontos em 41 estações. Nas ruas, espalharam-se mobilizações espontâneas de solidariedade. Bastavam dois, três jovens pararem numa esquina, batendo panelas, para que apoiadores saíssem às janelas com mais panelas. Logo, uma barricada era erguida, então, uma fogueira, e uma multidão se aglomerava, inclusive motoristas nos carros se mostravam solidários. Tão logo a polícia chegava com jatos d´água e gás lacrimogênio, o núcleo se dispersava, dividindo-se e aglutinando-se, em novas ruas, e mais barricadas. Essa tática foi vista em toda grande Santiago e, em importantes cidades do país, como Valparaíso. A Plaza Itália se tornou símbolo da resistência, com os manifestantes enfrentando corajosamente a polícia, resistindo à dura repressão.

O que vemos pela imprensa é somente a imagem dos conflitos e a descrição dos manifestantes como vândalos. Isso é absolutamente falso. Percorri diversos pontos da cidade e há uma enorme adesão popular (com crianças e idosos, inclusive) a atos pacíficos. As ações mais radicalizadas são exceção, muito embora, toleradas pelo grosso dos manifestantes. E por que isso? Com as pessoas que conversei, é unânime a opinião de que estão todos fartos, que violência maior é a do governo, dos empresários, é ver os lucros com o cobre e dos bancos aumentarem enquanto a população empobrece.

No sábado, Piñera viu-se nas cordas, disse aceitar com humildade a reivindicação dos manifestantes e revogou o aumento, em contrapartida, condenou o que chamou de vândalos e convocou o exercito, que não saía às ruas fazia 40 anos, desde a ditadura de Pinochet, uma lembrança amarga para os chilenos. Também instituiu o toque de recolher das 20h às 7h. Tais medidas foram classificadas como inaceitáveis pelos manifestantes, e assim, os protestos seguiram. A governadora da Província de Santiago foi à televisão e repetiu o discurso de Piñera contra os “vândalos”, em favor, dos mais pobres e da “família chilena” – buscando claramente dividir o apoio popular aos atos –, mas teve, ao final, de admitir que “a raiva era legítima, não vinha de hoje e que era contra todos nós”. Em um espetáculo grotesco Piñera voltou à TV cercado de soldados fardados, numa sala fechada, como se estivesse num bunker, disse estar “em guerra”, só faltou dizer contra quem. 

Neste início de semana, o toque de recolher persiste, assim como os militares nas ruas. O povo, por sua vez não dá sinais de que vá desistir. As manifestações começaram a tomar outro foco: fala-se em “fora Piñera”, “que os militares voltem aos quartéis” e “assembleia constituinte”. É difícil dizer quais serão os próximos lances desse espetacular levante popular, mas, sem dúvida, testemunha-se a força e a disposição de luta do povo chileno, sua capacidade de auto-organização e resistência. Uma lição que, esperamos, cedo ou tarde atravesse a grande cordilheira e chegue deste lado da América do Sul.


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