Crônicas catalãs 16-O: mobilidade, repressão e crise do governo

Sobre a jornada de mobilização.

Alfons Bech 19 out 2019, 16:23

Começa o terceiro dia de mobilizações depois da sentença. Hoje começaram as marchas que desde cinco capitais de comarca irão se deslocar até chegar a Barcelona na sexta-feira. Bloqueios de estrada, trens, manifestações… Na sexta-feira se convocou uma greve geral por parte de sindicatos independentistas, minoritários (salvo ensino), mas que hoje gozam de autoridade para convocar a cidadania independentista, particularmente jovem. Na sexta-feira, portanto, confluirão as marchas e haverá uma manifestação importante em Barcelona. Os dois sindicatos majoritários, CCOO e UGT, se colocam à margem: não convocam, mas tampouco se opõem. Sabem que muitos de seus filiados participarão ou chamam a participar diretamente. Vão perdendo peso político.

A mobilização, longe de decair, se mantém e tem perspectivas de ir crescendo durante os próximos dias. Nesta semana, fará isso claramente até sexta-feira. Mas também se chegou a um acordo mais transversal e amplo, para convocar uma grande manifestação no sábado, 26 de outubro, onde participarão os sindicatos majoritários.

O motor da mobilização é o povo, não os dirigentes dos partidos nem instituições. Criou-se uma nova plataforma chamada Tsunami Democrático. É uma plataforma que, ante a repressão ao independentismo, atua com métodos que recordam a clandestinidade de tempos de Franco. As ações que propõe são sempre pacíficas, dentro da linha de “desobediência civil”. A convoca por meio das redes sociais com pouco tempo de antecedência. Isso dificulta a atuação da polícia. Mas o formidável é que são milhares de pessoas que estão conectadas ao Telegram e aos códigos e que seguem essas ações. É o povo o que faz que sejam exitosas ações que poderiam parecer à primeira vista descabeladas.

Isso não quer dizer que as duas grandes associações cívicas, ANC e Ómnium tenham deixado de existir. Ambos também participam dessas convocatórias ou organizam paralelamente outras ações. Tudo isso já dá a ideia de que há dezenas de milhares de cidadãos e cidadãs, jovens e mais velhos, que estão permanentemente mobilizados desde que saiu a sentença. Já estavam conscientizados e preparados há tempos. São coisas que não entende o Estado espanhol: até que ponto a repressão não somente não freia o independentismo mas que o incentiva.

A repressão deu um salto. Depois da sentença, o Estado acreditava que haveria algum protesto, mas que os catalães a aceitariam como algo inevitável. O presidente interino do governo de Espanha e secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez, atreveu-se a falar em tom chulo de que as penas vão ser cumpridas “íntegras”. Corta, portanto, toda opção de indulto ou anistia, ou seja, de ponte ou acordo com o independentismo catalão. Com presos políticos não há solução democrática. Sánchez é um irresponsável que dilapidou a maioria formada depois de substituir a Rajoy e agora a arrisca ao não querer nenhuma aliança nem a sua esquerda nem com o independentismo. Em realidade, parece mais um fantoche submetido pressionado pelas ideias e campanhas da direita cavernícola do PP, Ciudadanos e VOX.

Entretanto, à medida que a mobilização segue, Sánchez ameaça o Govern da Generalitat em tomar o mando direto dos Mossos, a polícia autonômica. A desculpa foram os enfrentamentos de ontem, terça-feira, em Barcelona e as três capitais de pequenos grupos com a polícia (entre eles provocadores policiais). Essas são as diferentes “ofertas” de campanha eleitoral que há na Espanha para o 10 de novembro, todas elas centradas na Catalunha: tirar a direção de sua polícia pela Lei de Segurança; aplicar de novo o artigo 155, ou melhor o estado de exceção na Catalunha. Isso é a campanha “nacional espanhola”.

A repressão deixou já uma pessoa torta pela bala de borracha que lhe deu no olho. A polícia catalã tem proibido o uso de balas de borracha, mas a polícia e a guarda civil, não. A Generalitat não tem controle sobre esse corpos: dependem do Estado. Deixou também cerca de 130 feridos (dezenas são policiais). Mas os Mossos pegaram tanto como os outros e lançaram também “pelotas de foam”. A pressão do governo e partidos espanhóis do regime (PSOE, PP, Cs, VOX) contra o Govern da Generalitat para que acate a sentença e reprima os que se manifestam, é muito forte. A Generalitat está entre a espada e a parede e há agora uma crise de governo.

A cúpula da Generalitat, ou seja, dos partidos Junts per Catalunya (direita) e ERC (esquerda independentista moderada) se reuniram nesta manhã para vez o que fazem ante a indignação crescente do povo pela repressão indiscriminada. Muitos independentistas e gente que apoiaram esse corpo por esse seu labor ante o atentado jihadista, agora vê os Mossos como um corpo que somente se dedica aos trabalhos sujos: desalojamento de moradias das pessoas pobres, reprimir manifestações pacíficas; defender “a ordem” e instruções dos juízes da monarquia. Para nada é uma polícia que defende a cidadania e seus direitos, como o de manifestação ou expressão.

Pois bem, a cúpula de JxC e ERC decidiu blindar a atuação repressiva policial, jogando a culpa aos grupelhos violentos. Falam bem baixinho de “policiais provocadores infiltrados”, mas não pedem uma investigação para não se chocar com o Estado e suas cloacas. O Conseller da polícia, Buch, não foi demitido, coisa que pediam deputados de quase todos os grupos, particularmente os Comunes e, inderetamente, a CUP. A tensão chega ao ponto que as Juventudes de ERC fizeram um comunicado público pedindo a demisssão deste Conseller, enquanto seu partido o sustenta.

Assim, portanto, os resultados da sentença já se deixam ver. De um lado aumento da repressão a qualquer protesto democrático, como o é o protesto ante um julgamento-farsa e exigência de Liberdade para os presos políticos. De outra submissão ainda maior da Catalunha exigindo que seu Govern acate a sentença sem chistes, que reprima com sua polícia aos manifestantes (coisa que já faz) e ameaça suspender a autonomia e liquidar a Generalitat em qualquer variante.

Desde logo isso dá uma maior instabilidade política e cava um fosso ainda mais profundo à relação Catalunha-Espanha, a uma saída política e pacífica através de um referendo de autodeterminação. Um fosso que não só afunda a curto prazo a Catalunha mas, também ao próprio regime de 78. Porque acabar com a autonomia da Catalunha (que isso é o que está em jogo) significa acabar o edifício foi levantado em 1978. A luta que está livrando a Catalunha serve para os demais povos. De suas ruínas sairá um edifício republicano. Ou, talvez mais provavelmente, vários


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 12 nov 2024

A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!

Governo atrasa anúncio dos novos cortes enquanto cresce mobilização contra o ajuste fiscal e pelo fim da escala 6x1
A burguesia pressiona, o governo vacila. É hora de lutar!
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi