Novo Peru sobre a crise política atual
Grupo político peruano emite nota sobre seu posicionamento diante da crise política do país.
Contexto internacional e documento de posicionamento
Os fatos relacionados à operação Lava Jato revelaram o nível de corrupção no Peru, envolvendo todos os ex-presidentes, ex-candidatos à presidência, os três poderes do Estado e grupos empresariais, desencadeando uma profunda crise que coloca tensão na governança neoliberal imposta após o auto-golpe de Fujimori em 1992, legitimada pela Constituição de 1993 e continuada pelos governos da fracassada transição democrática de 2001.
As denúncias de corrupção contra o ex-presidente Pedro Pablo Kucinzky (PKK) levaram a sua renúncia em janeiro de 2018, pouco mais de um ano depois de assumir o governo, nomeando como presidente o então vice Martín Vizcarra com o mesmo mandato de PPK até julho de 2021. No entanto, essa medida esteve longe de resolver a crise porque Vizcarra por si só era um presidente sem partido ou bancada, forçado a governar com uma esmagadora maioria parlamentar fujimorista. Assim foi-se configurando um cenário de aprisionamento entre um Poder Executivo débil liderado por Vizcarra e o aprofujimorismo entrincheirado no Congresso, golpeado pelas investigações da Lava Jato mas determinado a lutar. O bloqueio de algumas medidas de reforma política visando combater a corrupção nos partidos, bem como a necessidade do fujimorismo por controlar o congresso para defender seus líderes investigados por corrupção, como Keiko Fujimori, foram empantanando ainda mais o cenário. Tudo isso diante do crescente mal-estar cidadão e da rejeição generalizada da classe política.
Diante da crise política insustentável e deste aprisionamento de poderes, em 28 de Martín Vizcarra propôs adiantar as eleições gerais para abril de 2020. Dois meses depois, a proposta foi apresentada pela maioria parlamentar fujimorista em uma ofensiva que incluiu a decisão de nomear um novo Tribunal Constitucional (TC) composto por magistrados subordinados aos seus interesses que poderiam garantir sua impunidade. Perante a decisão da maioria fujimorista para capturar o TC, na segunda-feira 30 de setembro o Executivo apelou para a Questão de Confiança: fórmula constitucional que lhe permite dissolver o Parlamento se lhe for negado um voto de confiança por duas vezes seguidas. O primeiro-ministro Salvador del Solar apresentou a Questão de Confiança pedindo ao Congresso para interromper a fraudulenta eleição de magistrados.
A maioria parlamentar não apenas ignorou o voto de confiança solicitado mas também avançou em nomear os membros do TC em um claro sinal de desacato.
Negado o voto de confiança e apelando ao artigo 134 da Constituição, que regulamenta a dissolução constitucional do Congresso, na mesma segunda-feira 30 de setembro Martín Vizcarra anunciou a dissolução constitucional do Parlamento, convocando eleições parlamentares complementares para janeiro de 2020. Em reação à decisão de Vizcarra, a maioria fujimorista e seus aliados, com o apoio da maior federação empresarial (CONFIEP) se autoconvocaram e – apesar de não terem mais votos regulamentados e já estarem formalmente dissolvidos – suspenderam Martin Vizcarra como presidente. Em sua substituição nomearam como a Mercedes Araoz, ex-ministra da Economia de Alan García, amiga de PPK e mulher orgânica da CONFIEP, como presidente interina. Eles também convocaram a Organização dos Estados Americanos (OEA) para intervir prontamente na mediação da crise. Sem dúvida, trata-se de um ato de usurpação que ignora a Constituição e a vontade das maiorias fartas da gestão política corrupta.
Mesmo que até o momento a ordem constitucional, a cidadania e o Comando Conjunto das Forças Armadas estejam com o Presidente Martín Vizcarra, é claro que a usurpação fujimorista e de seus aliados turva o panorama e agrava a crise. Estamos diante de um ação desesperada da coalizão reacionária político-empresarial liderada pelo fujimorismo e seus aliados, como Meche Araoz e o APRA. Eles sabem que está em jogo é a continuidade do modelo econômico e que sua “república empresarial” pode entrar em colapso, acabando com sua impunidade e privilégios. Vale lembrar que o governo Martin Vizcarra também optou por manter a política neoliberal confrontando-se diretamente com os setores populares, o que o impediu de liderar um amplo bloco social democrático, geralmente alinhando-se com os poderes econômicos.
Desde o início da crise, nós do Novo Peru, liderados por nossa presidente Verónika Mendoza, alertamos sobre a magnitude da crise porque o que estava em jogo era o destino histórico do país e não apenas uma mudança de governo.
Juntamente com as forças políticas de esquerda, organizações progressistas sociais e populares, nos mobilizamos exigindo novas eleições com novas regras e avançar para uma Nova Constituição porque a constituição imposta em 1993 pelo fujimorismo já está caduca. Hoje, a dissolução do Congresso corrupto e o apelo por novas eleições abre um caminho democrático para a crise, mas somente com mobilização e organização poderemos derrotar definitivamente a coalizão reacionária. Para isso, é urgente fortalecer espaços de articulação social que postulem a necessidade de um novo pacto constituinte, avançando em uma ampla unidade porque a luta é uma só e os inimigos dos direitos dos trabalhadores são os mesmos que se opõem ao debate de enfoque de gênero, que legalizam a sobre-exploração de jovens, que desejam privatizar bens públicos como a água, que criminalizam a luta social e ainda se aproveitam de benefícios tributários.
Desde o Movimento Novo Peru, chamamos a comunidade internacional a ser vigilante sobre o que está acontecendo em nosso país e apoiar a mobilização majoritária de cidadãos para uma saída democrática da crise, contra a arrogância e a usurpação do fujimorismo e de seus aliados de plantão. É importante que as diferentes forças políticas da América Latina e do mundo não reconhecem o governo de Mercedes Araoz e acompanhem os esforços para avançar em uma saída democrática, com novas eleições realizadas no marco do respeito irrestrito aos direitos humanos. Seguiremos firmes e mobilizados para a construção de um Peru novo em um novo mundo, assim como nos exigiu o Amauta José Carlos Mariategui.
Movimento Novo Peru
Comissão de Relações Internacionais
Lima, 1 de outubro de 2019