Lula e o PSOL

Roberto Robaina debate os rumos do PSOL e da esquerda brasileira após a libertação de Lula.

Roberto Robaina 10 nov 2019, 19:41

Toda estratégia do PT, de 1987 em diante, que unificou praticamente todas as forças do partido, foi a de eleger Lula presidente da república pelo voto popular sem que o país vivesse uma crise revolucionária. A estratégia ficou conhecida como programa democrático e popular e previa, a partir da sua eleição, a realização de reformas democráticas e sociais no país.  A história é conhecida. Depois de 1989, quando Lula foi para o segundo turno e provocou um enorme susto nas classes dominantes e um entusiasmo enorme – que se manteve durante anos – nos setores populares, entre os trabalhadores e a juventude, Lula foi se adaptando ao regime político da Nova República, regime que defendeu desde o início e no qual assumiu seu lugar de ala esquerda. Depois de três derrotas e de quase desistir, Lula finalmente saiu vencedor em 2002. Para isso, aceitou a lógica do capital, dos bancos, empreiteiras e do agronegócio. Nomeou Henrique Meirelles para o Banco Central, Roberto Rodrigues para a Agricultura, Furlan para a pasta do Desenvolvimento e ainda apoiou José Sarney como presidente do Congresso Nacional. Antes disso, antes de vencer, fez a chamada “Carta ao Povo Brasileiro”, em agosto de 2002, que foi seu compromisso com as orientações do Fundo Monetário Internacional. O PSOL nasceu da denúncia destas decisões, rejeitando este caminho e se afirmando como oposição de esquerda ao governo do PT, cuja natureza social-liberal foi definida pelo partido. A força de massas original de nosso partido veio da determinação de Heloísa Helena,  Luciana Genro e Babá, parlamentares que não se curvaram à nova lógica e acabaram sendo expulsos por decisão da cúpula do PT como prova de seu compromisso com os “mercados”. Tenho grande orgulho de ter entregue meu cargo no Diretório Nacional do PT naquele 13 de dezembro das expulsões. 

Mais de 16 anos se passaram. Não é o caso de fazer aqui um balanço exaustivo dos governos do PT. Mas as estatísticas mostram que os que viviam numa condição de miséria tiveram uma leve mas fundamental melhoria na sua renda e situação, sobretudo com os mecanismos do Bolsa Família e o aumento do salário mínimo. Mas o arrocho salarial para a grande massa dos trabalhadores de manteve, a infraestrutura seguiu precária, a corrupção continuou e a massa carcerária explodiu. As classes médias perderam muito e os mais ricos ficaram mais ricos. Muito mais ricos. Não houve reforma agrária nem reforma urbana. Depois de um primeiro ano recessivo e de ataque aos servidores públicos com a reforma da previdência, os anos seguintes foram de crescimento capitalista assentado no aumento das exportações de commodities, em particular para a China, um novo império em ascensão. Até que veio a crise econômica. As medidas de Dilma/Levy foram recessivas e antipopulares. Mas Lula já não estava no governo. Foi o principal conselheiro de Dilma, mas o ônus das decisões ficou com a presidente, que seguiu fielmente as orientações do chefe indiscutível do PT. Em todos estes anos o discurso do governo foi o da colaboração de classes. Lula assumia seu papel de articulador da unidade nacional, entre sem-terras e latifundiários, operários e capitalistas, e entre os interesses nacionais e os interesses dos EUA (Lula foi amigo de Bush e considerado o cara por Obama). Junto com a crise econômica veio a crise política e a ruptura da cooperação de uma parte da burguesia com os governos petistas. A classe dominante estava ansiosa por um ajuste maior. Quando as bases petistas não aceitaram as receitas de Joaquim Levy, a consequência foi o golpe na forma de impeachment que uma parte do PSDB, encabeçada por Aecio Neves, já defendia depois da derrota eleitoral de 2014. A burguesia sabia, ademais, que o PT não tinha controle do movimento de massas. Junho de 2013 havia mostrado isso. Este controle foi durante anos o principal ativo do partido nas negociações com a classe dominante. Sem ele, o partido poderia ser dispensado. Pelo menos era o que pensavam alguns. Estes alguns acabaram maioria entre os políticos burgueses.

A tentativa de varrer o PT da vida política, porém, não foi bem-sucedida. Quando a maioria dos políticos da classe dominante passou a atacar o PT, muitos que haviam abandonado o partido pela esquerda e já estavam em outras construções alternativas passaram a defendê-lo. Uma parte abandonando ou esquecendo as críticas do passado; outros prestando um apoio crítico sempre que o PT fosse atacado.  A experiência pela esquerda com os governos petistas foi interrompida com o golpe e, diante dos governos burgueses que o sucederam, notadamente Temer, uma parte das massas passaram a concluir que antes, com Lula, estavam melhor. O PT lentamente começava a se ressignificar em função dos ataques recebidos e a receber mais solidariedade do que crítica dos setores de progressistas. O caso mais evidente foi a prisão de Lula. Quando tal decisão foi tomada, estava evidente que o objetivo era afastá-lo da disputa eleitoral. De nossa parte chegamos a definir que a eleição sem Lula seria fraude. E fizemos esta leitura independentemente das considerações judiciais sobre o caso envolvendo Lula e as empreiteiras. Não considerávamos Lula inocente porque de fato seu governo teve como marca as negociatas com empreiteiras, inclusive com incentivo à exportação de capitais e exportação de corrupção. Mas num país com Temer como presidente, com o PMDB no comando, partido cuja corrupção é quase sinônimo, a prisão de Lula era um escracho contra o povo, parte do qual ainda com a esperança de que os momentos de alta do ciclo econômico em suas vidas pudessem voltar. A ideia de que com Lula estávamos melhor ganhava força.

E agora? Agora o país tem um presidente defensor da ditadura militar, da tortura, da liquidação das liberdades democráticas. E uma situação econômica terrível para o povo. Neste marco, Lula sai da cadeia. A nota do Secretariado do MES explica qual o contexto desta decisão. O que queremos aqui é assinalar quais passos a esquerda que rompeu com o PT e decidiu fazer oposição de esquerda deve dar. A defesa da unidade de ação contra o bolsonarismo é uma premissa básica. Embora a extrema-direita só pode ganhar o peso que ganhou por conta das frustrações de uma parte do povo com a experiência petista, não é o caso de nos separar pelo balanço. Nem mesmo se deve dividir em função do que o PT fez nos seus governos e levou à fundação do PSOL. A questão segue sendo responder aos problemas do presente. Neste sentido, uma vez mais é preciso defender a unidade contra a extrema-direita e seus planos neoliberais.

A defesa da unidade não pode, porém, perder de vista a necessidade da afirmação de uma nova esquerda. Uma esquerda socialista e revolucionária. Se o PSOL não tivesse surgido em 2004, como teria ficado a esquerda depois da experiencia de colaboração de classes levada adiante pelo PT? Certamente seu nível de articulação seria muito menor. Teríamos uma derrota muito superior. Basta ver que entre o movimento estudantil organizado a força do PSOL é bem superior ao do PT. Mesmo entre os sindicatos o PT perdeu força e o PSOL cresceu. Em muitas capitais, os nomes do PSOL têm mais força do que os do PT. Os deputados que aparecem como renovação e esperança para milhões são os do PSOL. Isso dito não para desconsiderar a necessidade da unidade, mas para afirmar a necessidade do PSOL. E, neste ponto, está a discussão que o PSOL deve estabelecer em suas relações com Lula. Na campanha eleitoral, Boulos foi o candidato do PSOL. Já nela diluiu muito o perfil do partido, diferentemente da campanha de Luciana Genro em 2014, cujo balanço positivo foi unânime no partido. A votação de Boulos foi mais baixa. O problema maior, porém, é que ele não afirmou um projeto independente. Mas a injustiça da prisão de Lula deveria ser mesmo denunciada e sobre esta base Boulos se apoiou para seguir. Agora, com Lula livre, o próximo passo de políticos como Boulos é defender Lula presidente? Se vemos a situação e olhamos o governo Bolsonaro, é claro que mil vezes postos diante desta pergunta a resposta seria sim. Sim, Lula presidente se for para que  Bolsonaro deixe de ser. Alguns poderiam dizer que consideram Ciro Gomes um nome melhor, com ideias econômicas mais claras, e que nunca foi presidente como Lula. Pode-se discordar deste argumento e afirmar que Ciro representa uma corrente de esquerda da burguesia. Mas não creio que haveria dúvidas de que todos os progressistas estariam a favor de Ciro contra Bolsonaro. Mas então o que falta na solução da equação política? Basta escolhermos o melhor nome e nos preparar para a disputa eleitoral de 2022? Vinte anos depois da eleição de Lula estaríamos então apenas tendo que a reafirmar o voto em Lula como saída politica para a crise nacional? É disso que se trata? O programa democrático-popular afirmava que a estratégia da esquerda teria que ser lutar para Lula ser presidente. Sustentava que poderia ser eleito sem que a classe dominante tentasse impedir e uma crise revolucionária se estabelecesse. Esta premissa foi tão falsa que o próprio Lula tratou de negociar os moldes de seu governo antes mesmo das eleições. Tratou de mostrar que era confiável para os interesses do capital. Para isso as medidas progressistas do programa democrático e popular nas questões econômicas e sociais foram abandonadas. Ficaram as medidas sociais compensatórias, aceitas até mesmo pelo Consenso de Washington.

O que Lula irá defender agora? Tentará novamente a conciliação? Não vejo motivos para pensar diferente. Lula sabe que é falsa a ideia de vencer com um programa de ruptura com o grande capital sem que a classe dominante rejeite e seja enfrentada. Sabe que não há como se apresentar um programa de mudanças estruturais sem que se tenha uma crise revolucionária no horizonte. E hoje, como ontem, Lula não quer uma crise revolucionária. Na saída da prisão, seu porta-voz informal, o petista e ex-ministro Gilberto Carvalho disse que Lula e o PT estavam defendendo uma linha socialista, mas não o socialismo leninista, trotskista. Gilberto Carvalho não pode ser acusado se falta de clareza. O PSOL, porém, tem em Lenin e Trotsky seus dirigentes inspiradores. Por isso também o partido é tão atacado pelo governo Bolsonaro. Eis um governo que defende uma contrarrevolução preventiva. Quando Lula discursava no comício de SBC, boa parte de suas palavras eram hábeis, populares, claramente contra Bolsonaro, Moro e a grande mídia. Foi um discurso que pode ser definido como numa linha “à esquerda”. Mas sua fala sobre o Chile foi mais para alertar o mau exemplo, não o excelente exemplo que está sendo dado pelo povo chileno. Elogiou o povo, mas esteve longe de chamar este caminho. Da mesma forma, defendeu que o mandato de Bolsonaro deve ser respeitado, esquecendo que até mesmo o PT votou que eleição sem Lula era fraude. Então, ao rejeitar o Fora Bolsonaro, Lula indica apenas como estratégia o caminho da eleição de 2022. Chegando-se lá de fato terá muita importância uma definição tática do que deve ser feito, o que inclui o debate sobre as condições da unidade eleitoral contra Bolsonaro. Mas até lá temos um caminho longo, que deve ser de afirmação do PSOL. Um caminho de lutas. E, numa eleição, presidencial é preciso de uma vez por todas enterrar as ilusões de que um programa de mudanças estruturais pode ser vitorioso sem que as massas se mobilizem e imponham essa saída. Não cremos que, apresentando o programa que foi executado ao longo dos governos petistas, isso poderá ocorrer. As massas não se erguerão pelo passado. Nem arriscarão sua pele por um programa que manteve intocáveis os interesses dos milionários e do capital.


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