O liberalismo dura até ter de pedir dinheiro ao Estado

As finanças vão bem até precisarem do dinheiro do Estado.

Francisco Louçã 12 nov 2019, 13:09

O liberalismo é maravilhoso. Jura baixar os impostos aos ricos, financiar a saúde privada, pagar os colégios, multiplicar os rendimentos, distribuir rios de leite e mel e satisfazer toda a gente. Isto só tem um problema: é que já vimos todas estas promessas, são quase todas feitas com o dinheiro público, e o resultado foi sempre feio.

De chapéu na mão

Foi com base neste mundo maravilhoso que se desregulou a finança, na esperança do milagre da perfeição do mercado livre. O resultado foi a maior crise económica mundial dos últimos 60 anos. E, assim que a finança entrou em pânico, foi pedir dinheiro aos Estados. Lembro os resultados: foram alguns dos maiores bancos norte-americanos, com 700 mil milhões de dólares na primeira tranche; na Europa foi o caso do Fortis, com €16 mil milhões dos governos belga e holandês; do Dexia, na Bélgica e em França (2012), que recebeu €6 mil milhões; do Bankia, em Espanha (2012); do NKBM, na Eslovénia (2012); do SNS Reaal, na Holanda (2013); do Laïki e do Banco de Chipre, em Chipre (2013); do Espírito Santo (2014) e do Banif (2015), em Portugal, onde todos os compromissos públicos com a banca chegam aos €25 mil milhões; do Monte dei Paschi, do Banca delle Marche, do Banca Popolare dell’Etruria e del Lazio e do Carife, em Itália (2014-2015); e do Hypo Alpe Adria, na Áustria (2014-2015), entre outros.

Eles sabiam o que faziam

A explicação para a desregulação da finança é consistente. Alan Greenspan, o banqueiro central mais poderoso da nossa era, explicava em 1997 que “à medida que entramos no novo século, as forças regulamentadoras privadas de estabilização do mercado deverão substituir gradualmente muitas das estruturas governamentais incómodas e cada vez mais ineficazes”. Dito e feito, os governos retiraram-se e o mercado prosperou, criando produtos complexos e acumulando fortunas com a especulação. Como Greenspan repetiu, a razão pela qual “seria um erro ir além desse nível (mínimo) de regulamentação, prende-se com o facto de essas transações de derivados serem transações efetuadas entre profissionais”. O mercado e os “profissionais” resolvem a questão. Assim, as autoridades agiram sistematicamente para acabar com a regulação, como insistiu Greenspan: “Na sua essência, a regulamentação prudencial é feita pelo mercado, através de avaliação e monitorização por contraparte e não pelas autoridades (…). De um modo geral, a regulamentação privada tem vindo a revelar-se mais eficaz na limitação do risco excessivo do que a regulamentação por parte do governo.”

E fecharam os olhos

Bernanke, que substituiu Greenspan na direção da Reserva Federal norte-americana nas vésperas da crise, repetiu o mesmo dogma em 2006: “A melhor maneira de termos uma boa gestão dos fundos especulativos é através da disciplina de mercado (…). Acredito que a disciplina de mercado mostrou a sua capacidade de manter os fundos especulativos bem-comportados.” Em março de 2007, num testemunho ao Congresso, declarava que o risco do subprime estava contido. Quatro meses depois começava o efeito dominó.

Mesmo com a crise à porta, os desreguladores prosseguiram a religião liberal, o mercado não se engana, são os tais “profissionais”. Em agosto de 2008, o Comité Europeu de Supervisão Bancária investigou 22 bancos importantes e todos foram aprovados. Em 2009, alargou os testes a 91 bancos e apenas sete falharam. Em 2011, a nova Autoridade Bancária Europeia aprovou todos os bancos de Chipre e o Bankia, em Espanha. As autoridades norte-americanas também não detetaram quaisquer riscos com os principais bancos. Tiveram de intervir depois em quase todos, pagando.

Afinal foi um erro

Greenspan, que deixou a Fed dois anos antes do colapso do subprime, reconheceu depois o desastre. Numa audição no Congresso, a propósito da crise financeira, aceitou que haviam sido cometidos erros. “Estou chocado”, admitiu. O “erro dos últimos 40 anos” foi só pensar “que os bancos e outras instituições financeiras seriam os melhores protetores dos interesses dos seus acionistas”. De facto, esses financeiros foram unicamente liberais, até precisarem do dinheiro do Estado.

Artigo originalmente publicado no jornal “Expresso” em 1 de novembro de 2019. Reprodução da versão publicada pelo Esquerda.net.

TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi