Rio Grande do Sul em chamas. A educação como centro da polarização de classes no estado

O ataque a educação pública é estruturado tanto do ponto de vista econômico quanto pedagógico.

Helder Oliveira 2 dez 2019, 13:43

O projeto neoliberal de desmonte da educação pública, que também estabelece uma ramificação radical do ensino privado, tem se desenvolvido de forma veloz nos últimos anos. O aprofundamento da crise econômica no Brasil e a consequente crise política aceleraram exponencialmente este quadro.

O ataque a educação pública é estruturado tanto do ponto de vista econômico quanto pedagógico. Se, por um lado, temos uma ação ordenada no país de congelamento e parcelamento de salários, retirada de direitos históricos, destruição das progressões e estabilidade das carreiras no ensino público e precarização ainda maior dos contratos de trabalho, por outro lado, temos um avanço pedagógico tecnicista brutal nos currículos das escolas do país e nas Universidades materializado, por exemplo, na nova reforma do ensino médio aprovada no governo ilegítimo de Michel Temer e no projeto Future-se do governo Bolsonaro.

Neste cenário, a unidade da federação que apresenta os piores resultados é o Rio Grande do Sul. Aqui, estamos há cinco anos sem qualquer tipo de reajuste e há quatro anos com salários e 13° parcelados. Em 2019 a situação piorou vertiginosamente, com salários atrasando em até dois meses. Este quadro obrigou servidores e servidoras, em massa, a comprar seu próprio salário junto ao Banco do Estado (Banrisul), e, como resultado, progressivamente cada vez mais arrochados por taxas bancárias.

As duras condições impostas ao magistério gaúcho e ao conjunto dos servidores estaduais, obviamente, foram alvo de questionamentos, criticas e motivo de mobilizações e greves de servidores nos últimos anos, especialmente do magistério, mas sem de fato conseguir impedir o avanço da destruição do serviço público. O CPERS, por exemplo, em 2018, teve um das maiores greves da sua história, com mais de 90 dias de paralisação, mas com adesão reduzida pela categoria foi duramente derrotada.

Apostando na desmobilização e na divisão entre as categorias do serviço público Estadual, o Governador Eduardo Leite (PSDB) acelerou a agenda de destruição do serviço público e privatizações. Logo no início do seu governo buscou alterar a Constituição Estadual, que previa a necessidade de plebiscito para privatizações de estatais estratégicas como a CEEE (energia elétrica), Corsan (água e saneamento) e Sulgás. Apesar da ampla mobilização de entidades sindicais e sociedade civil, a Assembleia Legislativa aprovou a mudança na constituição abrindo o caminho à privatização das empresas e revelando a face anti democrática do governo Eduardo Leite.

Com a convicção de ter ampla maioria na Assembleia Legislativa o governo apresentou um pacote de alterações na carreira do magistério, na previdência estadual e uma política de ajuste fiscal, com congelamento do orçamento, resultando em nivelamento para baixo das remunerações.

Assim, o governo do PSDB pretendia seguir aplicando seu projeto de desmonte do serviço público.

Entretanto, iludido pelas derrotas das mobilizações dos últimos anos, Eduardo Leite não acreditava no poder de reação das entidades sindicais. Com o CPERS na ponta de lança, e contando com solidariedade social e militante de amplos setores da sociedade, o Governo foi colocado em xeque.

Flagelados pelas duras condições dos últimos anos, a resposta dos servidores e servidoras do RS foi de fúria e de mobilização. Um dia após o anúncio oficial do “Pacote de maldades”, mais de 5.000 educadores e educadoras se reuniram em assembleia e decretaram Greve da categoria, com calendário de lutas. Seguido de mobilização unificada, mais de vinte mil pessoas ocuparam as ruas de Porto Alegre contra o “pacote de maldades”. Foi o fogo no palheiro. Em seguida, pipocaram por todo estado escolas em greves, atos comunitários, instituições da educação sendo protagonistas e convocando mobilizações localizadas, amplo diálogo com a comunidade e muito, mas muito apoio social. 1556 escolas em greve, mais de 80% do serviço afetado, greve também de outras categorias do RS, como Saúde e fiscais técnicos agropecuários, apoio formal da FAMURS (Federação das associações de Municípios do RS), 217 Câmaras de vereadores aprovam moção contra o pacote do governo, lojistas e pequenos comerciantes colocam mensagens de apoio ao movimento em seus estabelecimentos e as redes sociais fervem em defesa da educação.

O fato é que o governo perdeu a narrativa do processo. Tentam apresentar o serviço público como vilão da crise do RS, mas não conseguem responder as isenções fiscais, a falta de fiscalização e  combate a sonegação de impostos e a manutenção dos privilégios daqueles que ganham muito no RS. Este quadro fez desmoronar a base de apoio. Em menos de duas semanas o MDB, maior bancada com 8 deputados, anunciou posição fechada contra o pacote e o PSL, com 4 deputados, oficialmente abandonou a base do governo. Outros parlamentares de partidos da base como PP, PSB e do próprio partido do governador, PSDB, já manifestaram a necessidade de mudanças no pacote. Por outro lado, o governo busca recompor suas forças e começa a agir, por cima, para alterar a situação e voltar a uma posição ofensiva.

Por baixo, a greve cresce, as mobilizações se espalham pelo estado e, quando convocadas unificadamente, demonstram grande peso social e político. No dia 26 de novembro, mais de 20 mil se reuniram em frente ao palácio Piratini e Assembleia Legislativa. O próximo ato unificado será em Pelotas, dia 03 de dezembro, cidade do governador, e promete reunir mais de 10 mil pessoas na cidade que o PSDB tem alto nível de influência, elegendo a Prefeita da cidade, em 2016, no primeiro turno e que confiou mais de 90% dos votos válidos para a candidatura de Eduardo Leite governador. Importante destacar, também, a atuação do PSOL nesse processo. O mandato da Deputada Estadual Luciana Genro é linha de frente na defesa dos servidores e servidoras e tem sido porta-voz das mobilizações dentro e fora da AL. Aliado a atuação parlamentar, o PSOL tem atuado de forma sistemática, não apenas com mandatos parlamentares, como também com a juventude organizada, com solidariedade militante e com atuação sindical no seio do movimento, compondo comando de greve e tendo influência nos rumos do movimento.

É uma etapa aberta. A educação pode ser o eixo potencializador de uma nova onda de mobilizações no RS e, quiçá, no país. Nas palavras de Paulo Freire a “educação sozinha não transforma a sociedade, mas sem ela tampouco a sociedade muda.” Aí esta a essência da atual conjuntura no RS e das mobilizações em defesa da educação que polarizaram o país em 2019. Estamos, apesar de tudo, ainda longe da vitória objetiva. O “Pacote da morte” do Governo PSDB no RS começa a ser apreciado pela Assembleia Legislativa apenas no dia 17. Até lá a tarefa de todo e toda militante é se dedicar ao desenvolvimento dessas lutas e buscar um salto de qualidade da mesma, trazendo o viés de classe, da necessária superação do neoliberalismo, da tarefa urgente de derrotar o avanço da agenda capitalista no Brasil e apontar novos horizontes com eixo na mobilização permanente e na construção de uma sociedade que vise o social ante o capital.


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