Covid-19 na Nicarágua: Secretismo, feiticeiros e assembleias massivas

Ministério da Saúde nicaraguense anuncia que há apenas três casos de pessoas infetadas e que não vai efetuar qualquer forma de quarentena.

Matthias Schindler 20 abr 2020, 18:30

De acordo com o Ministério da Saúde nicaraguense, a 8 de abril de 2020 havia três casos ativos de pessoas contagiadas com o vírus Covid-19 na Nicarágua. Estão em tratamento médico, a sua situação é crítica, mas estável. Até agora, todos os outros casos suspeitos investigados foram negativos. Segundo o governo, o sistema de saúde na Nicarágua tem a situação no país completamente controlada.

Enquanto os 21 netos de Ortega, que frequentam a Escola Alemã, tinham sido ensinados online em casa há muito tempo já, o governo obrigou as escolas públicas a continuar o ensino nas escolas até poucos dias antes da páscoa. Acalma-se a população, mas o governo comprou em 15 de março, secretamente e de maneira urgente, 3.000 luvas de latex e 418 litros de gel de álcool para a sede presidencial. A incerteza geral aumentou ainda mais pelo facto de a ministra da saúde ter sido substituída a 1 de abril sem explicação nenhuma. Acima de tudo, Daniel Ortega desapareceu completamente da vida pública desde o dia 13 de março. Ele deve ser o único presidente do mundo que ainda não tinha dito como combater a pandemia de Covid-19 no seu país.

A 10 de abril de 2020, a plataforma Worldometers publicou os seguintes números para a América Central: Existem 2.752 pessoas contagiadas do coronavírus no Panamá, 126 na Guatemala, 117 em El Salvador e nos países vizinhos da Nicarágua Honduras 382 e Costa Rica 539. A fronteira entre Nicarágua e Costa Rica está amplamente aberta. Portanto, é extremamente improvável que o novo coronavírus ainda não se tenha espalhado na Nicarágua, como afirma o executivo.

O governo está a minimizar sistematicamente o risco da pandemia do Covid-19. O presidente do parlamento, Gustavo Porras – ele próprio é médico – disse que esta infeção viral é apenas uma nova variante da constipação e que a Nicarágua não só está apenas bem equipada com os medicamentos precisos em caso duma infeção, mas que também pode contar com os seus feiticeiros e curandeiros tradicionais.

Em vez de preparar a população para esta pandemia através dum mais alto nível de transparência e informação factual e implementar as medidas de proteção recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o governo está a fazer exatamente o contrário: organiza vários eventos de participação massiva e, além disto, obriga os funcionários públicos a participar.

Por exemplo, organizou um desfile de carnaval para o dia 14 de março sob o lema Amor nos tempos de Covid-19, no qual participaram milhares de nicaraguenses.

A 16 de março, Anasha Campbell, co-diretora do Instituto de Turismo da Nicarágua INTUR, anunciou mais de 80 eventos públicos para os cidadãos e os turistas nos dias da páscoa, “para restaurar o direito à recreação saudável, ao relaxamento e ao desfrute da arte e da cultura”. São, entre outros, uma missa campal em León Viejo, tapetes de paixão nas ruas de León, uma via sacra de Cristo nas águas de Granada … uma divertida corrida de amor … um festival da rainha da beleza de verão … e muito mais.

A 23 de março, o Ministério da Educação deu a ordem para que os professores, educadores e estudantes das escolas participassem na marcha em comemoração da campanha de alfabetização, iniciada exatamente há 40 anos.

Apesar dessas distrações, a insegurança na população em relação à pandemia aumentou notavelmente. Numa tentativa completamente inadequada de acalmar ao povo, a ministra da saúde, Dra. Carolina Dávila Murillo, declarou na sua carta de 16 de março expressamente mais uma vez que a Nicarágua “não efetuou nem vai efetuar qualquer forma de quarentena” e que as pessoas que vêm de outros países e não apresentam sintomas de doença “não estão sujeitas a restrições à liberdade de circulação”.

O governo também enviou milhares de brigadistas de saúde a todos os cantos do país – consciente e provocativamente, sem máscaras! – para fornecer, casa por casa, informações sobre algumas medidas de higiene e, ao mesmo tempo, divulgar propaganda do governo de que o risco de infeção pelo vírus Covid-19 na Nicarágua é extremamente baixo.

Encaixa-se bem na imagem da situação político-social da Nicarágua que o governo tivesse realizado a 19 de março uma simulação dum desastre excecional em todo o país, no qual foi praticada a cooperação entre o exército, organizações civis e voluntários particulares. Isso também pode ser entendido como uma ameaça declarada de que os militares serão mobilizados contra a população em futuros protestos em massa, em cooperação com os paramilitares “privados”.

O intelectual William Grigsby disse no seu programa de rádio que todo o alarde sobre o coronavírus é absurdo, porque esta infeção é apenas uma doença para a burguesia e para os ricos.

É difícil entender que, mesmo com a política catastrófica e irresponsável do governo da Nicarágua em relação à pandemia e com o regime espalhando tanta estupidez, ainda haja vozes em partes da esquerda da América Latina e da Europa que mantêm o seu apoio político ao regime de Ortega-Murillo.

Artigo originalmente publicado no esquerda.net.

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