Crise política no governo Witzel: corrupção e ataques aos servidores públicos
Em meio a crise do Covid-19, o estado do Rio de Janeiro experimenta também uma crise na sua política local.
Em meio a crise sanitária pela Covid-19, num contexto de crise política na esfera federal, o estado do Rio de Janeiro experimenta também uma crise na sua política local, tendo como epicentro esquemas de corrupção envolvendo os hospitais de campanha. A polícia deflagrou operações, envolvendo suspeitas de corrupção no governo do Estado. São elas: operação “Mercadores do caos”, “Favorita” e “Operação Placebo”. A primeira iniciada pela polícia civil do RJ e pelo ministério público do RJ, a segunda pela polícia federal e a terceira pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal (no dia 26/05).
A “Operação Mercadores do Caos” prendeu cinco pessoas, dentre elas o Gabriell Neves, vice-secretário de saúde do estado. Três empresas foram investigadas por uma suposta fraude na compra de respiradores, onde foram pagos o valor equivalente a 1000 respiradores, sendo entregues somente 52. A “Operação Favorito”, que compõe uma etapa da Lava Jato do RJ, teve como efeito concreto as prisões do ex-deputado estadual Paulo Melo e o empresário Mário Peixoto, por suspeitas de interesses suspeitos relacionados aos hospitais de campanha, por meio de OS’s. A investigação apontou que Peixoto integrava uma quadrilha que se aproveitou do momento de estado de calamidade pública decretado no ERJ devido a pandemia pela Covid-19, para obter contratos milionários por meio de contratações emergenciais sem licitação. São 129 milhões de reais, em contratos, com o governo de Wilson Witzel (PSC). Em suma, ele é suspeito de pagamento de distribuição de propinas entre políticos, servidores públicos e conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) para manter contratos com o governo do Rio. As investigações dos esquemas de corrupção mostram que a quadrilha agiu na FAETEC e no DETRAN. A defesa de Mário Peixoto afirmar que ele já foi sócio da empresa Atrio Rio, mas que não íntegra mais a sociedade, embora as investigações apontem o uso de laranjas e um complexo esquema de lavagem de capitais. Importante salientar que essas transações criminosas envolvendo o empresário Mário Peixoto e o governo do ERJ datam desde o governo do Sérgio Cabral.
Já a “Operação Placebo” envolve a alta cúpula do governo de Wilson Witzel, indicando ligações do escritório de advocacia da primeira-dama, Helena Witzel, com empresas envolvidas com o Márcio Peixoto. As investigações tem relacionado o nome de Wilson Witzel, com empresários e gestores envolvidos com desvios nos recursos destinados ao combate à pandemia do novo coronavírus no estado. Uma das suspeitas foi levantada quando os promotores estaduais interrogaram o ex-subsecretário estadual da saúde, Gabriell Neves, que citou o governador Wilson Witzel.
Wilson Witzel, após a divulgação dos escândalos de corrupção, vem exonerando e trocando diversos secretários. Dentre eles, o secretário da fazenda (Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho) e da casa civil (André Moura). Além da indicação de demissão dos secretários da ciência e tecnologia (Leonardo Rodrigues), do esporte, Lazer e Juventude (Felipe Bornier) e da saúde (Fernando Ferry, a pasta até pouco tempo era ocupada por Edmar Santos). Rodrigues aparece nas investigações da Operação Mercadores do Caos por irregularidades na Faetec, que envolve acordos ilícitos com o empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito, ação que mirou na corrupção na área da saúde. Já o secretário do esporte, Lazer e Juventude é filho Nelson Bornier, ex-prefeito de Nova Iguaçu, e também mencionado nas investigações da operação Favorito, aparece nas escutas telefônicas das investigações conversando com o empresário Luiz Roberto Martins Soares, um dos principais alvos da operação.
André Moura é ex-braço-direito de Eduardo Cunha, foi líder do governo Michel Temer no Congresso, assumiu o cargo de secretário-chefe da Casa Civil de Witzel em setembro do ano passado, por indicação do presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo. Além disso, André Moura aparece na proposta de delação premiada do empresário Arthur Soares. Moura é acusado por ele de cobrar propina de até 30% de prestadores de serviços que têm contratos com o governo e que ainda estão na fila para receber pelos serviços prestados. Comenta-se que a saída de André Moura representa uma vitória para o secretário de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão, com quem Moura tem divergências. Tristão é um dos mais próximos secretários de Witzel.
Dentre os novos secretários que assumirão os cargos estão Raul Teixeira, como secretário da casa civil e Guilherme Mercês, como secretário da Fazenda. Raul Texeira antes da indicação para ocupar o cargo de secretário da casa civil era procurador do Estado. Mercês é idealizador e coordenador do Índice Firjan de Gestão Fiscal e ocupava o posto de subsecretário de Lucas Tristão, que comanda a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais, além de ter sido um dos principais assessores de Romário (Podemos-RJ) durante a campanha de 2018, quando este disputou o governo do Rio de Janeiro. Inclusive essa escolha do Witzel, pode ser entendida como uma tentativa de se aproximar do senador Romário, já que este é um dos senadores que apoiam o governo de Witzel. Guilherme Mercês terá a missão de contornar a brutal queda de arrecadação durante a pandemia.
Importante ressaltar que o governador Wilson Witzel foi eleito com a pauta anti-corrupção, mesmo já existindo suspeitas sobre a sua relação com o Mário Peixoto, vide a pergunta clássica do Romário no debate eleitoral. A pauta anti-corrupção é algo muito caro e importante para a população em geral, mais especialmente a população fluminense que tem os seus ex-governadores presos por esquemas ilícitos e que já amargaram grave crise econômica, que incluiu não pagamento de salários, muito devido aos anos de espoliação do Estado do Rio de Janeiro. Wilson Witzel, durante sua campanha, foi muito apoiado pelo candidato à presidência da época, Jair Bolsonaro. Mas, após a sua eleição, romperam. Esta ruptura pode estar relacionada com as pretensões externadas de Wilson Witzel em se lançar candidato à presidência da república nas próximas eleições, revelando-se um oponente de Bolsonaro.
Embora as investigações apontem que o governador do Rio pode estar envolvido em esquemas de corrupção, não podemos desconsiderar que as circunstâncias são oportunas a investigação e afastamento do governador. Cabe lembrar que, em reunião ministerial divulgada no dia 22/05/2020 a ministra Damares Alves (ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) fala abertamente que iria “caçar os governadores” dando a sinalização que o protagonismo dos governadores, em especial Witzel e Dória, ao adotarem estratégias diferentes no combate da Covid-19, não iriam ficar impunes. Além disso, na referida reunião, o presidente Bolsonaro, explicita a sua vontade em interferir na Polícia Federal, ficando claro o seu desejo de incidir sobre seus adversários políticos.
Wilson Witzel busca afastar os escândalos de corrupção ao demitir diversos secretários, e tenta compor uma base, inclusive com a decisão de mudar de partido, indo para o PSL. Entretanto, Witzel já tem 5 processos de impeachment protocolados na Alerj, inclusive do próprio PSL (da base Bolsonarista). Dois dos processos foram levados à procuradoria pelo presidente da Alerj, dando início ao processo que pode levar à perda do mandato do governador. Segundo os parlamentares, o governador não possui uma base sólida na Alerj, e neste momento está perdendo ainda mais apoio, como por exemplo, com a saída dos republicanos da base do governo. É possível que o governador do ERJ seja de fato impeachmado. Com a saída de Witzel, quem o substitui é Claúdio Castro (PSC), vice-governador. Ele já foi vereador na cidade do Rio de Janeiro e chefe de gabinete do Márcio Pacheco, quando este também foi vereador na cidade do Rio.
De todas as trocas realizadas até agora pelo governador, a mais preocupante é aquela que coloca o economista Guilherme Mercês como secretário da fazenda. Mercês é uma espécie de Paulo Guedes. Suas ideias de austeridades são de arrepiar. Num artigo publicado pelo jornal “O Globo”, ele coloca as despesas com pessoal no ERJ como ultrapassando “o limite de 60% definido pela LRF”, culpando o número de servidores como a causa da “explosão da dívida”. Sua perseguição aos servidores não para por aí, Mercês declarou que: “Promoções automáticas, triênios e férias dobradas em diversas carreiras do funcionalismo estadual contribuem para que a despesa de pessoal seja explosiva”. Além de preocupantemente apontar como alternativa as “Privatizações e concessões”. A veia ultraneoliberal de Mercês pode cair como uma luva aos planos do governo Wilson Witzel em retomar o Programa Estadual de Desestatização – PED, por meio de um projeto de lei (n° 2419/2020) parado na Alerj, esperando ser pautado pelo presidente da casa, André Ceciliano.
Enfim, num cenário de instabilidade política, aonde temos ainda uma crise sanitária, quem irá sofrer com essa troca de poder, e dança das cadeiras, é a população. As disputas de poder entre aqueles “do andar de cima”, que pouco está relacionada com o combate ao crime e a corrupção, podem, e muito acabar afetando de maneiro bem cruel naqueles do “andar de baixo”. Essa crise política já está respingando na eficácia do combate da Covid-19. Devido à saída do ex-secretário da saúde Edmar Santos, 11 técnicos notáveis saíram do comité científico do combate à pandemia do governo. Isso num momento que seria de extrema importância a seriedade, eficiência e unidade no lidar com a crise sanitária num contexto de aumento de mortes por corona.
Na perspectiva dos servidores públicos do RJ, há sempre o temor que nos ronda de crises agudas no estado que, por exemplo, leve ao não pagamento dos salários ou congelamentos e reduções salariais. Corte de salários é algo que já foi experimentada em 2017, na época do governo Pezão, onde os servidores estaduais ficaram por meses sem salário, em especial a pasta da secretaria de ciência e tecnologia, que foi a mais penalizada.
Nesse tabuleiro de xadrez fluminense, o maior alvo são os trabalhadores, com destaque, a política requentada neoliberal e fracassada de “caça aos marajás” do serviço público. A partir dessa perspectiva, torna-se mais do que fundamental a unidade desses setores na manutenção desses direitos e a denuncia de quebra da máquina estatal a partir de alianças espúrias e corruptas estabelecidos pelo pessoal do “andar de cima”.