Literatura revolucionária no Brasil e mundo

O que o marxismo nos ensina sobre a arte?

O que marxismo tem a ver com cultura?

Feche os olhos e pense na pergunta: o que é cultura? Pode ser que tenha passado pela sua cabeça as obras de arte dos grandes museus. Dizemos também que uma pessoa “tem muita cultura”, querendo dizer que ela já leu, ouviu e assistiu a muitas dessas obras. Uma possível resposta então é: cultura é tudo que já foi produzido de “melhor” pela humanidade. São as obras que ascendem para além de uma realidade específica, produzidas por “gênios” e que ganham o direito de serem transmitidas de geração em geração.

Pode-se dizer que essa concepção de cultura é o nosso senso comum. Mas ela não veio do nada. Os primeiros teóricos modernos da cultura enxergavam a cultura como uma esfera autônoma, separada da realidade cotidiana. As obras que habitavam essa esfera “não se misturavam” com a realidade vulgar, cheia de conflitos. A cultura poderia, então, coesionar a anarquia do mundo real por meio dos grandes valores universais que estariam preservados nessa esfera autônoma. Nas palavras do crítico literário Matthew Arnold, a cultura seria um reino de “doçura e luz”.

Essa concepção se alinha ao que chamamos de “idealismo”, ou seja, a crença de que o mundo das ideias é que tem o poder de moldar a realidade e de que ele é composto de Absolutos que são sempre válidos, não importa as transformações sociais. Os críticos literários marxistas introduziram uma observação: de que os supostos valores “universais” recebiam esse nome não por dizerem respeito de fato a todas as pessoas, mas porque diziam respeito a um setor específico- não à toa, o setor que domina politicamente a sociedade, que no capitalismo é a burguesia. Os tais “gênios” então, em que pesem seus talentos, ganham esse título pelo mesmo grupo de pessoas que decidem quais valores são universais ou não – guiados pela ideologia, a falsa consciência, que essa classe dominante impõe na sociedade.

O que o marxismo ajudou a mudar nessa visão? Marx nos ensina que as superestruturas da sociedade (as instituições) são formadas a partir da sua estrutura (as relações de produção, o jeito que ela se organiza). Isso significa que a cultura, longe de ser autônoma, é na verdade uma expressão do movimento da realidade. Por isso existem culturas diversas, representativas de diferentes projetos. Raymond Williams, um dos primeiros críticos literários marxistas, traz essa discussão quando reflete sobre o modo de viver da sua família de trabalhadores, que expressava valores diferentes do que era conhecido como cultura. Essa cultura não-hegemônica traz consigo uma maneira de ver o mundo que também é diferente da dominante, e que pode abrir caminho para outras maneiras de ver a sociedade como um todo. A cultura, portanto, não é privilégio dos “gênios” de dentro dos museus e academias. Como Williams sintetiza num de seus ensaios mais belos: a cultura é de todos.

Existe uma Literatura revolucionária?

Trazendo a discussão pro campo da literatura, podemos dizer que, independentemente de sua forma ou conteúdo, ela carrega um potencial revolucionário. Isso porque ela possui a capacidade de captar e reorganizar os elementos da realidade, a partir da linguagem. A Literatura, assim como a Arte, re-configura o estado de coisas e permite, de certa forma, a elaboração e o vislumbre de novas formas de dinâmica social.

É evidente que existem obras que se encaixam naquilo que podemos chamar de “literatura engajada”, ou seja, obras que se dedicam conscientemente a denunciar a realidade social e a defender a necessidade de sua transformação. Mas o que se torna evidente à medida que temos contato com a Literatura é que, pela simples operação de descrever a realidade, a obra literária cria uma narrativa que estrutura uma visão do mundo, o que pode tornar visível contradições que antes estavam ocultas.

Nas palavras do filósofo Jean-Paul Sartre, “a Literatura é, por essência, a subjetividade de uma sociedade em revolução permanente” assim como também é uma “tomada de posição”, pois toda obra se orienta de alguma forma no contexto sociopolítico em que surge.

Sartre defende ainda que “a obra de arte como fim absoluto se opõe, por essência, ao utilitarismo burguês”, uma vez que, como dito anteriormente, a Literatura guarda em seu bojo o registro (ainda que reorganizado) da realidade e de suas contradições, escapando a qualquer tentativa de “aparelhamento”. Uma visão similar é defendida por Trotsky na sua obra Literatura e revolução, e também no manifesto escrito junto ao escritor surrealista André Breton em defesa da construção de uma “Federação Internacional da Arte Revolucionária e Independente”, uma resposta às propostas autoritárias de Stalin acerca da Literatura e da Arte.

E os escritores, estão comprometidos com a luta do povo?

Assim como qualquer outro setor da sociedade, os escritores, como grupo, são permeados de contradições. Ainda que pensadores como Sartre defendam que a escrita compele ao engajamento, assim como a leitura compele à reflexão, sabemos que diversos escritores se dedicaram à defesa da manutenção da classe dominante e de seus privilégios. Para o escritor Osman Lins, a indústria cultural promoveria a alienação do escritor, ainda que não consiga alienar completamente a sua obra e as reflexões elaboradas a partir dela.

De toda forma, não faltam exemplos históricos de escritores engajados e que colaboraram sobremaneira na luta emancipatória do povo. Alguns, de forma mais incisiva, defendiam a necessidade de utilizar a Literatura como campo de disputa ideológica, tal como o próprio Sartre, quando escreve que “[nós, escritores] em nossos escritos devemos militar em favor da liberdade da pessoa e da revolução socialista”, e mais além: “a cada dia é preciso tomar partido, em nossa vida de escritor, em nossos artigos, em nossos livros”. Tomemos partido então, com a arma da cultura e da Literatura. Pois como disse Leminski: “En la lucha de clases/todas las armas son buenas/piedras/noches/poemas”!

Artigo originalmente publicado no Jornal do Juntos!.

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Pedro Micussi