A Psicanálise e a Psicologia Social no debate do racismo no Brasil: o lugar onde patologia e estrutura social da desigualdade se encontram

Sobre os impactos do racismo na comunidade negra e na sociedade brasileira.

Gilvandro Antunes 14 jul 2020, 16:13

A questão do racismo no Brasil remete não só a um debate em si do tema, coisa já muito importante, mas qual racismo se tem no Brasil. É certo que o “racismo à brasileira” carrega consigo as características do preconceito racial de muitos países. Aliás, toda e qualquer sociedade é permeada pelo racismo e este se manifesta das mais variadas formas. Mas quando debatemos o racismo brasileiro levamos em consideração o racismo sofrido pela população negra, embora óbvio, os povos indígenas também são vítimas do racismo. Todavia, por ser mais de 50% da população brasileira, os cidadãos negros têm o racismo contra si mais evidenciado. Mas como aprofundar o debate sobre o racimo em uma sociedade que nega ser racista? Como é ver milhões de pessoas sendo cotidianamente hostilizada em um país que exibe para o mundo a democracia racial? Tão invejada pela ignorância dos que nos assistem de fora. É verdade que o mito da democracia racial vem perdendo força devido à luta de cada geração de pessoas negras que combatem esse discurso e também por pessoas bancas que têm a consciência de que ser branco traz consigo uma gama de privilégios ou facilidades que coloca a pessoa branca em pé de diferenciação social em nível hierárquico ao indivíduo negro. Com isso, afirmo que ser negro no Brasil é estar em constante desigualdade, é estar em contante desvantagem, é estar diante de dificuldades que outras pessoas com a mesma nacionalidade, com as mesmas garantias diante da lei não têm.

Neste artigo, tratare no âmbito da psicologia social e da psicanálise os impactos do racismo brasileiro na sociedade em geral e, em especial, na comunidade nacional negra. Qual o impacto na psique dos indivíduos negros diante de um país não branco, mas que tem a branquitude como ideal? Que tipos de patologias do social se formam em uma sociedade em que ocorre um genocídio a cada ano da juventude negra, reconhecido pela própria ONU, e ao mesmo tempo nega qualquer debate mais aprofundado sobre racismo?

O fato é que ao não se debater a questão do preconceito racial no Brasil se joga tudo para debaixo de tapete. Como disse a historiadora e antropóloga Lília Moritz Schwarcz, “todo o brasileiro se sente como uma lha de democracia racial, cercada de racismo por todos os lados”, ou seja, todos admitem em maior ou menor grau que há racismo. Mas, ao mesmo tempo, ninguém é racista, o racismo é sempre do outro. Em tempo, como dissera Florestan Fernandes “no Brasil se tem preconceito de ter preconceito”. Ora, se o racismo é do outro e não meu, logo ele é de foro privado, e se é de foro privado, não preciso debater. Simples assim. Ainda com Lília Schwarcz, no livro O Racismo e o Negro no Brasil: questões para a psicanálise, em seu artigo, ela diz:

“Tudo indica que estamos diante de um tipo particular de racismo; um racismo silencioso e ambivalente que se esconde por trás de uma suposta garantia da universalidade e da igualdade das leis, e que lança para o terreno do privado, para o vizinho, para o outro o jogo da discriminação” (página 117).

Assim, o problema do racismo no Brasil cai em uma espécie de amnésia por parte da grande maioria da população branca, que muitas vezes nem quando pratica o racismo se reconhece como racista. Afinal de contas, sempre foi só uma brincadeira ou um mal entendido. No mais, como pode ser essa pessoa racista se ela até tem amigos negros? Se sua empregada é como se fosse da família. A verdade é que o racismo brasileiro se destaca pelo não dito e isso em psicanálise tem peso, uma vez que o não dito primeiro tende a repetir-se, segundo se consolida como uma negação e terceiro se legitima como algo positivo: o mito da democracia racial. Em síntese, as práticas racistas se reiteram todos os dias ao mesmo tempo em que se nega todos os dias, porque vivemos na farsa da democracia racial. Como forma de arrematar a análise, na mesma obra (página 102), Schwarcz nos lembra a frase irônica do hino da Proclamação da República que, dois anos depois do fim da escravidão afirmou: “Nós nem cremos que escravos outrora tenham havido nesse tão nobre pais”.

Vejamos que como elaborou a psicanalista Maria Beatriz Costa Carvalho Vanuchi, o racismo se estabeleceu como um sintoma coletivo. De modo que o racismo é um sintoma patológico estrutural da sociedade extremamente desigual brasileira.

Características do Racismo na Psicanálise

O racimo sempre se expressa na forma de uma violência. Violência essa relacionada à questão narcísica. Diante do outro, da diferença, há uma necessidade narcísica de eliminação deste. Tal eliminação pode ser física ou simbólica, onde se subtrai todas as qualidades do outro a ponto desse ser desumanizado e, portanto, propício à discriminação, à deslegitimação. O narcisismo se apresenta como um dos estágios iniciais da vida autoerótica da criança, onde o Eu se acha plenamente ideal. Ele se basta. Nesse estágio, o diferente sempre é visto como algo indesejável, a menos que seja algo muito próximo, a mãe, no caso. De modo que para o narcísico, tudo se basta em si, e ou outro só é desejável no desejo de amparo materno, de proteção. Psicologicamente, o racismo vai ter um tanto de resquício narcísico, por isso ele encontra tanta guarida na psique, por mais que todos os argumentos contrários lhe digam de maneira racional que não há diferença entre as raças, que a humanidade é uma só. Que não existem raças mais ou menos inteligentes, etc. Por outro lado, sabe-se que no racismo há um quê de angústia, a angústia vista como medo. Mas qual o medo? Em verdade, o ódio ao diferente não vem de sua diferença. Senão da semelhança que este diferente tem com o odioso. Dessa forma, o racismo se dá na forma de um conflito interno onde a estratégia psíquica é a autopreservação do narcisismo, onde eliminar o outro é eliminar também ou outro dento do próprio Eu, reconstituindo, ainda que de forma patológica, por meio da angústia e da formação de sintomas, o Eu plenamente conciliado com uma perspectiva fictícia de Ideal do Eu. Por isso que afirmo que o debate da igualdade racial abre uma ferida narcísica na hegemonia branca, pois se o outro, o diferente, o incapaz, não é tão incapaz assim, logo, ele não é tão diferente, logo, meu Eu não é tão ideal assim, uma vez que há outros ideais de Eu. Mas note, há no outro, que sequer reconheço, como plenamente humano, não no sentido biológico, mas iluminista da palavra. Desse modo, voltemos à introdução do artigo, esse indivíduo racista em conflito narcísico, que tem ódio, não pode se descobrir como racista. Ele precisa permanecer no lugar do não dito e reiterar seu preconceito de forma positiva. O negro, o diferente, não pode ser igual a mim pela via das cotas, mas da meritocracia. Quer algo mais positivo para legitimar o racismo à brasileira ao afirmar que todos podem ser iguais, todavia por seus próprios méritos. Não importando à origem social, a qualidade do ensino escolar, a alimentação diária, o tratamento social recebido pela cor da pele, etc.

Mas há também uma espécie de narcisismo coletivo, social, patológico. O Brasil por muitos anos debateu, através de políticas de Estado, o embranquecimento da população como uma forma de desenvolvimento econômico e social. No auge da argumentação pseudocientífica, sob a égide da “ciência” racista da medicina e da biologia europeias, respaldada por parte da antropologia, o embranquecimento da nação era visto como a única saída para a prosperidade. Vejamos que um país que se ergueu através da mão-de-obra escravizada negra, após a abolição, chega à conclusão de que como libertos os negros não poderiam contribuir com os novos ideais de desenvolvimento nacional. De traficados acorrentados, agora, deveriam ser esquecidos, apagados.

Baseando-se na eugenia de intelectuais racistas com Francis Galton (que cunhou o termo eugenia em 1883), Cesare Lambroso com sua antropologia criminal, Paul Broca e Samuel George Morton e sua craniometria, estabeleceu-se no mundo ocidental a tese de que o único caminho para o desenvolvimento de uma nação estava no embranquecimento. Afinal, se o centro econômico, cultural, filosófico estava na Europa e, por sua vez ela é branca. Cabe aos demais países e colônias não brancas seguir o caminho. Agora, sob o argumento pseudocientífico legitimando. O mais conhecido eugenista para nós brasileiros foi Arthur de Gobineau. Francês de origem aristocrática, diplomata, Gobineau foi enviado por Napoleão III para o Brasil, em 1869. Há inúmeros relatos do sentimento de hostilidade que Gobineau nutrira pelo país tropical onde acabara de chagar. Em seus relatos a Paris, este eugenista não via qualquer saída de prosperidade para o Brasil, haja vista a quantidade de negros e mulatos que havia por aqui. A Gobineau, é atribuída a frase: “Não sei se viemos dos macacos, mas sei que estamos indo em direção a eles”. Para o diplomata racista, a miscigenação era um fator de contaminação e deveria ser evitado a qualquer custo. Aqui no Brasil o médico maranhense Nina Rodrigues foi o representante mais destacado dessa vertente. Profundo estudioso da cultura negra, Rodrigues entrou de cabeça na teoria da inferioridade intelectual negra em relação aos brancos, fornecendo a argumentação necessárias às políticas eugenistas de Estado. Por outra vertente, o advogado racista Sílvio Romero, defendeu a miscigenação como forma de colocar o elemento branco nos descendentes das demais raças aqui já estabelecidas. Para ele, se não era possível resolver o problema como um todo, era possível atenuar com a miscigenação.

As ideias racistas de supremacia branca em relação a outras raças encontraram abrigo nas mais variadas instituições de ensino à época, bem com nos mais diversos países, tendo na ascenção do nazismo o ápice daquilo que se tronara o holocausto contra o povo judeu e assassinato de outras tantas etnias.

Mas mesmo depois de desmonte teórico e empírico dessas teorias eugenistas, como elas persistem em larga escala em homens e mulheres comuns nas mais distintas classes sociais? Primeiro porque na própria psique humana há lugar para o alojamento deste tipo de tese. Seja no narcisismo, seja no instinto de morte ou de destruição abrigados por thanatos em detrimento de Eros. A partir do Id, Eu conserva elementos destinados à valorização de hostilidade ao outro. Em segundo lugar, e mais importante, porque há uma funcionalidade do racismo na sociedade. Onde a exploração do corpo de uma parcela expressiva da população precisa estabelecer-se no pressuposto da inferioridade. Ainda que não mais sob o prevalecimento de uma teoria pseudocientífica. Senão com a manutenção de resquícios dessa teoria sempre latejando na mente de milhões de pessoas.

Dessa maneira, o racismo se mantém vivo através do medo (angústia) e do ódio (thanatos). Em suma, o racismo se cristaliza de forma irracional, portanto muitas vezes inconsciente nos indivíduos, para racional e consciente para aqueles que dominam e moldam as políticas que se baseiam no racismo como forma de dominação social de uma classe sobre a outra. Aliás, a política do medo é tratado inconscientemente como o medo branco escravocrata da revolta dos escravizados. Sabe-se que o fantasma do Haiti (rebelião de escravizados negros em 1791 na então colônia de São Domingos), ainda vive como um inconsciente coletivo na branquitude brasileira. Em psicologia trata-se de um medo por um sentimento de vingança, vingança negra. Esse medo, por sua vez, é um sentimento de culpa, onde Eu entra em conflito com o Super-Eu. Quando não resolvido, haja vista o não dito que aqui já tratamos. Vem o patológico, a fobia, a agressividade e mais uma série de sintomas. Em Freud, o sintoma sempre se apresenta como uma defesa. Geralmente uma defesa de um investimento instintual do Id, reprimida pelo Super-Eu. Em que em Eu, dá-se a manifestação sintomática. Isso pode se dar, desde atravessar a rua ao ver um indivíduo negro, evitar o “perigo” (psíquico), pois não é real ou até em evitar o perigo da castração, problema edípico, que nesse caso se apresenta com a luta por igualdade racial como uma castração do poder branco no qual a figura do corpo negro em pé de igualdade representaria o falo castrado da branquitude representado pelo capital social questionado e em disputa real e narrativa.

Para concluir, o fantasma do Haiti como inconsciente coletivo branco se remete em psicanálise como medo da castração e se apresenta em sintomas coletivos, em atitudes racistas sintomáticas, senão da classe dominante, que sabe bem o que quer com o racismo, mas de uma grande parcela da população branca que reproduz o racismo por ideologia, uma vez que em sua psique há todo um arranjo de espaço mental para isso.

Racismo como Sofrimento Psíquico no Negro

Ser negro no Brasil é tarefa cotidiana difícil. Todo o cidadão negro já sofreu mais de uma vez a dor da discriminação racial. Seja em piadas racistas, nas atitudes persecutórias de um segurança de shopping, seja em uma entrevista de emprego, seja em uma abordagem policial truculenta. Além das situações vividas pessoalmente, sabe-se que a mente humana, e só a humana, reage também ao sofrimento de terceiros, sobretudo a pessoas cujo afeto nos são caros. Quantas mães e pais negros sofrem a dor do racismo de forma antecipada somente pelo simples fato de o filho ou a filha irem a uma entrevia de emprego? Ou porque a filha ou filho vai conhecer a família da namorada ou namorado branca? Se o racista tem em si angústias e manifestos sintomas, quem dirá da vítima de racismos. Evidente que são questões bastante distintas, pois de forma nenhuma quer se equiparar as coisas de forma a passar a noção errada de que vimemos em uma sociedade patológica em que todos estão no mesmo barco. Não! O racismo produz uma patologia social no racista e um sofrimento psíquico na vítima. A psicóloga e psicanalista Maria Lúcia da Silva, também na obra O Racismo e o Negro no Brasil: questões para a psicanálise, afirma o seguinte:

“E, por fim, o segundo aspecto que a clínica psicanalista não deve negligenciar é que a força dos atributos negativos produzidos pelo racismo e imputados aos negros, com base na força dos discursos produzidos pelos grupos hegemônicos, são elementos que irão compor os processos de identidade e identificação, determinando uma marca psíquica de impedimentos e de manutenção de um lugar social de subordinação e inferiorização no estabelecimento das relações sociais e pessoais, funcionando como indicadores de sofrimentos psíquicos” (página 87).

Vejamos, pois, que o racismo coloca o negro em posição de inferioridade social e isto pode-lhe conferir forte adoecimento psíquico. Ora, como questionar individualmente o racismo em um país onde a força hegemônica nega sua existência ou quando não nega relega a um problema privado de algum indivíduo isoladamente racista. Assim, o não dito, também terá influência no negro na forma de um sofrimento não dito. Tudo isso gera situações de angústia. Como elaborou o professor de   psicologia social e do trabalho da Universidade de São Paulo, José Moura Gonçalves Filho, na obra já citada:

“O golpe atinge o corpo, até no caso de não ser aplicado por agressões físicas: o corpo treme, agita, aperta, endurece. Ninguém deve duvidar de que o nome para tudo isso é angústia, o mais estranho dos sentimentos humanos” (idem, página 146).

Em se tratando de um corpo negro, portanto, que não pode esconder a sua condição de pessoa de pele escura, a angústia se torna permanente. Para agravar, a angústia pode ainda ser partilhada pelo sofrimento de um terceiro muito próximo como já mencionamos. Em alguns casos, a vítima, coloca a culpa do racismo em si mesma, como veremos adiante que isto é o caso muito comum em crianças negras.

Ademais, também observa-se um conflito narcísico na pessoa negra, uma vez que o Eu (negro) não encontra quaisquer compatibilidades em um Ideal de Eu pautado pela branquitude. Desse jeito, há uma completa alienação entre o Eu, o real, e o Ideal do Eu, de modo que o corpo e a mente negra vivem em um processo constante e quase permanente de alienação. O corpo negro não se vê contemplado nos ideais de beleza, a mente negra não se vê contemplada nos ideais de intelectualidade branca. Isso porque coube ao branco definir-se um valor universal em si, a síntese da modernidade, da contemporaneidade. O negro, mesmo em maior número ainda é o exótico, mesmo quando considerados belos e inteligentes, ainda sim somos exóticos. A psicanálise chama de dor narcísica, esse sofrimento causado pelo conflito entre o Eu e o Ideal do Eu, de modo que a psicóloga Maria Célia Malaquias colocou que “o narcisismo e o Eu são formas estruturantes do psiquismo” (ibdem, página 283).

O fato é que as violências sofridas, as exclusões vividas causam grande sofrimento, ademais, esse sofrimento é revigorado pelo silêncio que acaba somatizando no indivíduo. Vejamos que em uma sociedade competitiva, onde a imagem é fundamental para abrir ou fechar portas, o corpo negro está em posição de inferioridade. Isso é um grande abalo na autoestima da pessoa negra, uma vez que isto causa uma série de inibições. Em Freud, a inibição é vista como a diminuição de uma função, não necessariamente é patológica. No entanto, quando se manifesta através de sintomas, dá-se seu aspecto patológico. Sendo assim, quando a pessoa não vai a uma entrevista de emprego (inibição), porque sua demais, não consegue falar, sente vontade de chorar, etc. (sintoma), pelo fato de ser negra, aí vislumbra-se a cena da patologia do social. O mal-estar social, manifesto em sintomas de angústia e inibição, caracterizado pelo sofrimento psíquico é a marca de uma sociedade com sérios problemas de relação entre seus indivíduos, suas instituições, em suma, como dissera Freud: um mal-estar em sua civilização.

O mal-estar, de novo em Freud, é o resultado da repressão social sobre as pessoas, é o resultado da cultura e da série de renúncias que fazem seus cidadãos. No caso do negro esse mal-estar é duplamente vivido, pois ele tem que fazer as renúncias que todo o membro da sociedade tem que fazer e ao mesmo tempo tem de renunciar à sua negritude. Assim, ele se aliena mais uma vez dentro de uma sociedade já alienada.

O Racismo e a Formação da Criança Negra

Desde já peço ao leitor escusas pois esta parte poderá sofrer de diversas imperfeições, pois faltará aqui uma visão pedagógica do tema. Para começar vamos aos estudos lacanianos da psicóloga e psicanalista Isildinha Batista Nogueira, onde ela faz uma comparação do processo de rejeição e estranhamento da criança negra sobre si mesma através do estádio do espelho de Jacques Lacan.

O ideal de brancura tem pressões sobre o indivíduo negro. Da mesma forma age sobre a mãe. Tomada por esta pressão, a mãe negra projeta no filho recém nascido o ideal de brancura. Isildinha, fala que inconscientemente, mesmo amando o seu bebê, a mãe nega aquela imagem da criança negra diante de si. Isso, por sua vez, vai causar na criança negra um estranhamento permanente diante de sua imagem, que para ela será estranhada.

Vamos ao que diz Isildinha:

“A particularidade que a experiência do espelho, na criança negra, envolve, diz respeito ao fato de que o fascínio que essa experiência produz é acompanhado, simultaneamente, por uma repulsa à imagem que o espelho virtualmente oferece. Nesse movimento, a assunção jubilatória de que falava Lacan é necessariamente acompanhada de um processo suplementar que envolve a negação imaginária do semblante que a imagem especular oferece, pois a criança negra reluta em aderir a essa imagem de si que não corresponde à imagem do desejo da mãe. Ao tomar-se pela imagem, ela conclui que “aquela imagem é ela”; mas, não reconhecendo ali a imagem do desejo da mãe, a criança se vê, desde então, inconscientemente mobilizada a procurar, nesta imagem o que a reconciliaria com o desejo materno. A mãe negra, como já foi observado amam seu bebê, mas nega, ao esmo tempo, o que a pele negra representa, simbolicamente. Tal dualidade vai marcar a experiência do espelho na criança negra, caracterizando seu processo de identificação: coincido com o que, da imagem, corresponde com o desejo materno; não coincido com o que dessa mesma imagem, contraria o desejo materno. Nesse movimento, produz-se um mecanismo complexode identificação/não identificação, que produz, para a criança negra, as experiências do adulto negro: o fato de sua identificação imaginária ser atravessada pelo ideal da “brancura”. Para reconciliar-se com a imagem do desejo materno – a brancura – a criança negra precisa negar alguma coisa de si mesma!” (isildinha Batista Nogueira, in O Racismo no Brasil…, página 218).

Notemos que o ideal de brancura, advindo da pressão de toda a carga de preconceito vivido pela mulher negra, agora como mãe, é transmitida para a criança que vai processar isso de forma traumática no estádio do espelho, nunca tendo o estágio jubilatório de sua imagem planamente satisfeita. Depois, como prima o estádio do espelho lacaneano, o conflito com o espelho volta a todo o ser humano. Mas no caso da criança negra voltará com algo ainda não resolvido no estágio jubilatório. Desse jeito, a criança nega a si para se reconciliar com o desejo inconsciente do ideal de brancura da mãe. Como adulta terá dificuldades enormes em uma associação, ainda que para todo o ser humano existe esse conflito, entre seu Eu e o Ideal de Eu branco da sociedade racista. A criança levará para o adulto uma imagem alienada e negada de si mesma, causando-lhe grande sofrimento psíquico. Daí, percebe-se uma série de inibições, depressão, ansiedade na criança negra, frente a pouca interpretação que esta tem de como é viver em um mundo pautado pela hegemonia da branquitude.

É preciso trabalhar a autoestima do negro desde a infância. Mostrar-lhe que seu corpo é plenamente compatível com suas aspirações, desejos de desenvolvimento. Dizer-lhe: negro é lindo.

Para uma Luta Antirracista

Em linhas gerais, foi possível traçar uma psicologia social, alicerçada em estudos da psicanálise, de como os efeitos do racismo traz componentes nocivos à sociedade. Traz consigo a violência física e simbólica marcada pela exclusão e diferenciação estratificada.

Bem verdade, as coisas estão mudando. Hoje, é possível ver jovens negra e negros exibindo suas roupas coloridas e seus cabelos blacks na cena urbana. As universidades já não tem a mesma concentração étnica como antes, pois a política de cotas tem alterado este percentual. Além disso, o debate contra o racismo tem se deslocado do não dito para o dito parcialmente, numa evidente evolução da arena da disputa da narrativa histórica do tema.

É preciso trabalhar o bem-estar psíquico da população negra. Para isso, não tem saída, é preciso combater o racismo, derrotá-lo todos os dias. Nossa organização é fundamental.

Essa é a nossa missão.

VIDAS NEGRAS IMPORTAM!


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