Punhos erguidos e rompimento de contrato: antes e depois da próxima rodada

Uma análise da reabertura do Campeonato Carioca e da disputa entre Flamengo e Grupo Globo a respeito dos direitos de transmissão das partidas.

Leandro Fontes 2 jul 2020, 21:06

Assisti estarrecido a volta dos jogos da Taça Rio. De modo algum o futebol carioca e brasileiro deveria retornar no meio da tormenta que o povo está atravessando com o Covid-19. O Brasil atingiu a marca de 60 mil mortes pela pandemia. Está nítido que a tentativa, de cima pra baixo, de dar um ar de “normalidade” para a situação do país tem o objetivo de atender interesses econômicos em detrimento da vida alheia. E o futebol é um canal estratégico para essa orientação irresponsável. Isso porque o futebol consegue unir interesses econômicos e, paralelamente, pode transmitir para as massas a sensação que é possível (mesmo no auge da pandemia) o retorno das atividades do dia-a-dia, burlando assim, as medidas de distanciamento social antes do tempo recomendado por órgãos internacionais de saúde e pela Fiocruz.

Entretanto, a mensagem que ficou marcada na quarta rodada do segundo turno do campeonato carioca não correspondeu a horda de Bolsonaro, Landim, Campello e cia. Pelo contrário, o domingo de futebol transmitiu para uma grande audiência nacional, um eloqüente ato político dos jogadores que entraram em campo nos jogos entre Vasco e Macaé, Botafogo e Cabofriense,  Fluminense e Volta Redonda.

Que ato foi esse?

O tradicional um minuto de silêncio se transformou em uma homenagem às vitimas do coronavírus e, logo em seguida, todos os futebolistas se ajoelharam e ergueram o punho fechado em referência ao movimento “Vidas Negras Importam” que teve um novo estopim com o brutal assassinato de George Floyd nos EUA.

Quer dizer, naquele momento impactante, o recado dos jogadores teve conexão direta com as ações de protesto e as mobilizações de rua por todo o mundo ao redor da consigna: Black Lives Matter. É inegável a emoção do episódio e a vinculação natural com as manifestações de esportistas nos Estados Unidos e até mesmo com o ícone Tommie Smith, que eternizou o gesto de erguer o punho fechado, ao subir no pódio olímpico na Cidade do México após vencer a prova dos 200m em 1968.

Assim sendo, é preciso não ter dúvida, guardada as devidas proporções, o ato dos jogadores em campo no domingo foi tão político quanto o ato de Tommie Smith. Como foi político o ato de Bolsonaro ao levantar o troféu de campeão brasileiro no triunfo do Palmeiras em 2018. Assim como foi política a reunião entre Jair Bolsonaro com os presidentes de Flamengo e Vasco, encontro que sacramentou a Medida Provisória (defendida por Landim) para alterar os direitos de transmissão dos jogos e que fortaleceu a nefasta corrente pró-reabertura do campeonato carioca.

De tal maneira, o enfadonho campeonato estadual se transformou numa arena que na aparência apresenta o Clube de Regatas do Flamengo em oposição ao Grupo Globo.

O clube rubro-negro alegando o direito de poder vender e/ou transmitir os jogos do campeonato carioca como quiser. Isto porque não assinou o contrato com a TV detentora dos direitos de transmissão dos jogos. E o Grupo Globo, por sua vez, defendendo o contrato de transmissão, assinado pela FERJ e por onze clubes do campeonato, entendeu que a clausula de exclusividade foi violada com a transmissão do jogo Flamengo e Boa Vista pela FlaTV. Esse episódio foi a gota d’água para que a Globo decidisse pelo rompimento.

O Flamengo sustenta sua posição apoiando-se na Medida Provisória 984 editada por Bolsonaro em plena pandemia. Essa MP passa para os mandantes dos jogos o direito de transmissão. Contudo, a Globo não aceitou a validade da MP sob o argumento da existência de um contrato celebrado antes da edição da Medida Provisória claramente arquitetada por Landim. E agrega que sua posição esta resguardada pela constituição federal.

Qual é a essência da questão?

Em primeiro lugar… Bolsonaro deve estar comemorando todo esse imbróglio como um “título de Taça Libertadores das Américas”. Isto porque o dissídio entre Flamengo e o Grupo Globo interessa à Bolsonaro. Uma vez que a Globo atua como um tipo de oposição liberal ao seu governo e vem dando holofotes aos casos de corrupção envolvendo Queiroz, Flavio, além da relação comprometedora da família Bolsonaro com as milícias. Ou seja, toda divisão que pode enfraquecer de algum modo o Grupo Globo nesse momento interessa diretamente a Bolsonaro.

Segundo… Este episódio – “Flamengo x Globo” – esta longe de ser o caminho para resolver a problemática das transmissões esportivas. Se por um lado é urgente acabar com o monopólio de um conglomerado midiático sob o futebol brasileiro. Por outro lado, o caminho de “individualizar” as negociações de clubes com emissoras só trará benefícios aos clubes mais fortes, de torcidas massificadas, de expressão nacional. Até os clubes de peso regional sofrerão um grande revés. Os clubes de menor porte serão cada vez mais marginalizados diante desse cenário hipotético.

Quer dizer… Em uma negociação onde temos por um lado grandes empresas de telecomunicação e de outro um clube pequeno, as negociações não se darão em igual patamar. Evidentemente as condições favoráveis estarão com as grandes empresas. Portanto, se o monopólio do Grupo Globo é ruim para o futebol brasileiro e gera desequilíbrio entre os clubes, a saída do “cada um por si e Deus por todos” levará a esmagadora maioria dos clubes brasileiros para o precipício.

Por isso, é necessário sair do varejo e ir para o atacado. O futebol brasileiro e as comunicações precisam se tornar chave de agenda de debate nacional. É necessária uma política de Estado para regulamentar tudo isto. Isto é o atacado da problemática. O varejo desembocará na disputa fratricida entre clubes por si mesmos. A correlação de forças de momento vai guiar cada um e ditará quem terá mais dinheiro em caixa e quem não terá. Uma política de Estado, para regulamentar as comunicações e os esportes pode atacar com mais eficácia o monopólio de uma família no esporte brasileiro e dar condições verdadeiramente democráticas aos clubes.

É preciso debater esse caminho. Mas, tudo isto é política! E há aqueles que afirmam de modo canônico que futebol não se mistura com política. Será que não? O ato dos jogadores no domingo e as ações articuladas de Bolsonaro e Landim, com endosso de Campello, constatam o contrário. Mas, qual é a diferença entre os episódios dois últimos dias? A diferença mais direta e concreta é que os jogadores de Vasco e Macaé, Botafogo e Cabofriense, Fluminense e Volta Redonda, optaram em sinalizar em prol da bandeira “Vidas Negras Importam”. Uma agenda democrática e de maioria social no Brasil. Para isto utilizaram um gesto que foi imortalizado por Tommie Smith em 1968, que por sua vez teve influência dos Panteras Negras norte-americanos. O punho erguido e fechado, um símbolo de luta que teve muito peso como identidade na resistência contra Franco durante a Guerra Civil espanhola, um gesto que foi apoderado pelos movimentos que lutavam por liberdade e por direitos civis nos EUA. Um símbolo que se tornou imponente sob os signos antirracistas e antifascistas. Um símbolo de luta que foi representado pelos craques Eusébio, Reinaldo e Sócrates. 

Portanto, existe espaço para a política no meio do futebol… E como existe! Assim, optemos pelo lado que joga pelas causas dignas, devotadas à maioria do povo, dos clubes, dos torcedores e que sustentam bandeiras democráticas. Este lado ganha força nas ruas, nas “arquibancadas” com as Antifas, com membros das organizadas e pode, por que não, entrar em campo.

Não é só futebol.


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