A Bolívia e a luta de classes no continente durante a pandemia

Solidariedade internacionalista à luta do povo boliviano contra o golpismo e a extrema-direita.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 27 ago 2020, 20:20

Neste editorial, buscamos tratar de elementos internacionais, especialmente ligados à dinâmica da luta em curso na Bolívia, que condicionam a situação política do continente latino-americano e, portanto, do Brasil. A pandemia da Covid-19 afeta nossos países de modo desigual, com o Brasil disparadamente na liderança das estatísticas de contágio e mortes, mas com uma aceleração crescente, nas últimas semanas, do contágio em países como Chile, Peru, Argentina, Bolívia, entre outros. A ação de governos, como o de Jair Bolsonaro, e as consequências da pandemia, desigualmente distribuídas, permitem afirmar que está em curso um genocídio contra as populações mais pobres de nossos países. Enquanto a vacina ainda é uma incógnita e um veículo de cobiça de governos e corporações farmacêuticas transnacionais, a instabilidade deixa um rastro de morte e de liquidação de empregos e renda.

Num cenário complexo como esse, a extrema-direita internacional – comandada por Trump nos Estados Unidos e contando com lacaios como Bolsonaro – tem buscado conduzir uma política agressiva para a América Latina. O golpe de 2019 na Bolívia abriu um flanco decisivo para o futuro do continente. A entrada em cena de importantes batalhões da classe trabalhadora boliviana indica uma forte polarização em curso após a greve geral do começo de agosto. A luta pela realização da eleição presidencial na data marcada, 18 de outubro, em meio aos constantes ataques conduzidos pelo governo golpista de Jeanine Áñez enseja uma disputa mais geral: a queda de braço entre o movimento popular e o imperialismo e a extrema-direita.

Com um olhar internacionalista que busque a solidariedade ativa com o povo boliviano, a esquerda socialista brasileira deve analisar a relação entre o imperialismo de Trump, que enfrenta suas próprias contradições, e o lugar da extrema-direita bolsonarista em busca de uma resposta popular que abra uma nova etapa na luta de classes do continente. Nos últimos dias, atuamos em diferentes atividades de solidariedade com a Bolívia em solo brasileiro: o ato em frente à embaixada boliviana em Brasília, organizado pelo Comitê General Abreu e Lima com apoio do PSOL, FNL e Juntos; uma live com o dirigente mineiro Orlando Gutiérrez, com a participação da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS); e o exitoso ato virtual do Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Boliviano contra o Golpe, em frente única, com destacada participação da grande comunidade boliviana de São Paulo.

As garras do imperialismo e suas contradições internas

Mesmo durante a pandemia da Covid-19 e com a adoção de medidas de isolamento social – que foram alvo, junto com a comunidade científica e a OMS, de ataques da extrema-direita negacionista internacional, –, uma série de mobilizações de setores populares começou a desenvolver-se. Após um ano de 2019 marcado por manifestações em Hong Kong, Chile e Equador, além da retomada das lutas no norte da África, em países como Argélia e Sudão, e tentativas contrarrevolucionárias, como o golpe de Estado na Bolívia, as tensões recomeçaram: a rebelião antirracista nos Estados Unidos o ponto alto de uma série de manifestações em todo o mundo, com destaque para as lutas no Líbano e para as mobilizações recentes em Belarus.

Após quase um ano do golpe que derrubou Evo Morales e desconheceu os resultados da eleição de 2019, até mesmo a mídia corporativa estadunidense começa a reconhecer o papel do governo Trump (e de Bolsonaro) no golpe de Áñez: sabe-se, hoje, que os relatórios da OEA – comandada por Luis Almagro, uma marionete do Departamento de Estado dos EUA – acusando fraudes na apuração da eleição de 2019 não apresentaram quaisquer evidências críveis, como mostraram reportagens recentes do jornal The New York Times. Já o bilionário Elon Musk, por sua vez, cobrado pelos interesses de empresas como a Tesla na exploração de lítio e por sua participação na desestabilização do país andino, afirmou que “daria golpe” onde quisesse.

A política externa de Trump para a América Latina visa a reforçar a condição de quintal do continente, um espaço prioritário para a acumulação de capitais transnacionais preferencialmente sediados nos Estados Unidos. Há dois elementos importantes a se levar em consideração: a eleição presidencial daquele país e o processo de ruas encabeçado pela negritude contra a violência policial. O discurso neofascista de Trump, que internamente acusa opositores e manifestantes de “terroristas”, “anarquistas” e “comunistas”, encontra em seus operadores para a América Latina uma correspondência em suas ações de desestabilização de governos da região e de promoção de forças de extrema-direita no continente (e no mundo). Se, por um lado, Trump demonstra alguma resiliência, por outro, a pandemia, a grave crise econômica e a ação do movimento de massas nas ruas dos EUA ameaçam suas chances de sucesso eleitoral em 3 de novembro. A retomada da mobilização antirracista após a brutal violência contra Jacob Blake indica o lugar central da ação das ruas.

A Bolívia é o coração da luta na América do Sul

Na eleição presidencial boliviana de 2019, o presidente Evo Morales e o MAS proclamaram vitória após recontagem de votos, gerando contestação da oposição direitista num cenário de grande instabilidade. Aproveitando a confusão, a extrema-direita, liderada por Camacho em Santa Cruz de La Sierra, organizou, com milícias e setores mais conservadores, uma ação golpista apoiada pelo imperialismo, que contou com colaboração do exército e da polícia bolivianas, além da participação de parceiros do governo Bolsonaro. Evo foi proscrito e Jeanine Áñez, numa operação ilegal e ilegítima, foi proclamada presidenta “interina” até novo processo eleitoral marcado para 2020.

A repressão aos movimentos sociais, com a liberação de forças de choque de ultradireita, como a União Juvenil Cruceña, marcou o período de instalação desse débil governo de “transição”, conservador, fruto do golpe de Estado que apeou Evo e o MAS do poder. Contudo, apesar de controlar o poder executivo, o governo de Áñez não pôde impor uma derrota duradoura ao movimento de massas e lançou mão de manobras para modificar a composição do tribunal eleitoral e adiar o processo eleitoral diversas vezes. Conservando forças importantes no parlamento, o MAS indicou Luis Arce como seu candidato e, diante da divisão das forças da burguesia, lidera todas as pesquisas para o próximo pleito.

No começo de agosto, uma greve geral conduzida pelos mineiros e pelos setores populares combativos paralisou o país, arrancando um acordo, ainda que frágil, de realização das eleições em 18 de outubro, abrindo uma nova conjuntura no país. O fortalecimento da resistência, da polarização e a perseguição aos ativistas marcam o cenário dos últimos dias.

A luta na Bolívia é um processo exemplar: decide-se ali parte dos próximos eventos na América Latina. Uma derrota da classe trabalhadora e do povo teria graves prejuízos no cenário instável em que vive o continente. Uma vitória que reconquiste eleições livres e um governo eleito democraticamente, baseado nas conquistas da Constituição Plurinacional, seria uma derrota do imperialismo, de Bolsonaro e das elites locais, abrindo caminho para novas rebeliões como as do Chile e Equador.

As tarefas imediatas na solidariedade à luta na Bolívia

A direção do PSOL e sua bancada de deputados têm acompanhado de forma sistemática a situação da Bolívia, como se pode ler nas resoluções da Secretaria de Relações Internacionais e do Diretório Nacional do partido. Vamos ampliar este apoio, sugerindo a ida de uma comissão de deputados do Parlasul à Bolívia como observadores internacionais.

Devemos atuar, em nossas reuniões e atividades públicas, para colocar a luta da Bolívia na ordem do dia. Também somamos nossas forças a iniciativas como a Assembleia Mundial da Amazônia, que votou a data de 28 de agosto como uma jornada internacional de lutas.

Assim, vamos construir uma rede importante de apoio à Bolívia, com tarefas concretas, atuando sobre a nova vanguarda que começa a se levantar e organizando todo um setor da esquerda socialista no continente. O lugar do PSOL não é outro senão o da solidariedade ativa e do internacionalismo. Esta é a batalha para o período.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra | 21 dez 2024

Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro

A luta pela prisão de Bolsonaro está na ordem do dia em um movimento que pode se ampliar
Braga Netto na prisão. Está chegando a hora de Bolsonaro
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi