A Bolívia e a luta de classes no continente durante a pandemia
Solidariedade internacionalista à luta do povo boliviano contra o golpismo e a extrema-direita.
Neste editorial, buscamos tratar de elementos internacionais, especialmente ligados à dinâmica da luta em curso na Bolívia, que condicionam a situação política do continente latino-americano e, portanto, do Brasil. A pandemia da Covid-19 afeta nossos países de modo desigual, com o Brasil disparadamente na liderança das estatísticas de contágio e mortes, mas com uma aceleração crescente, nas últimas semanas, do contágio em países como Chile, Peru, Argentina, Bolívia, entre outros. A ação de governos, como o de Jair Bolsonaro, e as consequências da pandemia, desigualmente distribuídas, permitem afirmar que está em curso um genocídio contra as populações mais pobres de nossos países. Enquanto a vacina ainda é uma incógnita e um veículo de cobiça de governos e corporações farmacêuticas transnacionais, a instabilidade deixa um rastro de morte e de liquidação de empregos e renda.
Num cenário complexo como esse, a extrema-direita internacional – comandada por Trump nos Estados Unidos e contando com lacaios como Bolsonaro – tem buscado conduzir uma política agressiva para a América Latina. O golpe de 2019 na Bolívia abriu um flanco decisivo para o futuro do continente. A entrada em cena de importantes batalhões da classe trabalhadora boliviana indica uma forte polarização em curso após a greve geral do começo de agosto. A luta pela realização da eleição presidencial na data marcada, 18 de outubro, em meio aos constantes ataques conduzidos pelo governo golpista de Jeanine Áñez enseja uma disputa mais geral: a queda de braço entre o movimento popular e o imperialismo e a extrema-direita.
Com um olhar internacionalista que busque a solidariedade ativa com o povo boliviano, a esquerda socialista brasileira deve analisar a relação entre o imperialismo de Trump, que enfrenta suas próprias contradições, e o lugar da extrema-direita bolsonarista em busca de uma resposta popular que abra uma nova etapa na luta de classes do continente. Nos últimos dias, atuamos em diferentes atividades de solidariedade com a Bolívia em solo brasileiro: o ato em frente à embaixada boliviana em Brasília, organizado pelo Comitê General Abreu e Lima com apoio do PSOL, FNL e Juntos; uma live com o dirigente mineiro Orlando Gutiérrez, com a participação da deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS); e o exitoso ato virtual do Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Boliviano contra o Golpe, em frente única, com destacada participação da grande comunidade boliviana de São Paulo.
As garras do imperialismo e suas contradições internas
Mesmo durante a pandemia da Covid-19 e com a adoção de medidas de isolamento social – que foram alvo, junto com a comunidade científica e a OMS, de ataques da extrema-direita negacionista internacional, –, uma série de mobilizações de setores populares começou a desenvolver-se. Após um ano de 2019 marcado por manifestações em Hong Kong, Chile e Equador, além da retomada das lutas no norte da África, em países como Argélia e Sudão, e tentativas contrarrevolucionárias, como o golpe de Estado na Bolívia, as tensões recomeçaram: a rebelião antirracista nos Estados Unidos o ponto alto de uma série de manifestações em todo o mundo, com destaque para as lutas no Líbano e para as mobilizações recentes em Belarus.
Após quase um ano do golpe que derrubou Evo Morales e desconheceu os resultados da eleição de 2019, até mesmo a mídia corporativa estadunidense começa a reconhecer o papel do governo Trump (e de Bolsonaro) no golpe de Áñez: sabe-se, hoje, que os relatórios da OEA – comandada por Luis Almagro, uma marionete do Departamento de Estado dos EUA – acusando fraudes na apuração da eleição de 2019 não apresentaram quaisquer evidências críveis, como mostraram reportagens recentes do jornal The New York Times. Já o bilionário Elon Musk, por sua vez, cobrado pelos interesses de empresas como a Tesla na exploração de lítio e por sua participação na desestabilização do país andino, afirmou que “daria golpe” onde quisesse.
A política externa de Trump para a América Latina visa a reforçar a condição de quintal do continente, um espaço prioritário para a acumulação de capitais transnacionais preferencialmente sediados nos Estados Unidos. Há dois elementos importantes a se levar em consideração: a eleição presidencial daquele país e o processo de ruas encabeçado pela negritude contra a violência policial. O discurso neofascista de Trump, que internamente acusa opositores e manifestantes de “terroristas”, “anarquistas” e “comunistas”, encontra em seus operadores para a América Latina uma correspondência em suas ações de desestabilização de governos da região e de promoção de forças de extrema-direita no continente (e no mundo). Se, por um lado, Trump demonstra alguma resiliência, por outro, a pandemia, a grave crise econômica e a ação do movimento de massas nas ruas dos EUA ameaçam suas chances de sucesso eleitoral em 3 de novembro. A retomada da mobilização antirracista após a brutal violência contra Jacob Blake indica o lugar central da ação das ruas.
A Bolívia é o coração da luta na América do Sul
Na eleição presidencial boliviana de 2019, o presidente Evo Morales e o MAS proclamaram vitória após recontagem de votos, gerando contestação da oposição direitista num cenário de grande instabilidade. Aproveitando a confusão, a extrema-direita, liderada por Camacho em Santa Cruz de La Sierra, organizou, com milícias e setores mais conservadores, uma ação golpista apoiada pelo imperialismo, que contou com colaboração do exército e da polícia bolivianas, além da participação de parceiros do governo Bolsonaro. Evo foi proscrito e Jeanine Áñez, numa operação ilegal e ilegítima, foi proclamada presidenta “interina” até novo processo eleitoral marcado para 2020.
A repressão aos movimentos sociais, com a liberação de forças de choque de ultradireita, como a União Juvenil Cruceña, marcou o período de instalação desse débil governo de “transição”, conservador, fruto do golpe de Estado que apeou Evo e o MAS do poder. Contudo, apesar de controlar o poder executivo, o governo de Áñez não pôde impor uma derrota duradoura ao movimento de massas e lançou mão de manobras para modificar a composição do tribunal eleitoral e adiar o processo eleitoral diversas vezes. Conservando forças importantes no parlamento, o MAS indicou Luis Arce como seu candidato e, diante da divisão das forças da burguesia, lidera todas as pesquisas para o próximo pleito.
No começo de agosto, uma greve geral conduzida pelos mineiros e pelos setores populares combativos paralisou o país, arrancando um acordo, ainda que frágil, de realização das eleições em 18 de outubro, abrindo uma nova conjuntura no país. O fortalecimento da resistência, da polarização e a perseguição aos ativistas marcam o cenário dos últimos dias.
A luta na Bolívia é um processo exemplar: decide-se ali parte dos próximos eventos na América Latina. Uma derrota da classe trabalhadora e do povo teria graves prejuízos no cenário instável em que vive o continente. Uma vitória que reconquiste eleições livres e um governo eleito democraticamente, baseado nas conquistas da Constituição Plurinacional, seria uma derrota do imperialismo, de Bolsonaro e das elites locais, abrindo caminho para novas rebeliões como as do Chile e Equador.
As tarefas imediatas na solidariedade à luta na Bolívia
A direção do PSOL e sua bancada de deputados têm acompanhado de forma sistemática a situação da Bolívia, como se pode ler nas resoluções da Secretaria de Relações Internacionais e do Diretório Nacional do partido. Vamos ampliar este apoio, sugerindo a ida de uma comissão de deputados do Parlasul à Bolívia como observadores internacionais.
Devemos atuar, em nossas reuniões e atividades públicas, para colocar a luta da Bolívia na ordem do dia. Também somamos nossas forças a iniciativas como a Assembleia Mundial da Amazônia, que votou a data de 28 de agosto como uma jornada internacional de lutas.
Assim, vamos construir uma rede importante de apoio à Bolívia, com tarefas concretas, atuando sobre a nova vanguarda que começa a se levantar e organizando todo um setor da esquerda socialista no continente. O lugar do PSOL não é outro senão o da solidariedade ativa e do internacionalismo. Esta é a batalha para o período.