“Mostramos a importância de lutarmos juntos contra essas empresas que estão acabando com nossos direitos trabalhistas”

Entrevista com Alessandro Sorriso, presidente da AMAE-DF.

Giulia Tadini 10 ago 2020, 19:04

 No dia 1º de julho de 2020, os trabalhadores de entregas por aplicativos protagonizaram uma mobilização que certamente entrará em sua história: o primeiro “Breque dos Apps” paralisou e reuniu milhares de entregadores em manifestações nas maiores cidades brasileiras, numa ação que terminou contagiando outros grupos de entregadores na América Latina.

Em pauta, as reivindicações por maior remuneração e melhores condições de trabalho para um contingente crescente de trabalhadores que são empurrados, pela pressão do desemprego e pelo desmonte dos direitos trabalhistas, a jornadas de trabalho extenuantes e aos riscos de uma atividade sem vínculo empregatício formal, mas que garante os lucros de corporações transnacionais e nacionais de intermediação de força de trabalho numa economia crescentemente digitalizada.

Para falar do “Breque dos Apps” e da organização dos entregadores que começa a desenvolver-se em todo o país, a Revista Movimento conversou com Alessandro Sorriso, entregador por aplicativos e presidente da Associação de Motoboys Autônomos e Entregadores do Distrito Federal (AMAE-DF).

Revista Movimento – Sorriso, há quanto tempo você é entregador? Como é o dia a dia de um entregador?

Alessandro Sorriso – Eu trabalho com aplicativos há cinco anos. A vida de entregador não é nada fácil e, nesses últimos tempos que nós estamos vivendo, é cada vez mais difícil continuar trabalhando num serviço tão essencial numa época de pandemia. As dificuldades só vêm aumentando.

M – Quais são as situações mais absurdas pelas quais você já passou ou que os entregadores relatam? Quais são as maiores reclamações em relação às empresas de aplicativo?

AS – Além de passar o dia todo debaixo do sol, chuva, a humilhação de querer usar um banheiro de algum restaurante, de algum shopping e não poder, ser impedido. É a humilhação de não ter um lugar para almoçar, não ter um banheiro para usar. Estas são as dificuldades maiores porque muitos entregadores viajam 40 quilômetros para poder trabalhar aqui no centro e não tem um local digno para poder almoçar e descansar um pouco. Tem que ficar na rua o tempo todo, debaixo de sol e chuva, almoçar na rua… Estas são as principais dificuldades.

Nossas principais reclamações com os aplicativos de entrega são as taxas, muito baixas, que não têm reajuste anual, enquanto a gasolina, a manutenção das motos e das bikes só aumenta. As taxas são muito baixas e não tem nenhum tipo de reajuste. A situação é ainda pior para os entregadores de bike porque as taxas são bem inferiores às de moto. Também os bloqueios injustos. Os trabalhadores que têm os aplicativos como única fonte de renda para sustentar a família são bloqueados sem nenhuma justificativa, sem nenhuma chance de defesa. O sistema de pontuação impede o trabalhador de ser autônomo de verdade, impede que faça o seu horário, trabalhe na hora que quiser ou de fazer o trajeto que quiser. Não tem nenhum auxílio, também, quando sofre algum acidente ou quando fica sem trabalhar porque está doente, se pegar o coronavírus… Estes são os principais problemas que nós temos com as empresas de aplicativos.

Além destes, entre as principais reclamações com as empresas de aplicativos, a falta de diálogo diretamente com a plataforma, a empresa com o entregador. Só tem chat, não tem uma pessoa para te atender, para telefonar em caso de algum acidente, de problema com alguma entrega. Nós conversamos praticamente com robôs. São mensagens automáticas e, quando você entra num chat, muito dificilmente tem alguém para ligar e falar com você pessoalmente numa central.

M – Quais são as principais reivindicações do “Breque dos apps”?

AS – As nossas principais reivindicações são o fim dos bloqueios injustos, o aumento da taxa mínima, o tabelamento de uma taxa fixa mínima, uma regulação para esses aplicativos, uma legislação específica, o fim do sistema de pontuação e ranking, um seguro de vida e um seguro para acidentes, que possa cobrir roubo e assaltos.

M – Como você avaliou a paralisação do dia 1º de julho? Qual a importância da organização dos entregadores e da mobilização por mais direitos?

AS – A paralisação do dia 1º de julho foi um ato muito importante e impactante no Brasil todo e em outros países vizinhos. Foi um ato importante para a nossa categoria porque mostramos a força da nossa união, a importância de lutarmos juntos e cada vez mais fortes contra a precarização, contra essas empresas que estão acabando com nossos direitos trabalhistas e, de forma geral, uberizando as relações de trabalho. Foi um dia muito importante porque até então a nossa categoria era desacreditada, ela não tinha muita fé de que algo poderia mudar. Mas nós estamos mostrando que não é bem assim. Está surgindo efeito. Nós estamos conquistando coisas que não imaginávamos que poderíamos conquistar. Por exemplo, nós levamos nossas pautas para dentro da Câmara, com uma reunião com o Rodrigo Maia que foi muito importante para a categoria. Nós conseguimos uma reunião com o representante dos aplicativos também. Então eu acredito que isso nos dá mais força para continuarmos lutando.

M – No Distrito Federal, vocês estão organizados em uma Associação, a AMAE-DF. Conte-nos um pouco do trabalho que vem sendo desenvolvido.

AS – Essas organizações em todo o Brasil são importantes para termos mais força, para podermos ter melhores condições de luta. Em Brasília, a categoria está sem representatividade, então nós resolvermos criar uma associação para podermos lutar pela valorização da profissão e da mão de obra. Lutar pra conquistarmos direitos mínimos que hoje a categoria não tem. Por isso criamos a AMAE-DF, a Associação dos Motoboys Autônomos e Entregadores do Distrito Federal. Os outros estados não têm nenhum tipo de sindicato ou associação, mas eles são muito importantes para representar a categoria, para lutar e organizar os trabalhadores nos estados e no país. A categoria é uma só. Ela toda está sendo precarizada e escravizada por esses aplicativos. Nós queremos dar um basta nisso, e juntos somos mais fortes. Temos que nos organizar cada vez mais. Nós ajudamos a organizar outros estados que também não têm associações: é assim que vamos criando força.

A nossa Associação vem buscando várias parcerias e benefícios para a categoria, para o associado. Dentre elas, estamos em reunião para a criação de um aplicativo aqui do Distrito Federal para fazermos uma parceria com o comércio e os entregadores associados para podermos sair da exploração desses aplicativos. Ter um aplicativo próprio que acabe com a exploração exercida por esses aplicativos é uma porta de saída. É algo muito importante.

M – Tanto o dia 1º de julho como o dia 25 de julho foram chamados como datas nacionais. Assim como novas formas de luta, o Whatsapp e as redes sociais cumprem um papel importante em conectar os entregadores pelo país. Como se organiza esse movimento? Quais são os principais desafios?

AS – A nossa ferramenta principal tem sido a mídia e as redes sociais, grupos de Whatsapp e grupos de Facebook. Neles, unimos vários entregadores do país todo e ajudamos a nos organizar melhor, que é o mais importante.

Sim, houve alguma dificuldade entre alguns companheiros de trabalho, alguns colegas de profissão desacreditados, que ainda não acreditam que as coisas possam mudar. Mas, como a maioria quer mudança, estamos conseguindo abrir os olhos dessa minoria. Há uma certa dificuldade porque os aplicativos ainda são muito fortes, eles disparam fake news, bloqueiam os entregadores em represália, como já aconteceu com colegas em vários estados. Então, há uma dificuldade maior, já que os entregadores têm o aplicativo como único meio de sustentar a família, a principal fonte de renda. Mas estamos mudando essa realidade aos poucos, com um passo de cada vez, ajudando nossos irmãos em outros estados a se mobilizar. E o dia 25 de julho está vindo aí com força total!


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