Na pandemia, o projeto de ensino à distância se amplifica nas universidades públicas

Instituições vêm utilizando formas de ensino remoto durante pandemia.

Maria Angélica Coutinho 31 ago 2020, 18:32

Passando da marca de 110 mil mortes, a sociedade brasileira ainda tenta se organizar para enfrentar a realidade de crise política e sanitária frente a um governo que aposta no desastre. O governo Bolsonaro/Mourão em tão pouco tempo de mandato já teve 3 ocupantes na Saúde, tendo por último nomeado um militar, sem qualquer formação específica na área, para assumir a pasta em meio a uma pandemia, que em função da globalização toma proporções sem precedentes na história mundial. Muitas pessoas parecem ainda não compreender os riscos e perigos a que estamos submetidos, enquanto os que se isolam veem seu tempo de confinamento se prolongar ainda mais.

Nessa conjuntura os mais pobres são obrigados a voltar a trabalhar, ou mesmo, a se manterem em seus postos de trabalho, porque nunca puderam cumprir o confinamento, se arriscando em transportes precários e superlotados. Nesse caso, temos os trabalhadores de uber, ifood e similares que tiveram sua carga de trabalho ampliada, mas que vêm demonstrando uma força de mobilização em um momento de algum retraimento social. Fizeram duas grandes manifestações sensibilizando parcela da sociedade e garantindo um olhar crítico sobre o governo Bolsonaro/Mourão e para a crise pandêmica, apontando que tal crise não se resume a um quadro sanitário, mas que tem componentes políticos e econômicos que se aproveitam do coronavírus. 

Enquanto isso, os mais ricos se isolam em suas mansões e fazendas, sequer percebendo a dimensão do problema social, vendo ainda suas fortunas aumentarem, conforme nos apontam estudos publicados na mídia. E, nesse quadro ainda presenciamos o desemprego crescer em alguns setores econômicos dentre a classe trabalhadora, expandindo o lumpesinato, nas grandes capitais.

Nesse panorama, a educação básica segue em um embate entre governos municipais e estaduais de um lado e a categoria dos profissionais de educação de outro tentando resistir à volta das aulas presenciais. Alguns pais e responsáveis entraram no movimento de resistência um pouco atrasados, mas ainda a tempo de engrossar a mobilização. As experiências de outros países em decretarem a volta para as escolas e assistirem ao aumento dos casos de covid logo em seguida, contribuíram também para o recuo de alguns governantes. E, tal movimento precisa se manter porque as investidas sobre as redes públicas de ensino básico continuam, como é o caso do Rio de Janeiro.

Nas universidades federais, as aulas presenciais foram suspensas para o ano civil de 2020. Entretanto, a luta se volta para outro mote… Uma mobilização acerca do ensino remoto vem se desenvolvendo desde os primeiros dias de abril. Mesmo tendo o apoio da direção do ANDES-SN, a luta tem sido encaminhada, infelizmente, de forma um tanto isolada, muito em função da autonomia universitária que impõe um ritmo próprio para cada instituição, em função das demandas estabelecidas por cada reitoria. Assim, cada seção sindical tem encaminhado a sua ação de resistência à implementação do ensino remoto. Ou não…

De tal modo enxergo o caso de algumas universidades federais e de suas representações sindicais…

A proposta de ensino à distância já está colocada há muito tempo nas universidades, pois vem penetrando aos poucos com a Universidade Aberta do Brasil e no caso do estado do Rio de Janeiro, com o consórcio CEDERJ. E, ainda, com a possibilidade de parte das disciplinas presenciais serem apresentadas à distância. É a precarização de uma educação pública, uma educação de qualidade que não interessa ao grande capital e aos grandes tubarões do ensino e que mesmo em governos mais progressistas vêm avançando em sua implantação.

Além disso, temos vivenciado uma situação bem peculiar nessa conjuntura de crise em que estamos mergulhados, em que parcela da comunidade das universidades federais, sobretudo docentes e técnicos administrativos vêm assumindo as preocupações da classe média mais conservadora ao acatar suas reivindicações no sentido de oferecer aulas nesse momento pandêmico, quando devíamos, na verdade, estar mais preocupados em garantir condições de sobrevivência e de saúde para nossos estudantes e funcionários.

Então, pretendo apresentar de forma resumida um pouco do que tem sido esse processo de implantação do ensino remoto. Ele se desenrola a partir da portaria do MEC 544/2020 que estabelece a substituição de aulas presenciais por aulas à distância, enquanto perdurar a crise pandêmica do coronavírus. A partir desse dispositivo legal e de outros baixados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), Governo Federal e outros órgãos da Saúde, as universidades deram início a um processo de debate acerca do oferecimento, ou não, do ensino remoto.

De formas muito semelhantes, algumas universidades federais organizaram grupos de trabalho para que cada instituição pudesse discutir e elaborar um projeto do ensino remoto. Em algumas, tais grupos de trabalho foram formados a partir da indicação das administrações superiores de especialistas do próprio corpo docente na questão da EAD. Houve ainda alguns casos em que estruturas já existentes na instituição, caso do Núcleo Docente Estruturante (NDE), foram utilizadas para desencadear tal debate.  As universidades, mesmo se arvorando em apregoar seu caráter democrático de decisão em suas instâncias, não promoveram eleições de seus pares para compor as comissões. Em alguns casos, as reitorias sequer ouviram as diferentes unidades que compõem a universidade, sejam as coordenações de curso ou os departamentos aos quais os professores estão vinculados. Em muitos casos, os técnicos-administrativos mal tiveram assento em tais grupos. Enquanto a participação de discentes foi pouco representativa. Podemos concluir, assim, que compunham tais grupos de trabalho funcionários vinculados ou afinados ideologicamente às reitorias. Ou seja, formaram-se câmaras de notáveis responsáveis por determinar os rumos da educação em plena crise pandêmica.

Aqui cabe demarcar que o projeto de ensino à distância em meio à pandemia, aproveitando-se do momento de crise sanitária instalada e agravada no Brasil, vem se esforçando para se impor nas instituições públicas de ensino, com o apoio de todo o grande capital, através de suas indústrias de informática e telecomunicações. Essas grandes empresas internacionais, em contratos com as instituições de ensino superior (pra lá de suspeitos em alguns casos), obrigam os docentes a adotar as plataformas privadas que passam a deter direitos autorais sobre as aulas ministradas, sobre as atividades pedagógicas apresentadas durante o período letivo, e sobre todos os recursos pedagógicos e audiovisuais utilizados ao longo do curso, entre outras possibilidades.

E, ao longo de todo o processo, o debate provocou conflitos e tensões entre docentes, sobretudo, mas também em toda a comunidade universitária. E amplificou alguns dos problemas das universidades públicas federais, como a elitização da educação superior, que já foi apresentada ao explicitar a exclusão a que grande parte dos estudantes estará submetida. E, acentuando as nossas condições de ensino já tão precarizadas diante de problemas de acesso e conexão às redes sociais e plataformas.

Como resultado desse processo, constata-se que o ensino remoto nas universidades vem se impondo, em alguns casos, travestido de um processo democrático em que poucos tiveram efetivamente direito de se colocar, e esses foram aqueles que se colocaram desfavoráveis a esse nefasto projeto. A implementação do ensino remoto traz muita insegurança para o mundo universitário. Os docentes não têm segurança quanto aos rumos de sua vida funcional, pois esse tempo pode não ser computado para a progressão na carreira docente. Os alunos, por sua vez, diante das dificuldades de acesso, podem se deparar com um processo de exclusão ainda maior do que podiam supor, e do que já enfrentam no ensino presencial tradicional. E, os técnicos-administrativos são obrigados a trabalhar em um sistema informatizado que, em grande parte é precário, e não atende à demanda da vida acadêmica.

E, por onde andavam as associações docentes durante o processo? Poucas caminharam democraticamente ao lado de suas bases… Algumas estiveram ausentes em parte do processo ou, disfarçadamente apoiando tal modalidade de ensino, reservando-se a críticas muito pontuais, servindo de mais uma instância de apoio às propostas que partiam seja das reitorias, dos órgãos superiores, ou ainda dos grupos de trabalho, justificando que se fazia necessário dar respostas à sociedade quanto ao nosso trabalho e do serviço que devemos prestar.

O momento é de prestar contas à sociedade, sim, todavia no sentido de demonstrar o cuidado que temos com a vida de nossas comunidades -estudantes, técnicos, docentes e seus familiares, indiretamente afetados – e, garantindo que a educação que se ofereça seja de qualidade, minimizando ao máximo as desigualdades, pois mesmo no ensino presencial ela já está recheada de problemas e precariedades, resultando em muitas dificuldades para muitos estudantes, aprofundando ainda mais o quadro de exclusão social.

Dessa forma estamos assistindo à instalação do ensino remoto nas universidades públicas, e que penso veio para ficar na perspectiva de um ensino à distância que se aproveita da pandemia para se ampliar… O projeto do grande capital para a educação se impõe.

Para finalizar, gostaria de afirmar a plena convicção de que nossa luta no sentido da construção de uma sociedade igualitária, de uma sociedade comunista, precisa compreender que a revolução passa, sobretudo, pela organização popular e sindical. O parlamento é um importante espaço de disputas, mas a construção de uma nova sociedade vai se dar nas ruas… Portanto, precisamos construir as agendas populares e sindicais, sobretudo no campo da educação, de maneira que possam municiar nossos parlamentares, pois a revolução não vai se dar na casa parlamentar. Essa é uma instituição formal na lógica da democracia burguesa, que nós lutamos e pretendemos derrubar!


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