O lulismo e a reabilitação do populismo

A trajetória de um debate intelectual.

Marco Antonio Perruso 3 ago 2020, 18:52

Nos últimos anos, no Brasil e no mundo, parece haver uma intensificação do debate em torno do populismo – o fenômeno e o conceito. Não se trata apenas da crítica ao populismo “iliberal” de direita que ascendeu, em maior ou menor grau, no Estados Unidos, Brasil, Polônia, Hungria. Até porque verifica-se um recrudescimento autoritário genérico dentro das fronteiras, por vezes estreitas, da democracia burguesa em termos institucionais – vide os casos da Inglaterra e de Israel. Trata-se de um endurecimento geral dos regimes do Capital, expresso na personalização do poder: na China, por exemplo, eliminou-se o limite de mandatos para o chefe de Estado (algo comum nos parlamentarismos europeus, é bom que se diga).

Abordamos, aqui, contudo, a retomada de um debate correlato, ao redor do conceitual clássico relativo ao populismo, progressista, dito de esquerda, no Brasil. Resumidamente, este debate se inicia em meados dos anos 1950 na América Latina, a partir de uma crítica às políticas de viés modernizante e nacional-desenvolvimentista, então hegemônicas em várias nações da região. Na história brasileira, a crítica foi, em grande medida, realizada pelo marxismo produzido por intelectuais uspianos: o cientista político Francisco Weffort, o sociólogo Octavio Ianni e outros. Tal crítica forneceu subsídios teóricos e analíticos para o desenvolvimento político de uma nova esquerda, entre os anos 1960 e 70, que resultou no PT e na CUT. Também tornou-se senso-comum, sendo socializada culturalmente à esquerda, mas apropriada ainda pela direita liberal. Já nos anos 1980, historiadores fluminenses, com destaque para Ângela de Castro Gomes, elaboraram uma crítica à categoria “populismo”, re-significando-o positivamente em termos políticos e reconceituando-o como trabalhismo.

Nas décadas seguintes as discussões a respeito ampliaram-se, notadamente porque se formava no período um novo ciclo de governos progressistas na América Latina – aparentados àqueles antes mencionados, que foram interrompidos pelas ditaduras militares do século passado. O arrefecimento da crítica de esquerda ao populismo se agravou, em favor da defesa intelectual de um suposto ciclo de regimes de esquerda, fenômeno nítido no Brasil quando se trata dos governos Lula e Dilma. Ainda assim, se formulou criticamente o conceito de lulismo, por André Singer, prosseguindo com a leitura uspiana do populismo.

Além disso, outras apropriações internacionais da terminologia populista se davam, muitas delas alargando o significado da categoria, por si mesmo motivo de longas e variadas controvérsias. O populismo se referiria então a fenômenos de maior alcance que de certa forma definiam a essencialidade do que é a política. Nesta chave analítica, também positivadora de uma factualidade populista, pode-se considerar que trabalham autores como Chantal Mouffe e Ernesto Laclau.

Neste pequeno artigo analiso preliminarmente essa espécie de reabilitação histórica do fenômeno populista, observando sucintamente a trajetória do debate intelectual em torno do conceito, hoje fortemente condicionado pela conjuntura de ascensão e queda do lulismo no Brasil e do progressismo em geral na América Latina. A análise aqui apresentada se faz a partir de uma sociologia política da contemporaneidade nacional (que acabou nos levando do lulismo ao bolsonarismo), de uma determinada história conceitual do populismo – à maneira de Rosanvallon (1995) – e de minhas pesquisas em pensamento social e político brasileiro. (PERRUSO, 2017)

Lulismo e populismo no pensamento brasileiro

Ao se examinar a trajetória social brasileira no atual milênio, evidencia-se como pode ser útil refletir – e intervir – politicamente efetuando-se uma comparação entre o populismo pré-64 e o lulismo vigente de 2003 a 2016. Esta confrontação é mais produtiva se realizada a partir do pensamento social e político brasileiro, por meio do qual se explicitam as convergências analíticas entre lulismo e populismo, bem como os desencontros – hoje um tanto velados – entre nacionalismo e marxismo em nossa intelectualidade.

A geração petista-cutista nasce nos anos 1970/80 em oposição à esquerda predominante até o golpe militar de 1964 no Brasil, composta pelos comunistas do PCB. Aquela nova esquerda denunciava os pecebistas por terem, a partir dos anos 1960, promovido a conciliação de classes com o populismo/trabalhismo, efetivada por uma aliança interclassista com uma suposta burguesia nacional (ficando os setores populares a reboque dela), em nome de reformas sociais e do combate ao imperialismo. Tal aliança se faria via Estado e acabaria por inviabilizar o fortalecimento autônomo dos movimentos sociais combativos, de forma que o desenlace foi a derrota configurada pelo golpe de 64. Em função dessa crítica, o PT e o novo sindicalismo cutista afirmavam-se enquanto alternativa da classe trabalhadora, a ser construída a partir das bases da sociedade civil. (PERRUSO & NARVAES, 2015)[1]

A geração petista-cutista até os anos 1990, o PCB até meados dos anos 1950, assim como a mais antiga linhagem anarquista, fazem parte de uma mesma tradição cultural da história brasileira, alimentada pelas experiências de exploração e resistência vividas pelas diversas classes populares urbanas e rurais e por vários intelectuais radicais. A oposição às desigualdades sociais inerentes ao nosso capitalismo periférico é a âncora dessa tendência crítica do pensamento social e político brasileiro. Ao contrário dela, que origina-se do mundo do trabalho, outras duas importantes tradições presentes na trajetória histórica nacional se alavancam a partir das experiências de estratos de nossas elites na gestão da ordem burguesa e da dominação de classe. 

Uma dessas tradições tem raízes nas articulações entre elites políticas e econômicas que apostam no Estado como instrumento principal e na Nação como mediador maior para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, desde a escravidão. Esta tradição nacionalista e estatista tem assumido matizes variados no decorrer da história da sociedade brasileira, com representantes seus sendo identificados como anti-liberais, reformistas, autoritários ou democráticos, populistas/trabalhistas, desenvolvimentistas e posteriormente neodesenvolvimentistas – num trânsito que vai da direita até uma centro-esquerda no espectro político corrente de nosso senso-comum. E foi ela que dirigiu a modernização brasileira a partir da Revolução de 1930, rumo à industrialização (daí a importância do Estado e de uma burguesia nacional), ao estabelecimento de direitos sociais, à ampliação da democracia representativa e da participação popular na cena política – ainda que tal participação viesse subordinada a líderes carismáticos externos à classe trabalhadora, caso de Vargas.

No início do século XXI mutação semelhante à do PCB no pré-64 ocorreu com o PT e a CUT, que abandonaram a perspectiva de transformação social radical ancorada nas lutas dos trabalhadores em favor de uma política neodesenvolvimentista que ambicionou retomar o projeto de desenvolvimento nacional via Estado propugnado pelo populismo em boa parte do século XX. No entanto, há aqui uma diferença crucial. Enquanto o PCB foi mero aliado do trabalhismo, a geração petista-cutista, nascida a partir dos movimentos sindicais e sociais de extração popular, é a protagonista de uma nova encarnação daquela tradição que enxerga no Estado-Nação a virtuosidade necessária para dar conta de um desenvolvimento capitalista (que se imagina) capaz de diminuir a persistente desigualdade social brasileira por meio de caminhos modernizantes. Essa adesão ao neodesenvolvimentismo foi incrementada pelos duros anos neoliberais dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). O neoliberalismo e depois o bolsonarismo constituem a justificativa para a moderação programática da geração petista-cutista. O neodesenvolvimentismo é concebido pragmaticamente como a única alternativa possível no contexto de uma conjuntura mundial neoliberal. Em contraposição, de 2003 a 2016 os governos lulistas contaram com o apoio orgânico dos bancos (o capital financeiro), da grande indústria (que precariza o assalariado urbano), do agronegócio (que assassina e escraviza trabalhadores sem-terra, indígenas e quilombolas nos diversos conflitos fundiários e ambientais Brasil adentro), entre outros setores sociais que não condizem com uma política reformista.

O neoliberalismo, por sua vez, é a versão moderna de outra tradição brasileira radicada na experiência social de elites brasileiras, notadamente as econômicas. A direita liberal aposta centralmente no mercado e no indivíduo (na figura do empreendedor burguês) como entes fundamentais de nossa modernização capitalista. De passado escravista e rural, esta linhagem transita sem problema entre regimes ditatoriais e democrático-representativos. O que, por si só, revela a contradição entre o plano discursivo em que opera – predominantemente liberal-democrático e infenso ao Estado – e a dimensão prática marcada por suas relações com a escravidão, a superexploração, a precarização e a informalização do trabalho, o patrimonialismo, o clientelismo político. Liberais e neoliberais brasileiros sempre mostraram dependência em relação ao Estado.

Face a essa convergência para o Estado, incômoda para os liberais e adequada para os nacionalistas, não é estranho que as tradições (neo)liberal e (neo)desenvolvimentista tenham se apresentado combinadas em alguns períodos históricos, como foi o caso da ditadura civil-militar (1964-1984). Em tais ocasiões, o represamento da insatisfação popular acaba por ficar ainda mais coeso. Contudo, no que tange à tradição de lutas sociais dos “de baixo”, a trajetória histórica brasileira indica que a possibilidade de enfraquecimento da autonomia dos movimentos dos trabalhadores e da independência de classe tem mais chances de se efetivar a partir da aproximação da esquerda com o Estado e o seu primado do desenvolvimento nacional – como se deu com o pecebismo no pré-64 e com a geração petista-cutista no século XXI. Ou seja, não é o mercado (caracteristicamente excludente), mas o Estado-Nação o espaço social politicamente mais sedutor para os representantes das organizações dos trabalhadores e demais setores populares. Para nós da esquerda, esta é uma importante lição histórica.

De qualquer maneira, tanto liberais como nacionalistas/estatistas comungam de uma mesma interpretação dualista do Brasil, ainda que com sinais invertidos. Ambos perfazem uma leitura que opõe o Brasil do progresso – o mercado para os primeiros, o Estado-Nação para os segundos – ao Brasil do atraso – o mercado para os nacionalistas/estatistas, o Estado-Nação para os mercadistas.

Em uma perspectiva analítica anti-dualista, marxista e de esquerda, na qual se visualiza a combinação dialética entre moderno e tradicional, é possível efetuar uma crítica radical a essas duas tendências hegemônicas do pensamento social e político brasileiro. Os dualismos liberal e nacional-estatal devem ser questionados na medida da possibilidade de suas ênfases analíticas, aparentemente antitéticas, no mercado e no Estado-Nação expressarem tão somente momentos ou aspectos, diferentes porém interligados, da trajetória de nosso capitalismo periférico.

Francisco Weffort e Francisco de Oliveira trazem evidências aparentadas neste sentido. O primeiro apontando o fato de o populismo, referido ao Estado-Nação, ter sido hegemônico em nossa sociedade justamente quando nossa industrialização avançava impulsionada em boa medida pelo capital internacional, isto é, pelo imperialismo. (WEFFORT, 1980, p. 37-39) O segundo destacando que essa industrialização – proposta pela ideologia populista de maneira a erigir uma nova hegemonia burguesa sobre as demais classes sociais no Brasil entre 1930 e 1964 – se acelerou após a Segunda Guerra Mundial, em cenário completamente desfavorável à substituição de importações tão cara às políticas econômicas de inspiração estatal-nacional. (OLIVEIRA, 1972, p. 9 e 33-34)

Por conseguinte, estabeleço – seguindo Arantes (1996) – que as interpretações dualistas a respeito do Brasil, a liberal e a estatal-nacional, sempre serão insuficientes para explicar o que somos, ainda que em graus diversos. O pensamento erigido em função do mercado tem notória dificuldade em pensar nossa sociedade fora do esquadro do capitalismo europeu e estadunidense considerado típico-ideal (OLIVEIRA, 1972, p. 6-7), insistindo sempre na miragem de “um ‘Ocidente’ indiferenciado”. (RICUPERO, 2013, p. 541-542) Por sua vez, o pensamento alavancado socialmente pelo Estado-Nação, com vistas à meta modernizante, consegue conceber nossa originalidade, ainda que todas suas variantes reformistas – keynesianismo, populismo/trabalhismo, nacional-desenvolvimentismo, cepalismo, entre outras – acabem apenas fazendo oscilar o pêndulo para o outro lado da gestão burguesa da dominação. (OLIVEIRA, 1972, p. 5-7) E ao eleger o Estado como redentor da Nação, que alcançaria o que mercado se mostrava incapaz de realizar, escondia a quem ele servia (à ordem do Capital), fabricando um “socialismo dos tolos” (OLIVEIRA, 1972, p. 14) que omitia o sujeito da mudança social sob o capitalismo, as classes trabalhadoras.

É o pensamento social e político ancorado nas movimentações dos setores populares, em permanente diálogo com as lutas dos “de baixo”, que possui condições de interpretar o Brasil em termos dialéticos, anti-dualistas, destrinchando a secreta combinação entre tradicional e moderno existente na exploração e dominação a que esses setores estão submetidos historicamente na periferia do capitalismo. Exclusivamente um marxismo continuamente oxigenado pelos movimentos sociais e sindicais – e em diálogo com outras matrizes teóricas apropriadas pelos segmentos subalternizados em seu cotidiano – é capaz de propiciar a construção de alternativas políticas e organizativas anticapitalistas e socialistas. De costas para o mercado, mas também precavida diante dos mecanismos de cooptação e acomodação por meio dos quais o aparato estatal transforma lideranças políticas em burocratas e pelegos, a esquerda poderá persistir em sua missão de expressar as necessidades e os anseios dos trabalhadores.

Marxismo e anti-dualismo no pensamento brasileiro

A conversão do pensamento social e político vinculado à geração petista-cutista ao padrão de reflexão impulsionado pelo Estado-Nação, ocorrida no início deste século, envolve um paradoxo, verdadeira ironia da história. PT e CUT, que nasceram anti-populistas, em consonância com a desconstrução analítica do dualismo promovida pela ciência social uspiana (ARANTES, 1996, p. 31), protagonizam (ainda mais a partir da crise do lulismo desde 2015) um retorno aos dualismos – moderno x tradicional, progresso x atraso. E muitas são as obras (de autores como Jessé Souza) produzidas no âmbito da indústria cultural lulista que investiram no dualismo.

Como já colocado, o neodesenvolvimentismo lulista repete, largamente, a adesão ao nacional-desenvolvimentismo por parte do PCB no pré-64, mas com um agravante: o faz em pleno novo milênio, já fazendo meio século que a natureza do capitalismo brasileiro fora revelada pelas interpretações anti-dualistas do Brasil, justamente por intermédio da crítica marxista ao populismo. Decerto que a força dos movimentos sociais em cada momento histórico estimula a esquerda a elaborar intelectualmente diagnósticos radicais e anti-dualistas. Entretanto o que ocorrera nos anos 1950/60 não se deu na década de 1990, quando houve um refluxo das lutas populares (aos menos se compararmos com as duas décadas anteriores), o que propiciou à geração petista-cutista inclinar-se na direção do Estado-Nação e das correlatas interpretações dualistas do país.

Assim como o PCB em nome do socialismo defendeu em parte de sua existência o desenvolvimento capitalista de orientação estatal-nacional, o campo discursivo petista-cutista foi deixando de enfatizar seus valores originais socialistas e obreiristas (estes últimos aqui considerados em chave positiva). Manteve, porém, sua mística de representante dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que, sob um manto crítico ao neoliberalismo (referido fortemente ao mercado), passou a operar sob o nexo do que Caio Prado Jr. (1987) chamava de capitalismo burocrático. Desta maneira, arrefeceu sua vocação anti-populista, bem como seu “empenho em transferir a ênfase da nação para a classe” na configuração da esquerda brasileira. (MUSSE, 2015, p. 419) Distanciava-se, então, da linhagem do marxismo nacional de que parcialmente descendia, o trotskismo. Este evitava atuar exclusivamente nos marcos da sociedade burguesa, entendia que as tarefas democráticas não deveriam se tornar um fim em si mesmo que ofuscasse o objetivo maior da ruptura socialista, se recusava a ser instrumento deliberado de aperfeiçoamento do nosso capitalismo por meio da conciliação de classe e intentava sempre a autonomia dos movimentos da classe trabalhadora. (KAREPOVS & NETO, 2007, p. 117 e 123-124; MATTOS, 2007, p. 219-220) Como bem resume Ricardo Musse a respeito do abandono, pelo PT, das “expectativas, já debilitadas, de desenvolvimento nacional fora da ordem capitalista”:

A deliberação, de início tateante, depois resoluta, a favor da conciliação entre capital e trabalho; a atenuação das vertentes anti-capitalistas; a prevalência da nação ante a classe, tudo isso compõe um novo cenário que recapitula tanto a trajetória trilhada pelo PCB, sobretudo no decênio 1954-1964, como os caminhos adotados pelos partidos da Segunda Internacional no início do século XX. (MUSSE, 2015, p. 420)

Deste modo, o PT do século XXI “reitera sua consonância com a experiência histórica do marxismo brasileiro”. (MUSSE, 2015, p. 419) Todavia, o lulismo, compreendido como fruto da conversão do campo militante petista-cutista ao universo ideológico polarizado pelo Estado-Nação, apresenta três propriedades inéditas na história brasileira.

A primeira é o fato de um partido nascido da crítica ao populismo ter a ele se convertido (por óbvio, isto não seria possível com o PCB) – o que só reforça a leitura anti-dualista da singularidade de nosso capitalismo e de nossa burguesia de orientação estatal-nacional. Capazes de inverter o sentido histórico de um acúmulo tão original das lutas dos trabalhadores como foram o PT e a CUT. Em segundo lugar, o lulismo inova em relação ao populismo do pré-64 ao não demandar um líder carismático de fora da classe trabalhadora para supostamente representá-la. O mesmo não se deu com o PCB aderente ao varguismo – e que apresentava, como seu líder máximo, Prestes, a quem faltava origem propriamente operária. Por fim, os governos lulistas quase nenhum óbice opuseram aos tradicionais alvos (efetivos ou meramente retóricos) do nacional-desenvolvimentismo: o latifúndio (agora transmutado em agronegócio) e o imperialismo. Estes dois, ao contrário, sustentaram o neodesenvolvimentismo lulista e suas altas taxas de crescimento econômico, reafirmando a atualidade da combinação de atraso e moderno que move o capitalismo nacional – evidenciada pela convivência de nossas modernas empresas privadas e do próprio Estado com a precarização e a superexploração do trabalho.

O juízo analítico de Musse que ora mobilizo pode nos remeter à classificação que Prado Jr. efetuou no clássico A Revolução Brasileira, onde designa como “capitalismo burocrático” a aliança entre a burguesia encastelada na institucionalidade do Estado-Nação e a esquerda burocratizada justamente pela proximidade com ele. Em oposição, há o “capitalismo ortodoxo”, que se refere ao nosso liberalismo e à dimensão do mercado. (PRADO JR., 1987, p. 177-181) Tal diagnóstico de Prado Jr. seria exemplar do que aponto quanto à relação entre pensamento e classes populares. Impulsionada pela movimentação social pré-64, pela resistência contra a ditadura e pelo necessário ajuste de contas com o PCB e o populismo, sua reflexão social e política desnudava a dupla face da nossa dominação burguesa. Como alternativa, propunha a organização dos trabalhadores como prioridade para a esquerda. Desta forma, seria possível romper a dinâmica de disputa, sempre contrária aos interesses dos segmentos populares, entre Estado-Nação e mercado, bem como reinaugurar expectativas para o socialismo. (PRADO JR., 1987, p. 181-183)

A propósito, Prado Jr. foi um dos pioneiros na reflexão social e política brasileira que reserva para nossas classes populares um papel necessariamente decisivo nos processos por que passa a história nacional. Após o golpe militar de 1964, na mesma obra acima citada, ele indicava que apenas a classe trabalhadora rural seria capaz de eliminar nossos resquícios coloniais, em aliança com o operariado urbano. Ademais, propugnava de modo mais amplo a organização autônoma de nosso proletariado, por meio do movimento sindical, como pré-requisito para a modernização societária nacional. (PRADO JR., 1987, p. 171-176) Ia de encontro, pois, às construções populistas e pecebistas em torno do “povo”, as quais receitavam a imersão dos trabalhadores no seio de uma aliança poli-classista com a burguesia nacional e os intelectuais pequeno-burgueses como fórmula capaz de nos modernizar, através do desenvolvimento nacional comandado pelo Estado.

Como já mostrava Weffort, a noção de “povo”, o qual seria o substrato de qualquer sociedade nacional moderna, omite as contradições de classe, além de supor, sem a devida apuração, que o povo se constitua enquanto uma comunidade. (WEFFORT, 1980, p. 37-38) Já Chico de Oliveira denunciava que nosso populismo nacional-desenvolvimentista subestima ou ignora as oposições entre as classes sociais de uma sociedade, em favor da oposição entre as nações. (OLIVEIRA, 1972, p. 8)

Do mesmo modo que Prado Jr., Weffort, em seus trabalhos originais a respeito do populismo e do movimento operário no Brasil, situa com absoluta centralidade as classes populares numa interpretação – e interpelação – do Brasil. Ele assim o fez ao argumentar que os setores dominantes da sociedade brasileira sempre buscaram compromissos conciliatórios que evitassem algum protagonismo social e político das massas populares (WEFFORT, 1980, p. 15) e ao formular que o desenvolvimento capitalista industrial no Brasil colocou um desafio comum a outras sociedades, qual seja, como incorporar à democracia as massas em ascensão. (WEFFORT, 1980, p. 17) De fato, a partir desses dois autores, o pensamento social e político nacional passou a observar e ponderar de outra maneira as potencialidades dos trabalhadores e de seus movimentos na estruturação de nossa formação social.

É nessa sintonia que Weffort salienta ser o período de 1930 a 1964 marcado pela iniciativa de frações das classes dominantes representarem amplos segmentos das massas populares na cena política nacional, configurando uma das propriedades fundamentais do populismo. (WEFFORT, 1980, p. 15) Este é legitimado enquanto sistema ou regime político na proporção em que parcelas significativas dos setores populares aceitem ser representadas no plano democrático-burguês por membros de outra classe social – por isso mesmo, caracterizando uma representação indireta. (WEFFORT, 1980, p. 23-24 e 67-68)

É essencial pontuar que essa manipulação legitimada de uma classe por outra consiste, também, em manifestação essencial das pressões das classes subalternizadas por espaço político, direitos sociais e maior retribuição do trabalho. (WEFFORT, 1980, p. 62-63) Tal dubiedade ou dupla significação do fenômeno político populista foi explorada posteriormente por Ângela de Castro Gomes e outros historiadores na redefinição e inovação conceitual do trabalhismo.

Por outro lado, registre-se que a representação política de uma classe por um membro de outra, efetivada pelo líder populista (WEFFORT, 1980, p. 73), foi a regra no populismo varguista original mas não se deu com o lulismo. Provável sinal de que a lógica populista opera também num plano cultural ou simbólico que pode ir além das materialidades societária e política examinadas privilegiadamente por Weffort.

Os parâmetros marxistas da teorização uspiana sobre o populismo ficam visíveis na análise de classe que a obra de Weffort traz. Há a inspiração no bonapartismo conceituado por Marx (ocasião em que Ruy Mauro Marini é mencionado – Weffort, 1980, p. 70): o chefe do governo populista assume a posição de árbitro, confundindo-se com o Estado, funcionando o carisma como solução para limites e dificuldades na hegemonia exercida pela emergente burguesia industrial diante da antiga oligarquia agrária – quer na ditadura quer na democracia. (WEFFORT, 1980, p. 61 e 67-69) Há o realce do fato de as massas passarem a atuar politicamente inicialmente por meio do voto, mas – seguindo-se a tradição marxista clássica – entendendo-se que a democracia representativa compõe apenas a parte menor da expressão política dos trabalhadores. Como se sabe, a parte mais importante é a sua organização autônoma através de sindicatos e partidos (democracia participativa). Não por acaso, Weffort critica o cupulismo sindical e a performance do sindicalismo associado a grupos no interior do Estado populista – tal qual Prado Jr. ao elaborar seu conceito de capitalismo burocrático. Os sindicatos funcionavam antes como mediadores entre o poder político e os trabalhadores do que como organizações autônomas de sua classe. (WEFFORT, 1980, p. 20)

A inovação analítica consistia em determinar que o populismo é também a expressão política de uma classe massificada, isto é, sem suficientes organização autônoma e consciência de si. A massificação era resultante do processo de industrialização, que, na transição do mundo rural para o moderno meio urbano, deixava os trabalhadores disponíveis, sem os vínculos de dependência tradicionais (como os do coronelismo, por exemplo). Na sequência, o trabalhador massificado passa a seguir um líder populista e carismático. (WEFFORT, 1980, p. 26-27) De modo que, em nosso capitalismo periférico, as relações de classe esperadas não se efetivaram como na experiência histórica européia – “clássica” – e no marxismo ortodoxo, sendo substituídas pela identificação da massa com o líder populista e o Estado, os quais aparecem como doadores de direitos sociais. (WEFFORT, 1980, p. 66 e 72) O que não foi contemplado por Weffort é a possibilidade de que esta relação hierárquica fulcral do populismo (a qual evoca a dádiva de Mauss) não seja específica dos processos de modernização, mas uma modalidade de vínculo político possível de ser acionada em diferentes situações nas variadas formações sociais capitalistas contemporâneas.

Prosseguindo na baliza analítica classista, Weffort indica que o populismo envolve, intrisecamente, uma consagração pequeno-burguesa do Estado – sendo este, nos regimes populistas, um Estado de compromisso, operando sob a lógica da menor resistência popular ou social. (WEFFORT, 1980, p. 42 e 69-71). A estatolatria inerente ao populismo e ao nacional-desenvolvimentismo impõe que a ação política seja exercida – e concebida! – de “cima para baixo”, como se o Estado conformasse a sociedade, estando acima dela. Na verdade, as políticas populista e nacional-desenvolvimentista nascem no interior do Estado, dele são dependentes e a ele se devotam. (WEFFORT, 1980, p. 40-43 e 65-69) Uma lição marxista e socialista, repudiada pelo populismo e convenientemente esquecida pelo lulismo, é que a sociedade civil de extração popular é o lugar de construção autônoma dos trabalhadores enquanto classe.

É preciso, ainda, registrar um momento crucial das reflexões de Weffort (1980, p. 21-22). Ele chama atenção para a superioridade de nosso sistema populista inaugurado em 1930 sobre o regime liberal-oligárquico anterior, uma vez que naquele os interesses das massas populares, notadamente as urbanas, passaram a ser levados em conta na cena política. Por ser mais includente, todo regime populista – mais amplamente, todo fazer político de embocadura estatal-nacional – tende a ser mais democrático que os de filiação liberal.

Nelson Werneck Sodré, importante figura da convergência entre marxismo e nacionalismo na segunda metade do século passado, explicitava este postulado democrático do populismo, o qual defendia. (SODRÉ, 1967, p. 207-208) No entanto, trata-se aqui do plano democrático-burguês, especialmente da democracia representativa, não da perspectiva dos trabalhadores e da democracia participativa, a qual a esquerda e o marxismo privilegiam se inserir. Talvez falte às definições do populismo dar conta desse componente democrático em suas limitações, visto que seu apelo popular implica um controle vertical da participação política do “povo”.

Aquela superioridade é ressaltada por outros intelectuais fundadores da ciência política brasileira, como Bolivar Lamounier e Wanderley Guilherme dos Santos. O primeiro aponta que a ideologia de Estado por ele categorizada em trabalho clássico (1977, p. 372-373) – a política nacionalista, nos termos que mobilizo neste artigo – implementa uma receita sócio-econômica que pode efetivamente levar a ganhos generalizados, ainda que desigualmente distribuídos entre os diversos grupos sociais. Diagnóstico semelhante é efetuado por Santos (1978), que tornou paradigmática uma leitura nacionalista do Brasil, fornecendo primazia analítica e valorativa ao que autores críticos denominam como populismo. O varguismo e o lulismo são as maiores referências históricas nessa direção.

Nos parâmetros marxistas, que priorizam epistemicamente as classes trabalhadoras na estruturação do social, as realizações positivas do populismo não podem ser obra senão da agência sociológica dos “de baixo”. É o que verifica-se em Weffort (1980, p. 67), para quem os méritos populistas – que ele mesmo ressalta – devem ser creditados às lutas sociais protagonizadas pelos setores populares no pré-1930. Assim, ao remar contra a corrente da tradicional visibilização que nosso pensamento social e político confere aos homens brancos – de Estado ou de negócios – das elites dirigentes nacionais, Weffort deixava nítido que se fazia necessário, metodologicamente, mudar a mirada sobre os grupos que compunham a sociedade brasileira, proporcionando centralidade ontológica aos subalternizados na interpretação do país.

Neste enquadramento intelectual e político, as relativas melhorias sociais alcançadas no século XXI sob o lulismo devem ser encaradas como resultante das mobilizações populares efetivadas pelo novo sindicalismo e pelos novos movimentos sociais dos anos 1970/80, que originaram o PT e a CUT, não dádivas propiciadas por Lula uma vez ocupado o Palácio do Planalto.

Como é sabido, tais melhorias conquistadas pelos trabalhadores nas últimas décadas hoje estão a perigo (de fato, desde a crise mundial de 2008 e os governos Dilma). As contradições da política lulista nos legaram o interregno com Temer e, a seguir, o bolsonarismo que vivemos atualmente. Ao contrário de muitos da esquerda, no PSOL e fora dele, entendo que o diagnóstico da situação vigente pode ser procurado na crítica marxista ao populismo – que subsidiou os nascimentos do PT e do próprio PSOL.

Os populistas/trabalhistas se iludem facilmente com a pretensão, e a impressão, de que sua política fala a todo o “povo” – daí ser impossível a eles organizar a classe trabalhadora. Foi o que aconteceu no desenlace representado pelo golpe de 64 – que só teve reação posterior por meio da luta armada da esquerda. Como aponta Weffort (1980, p. 43), na verdade o populismo foi, no século XX, uma nova forma de conciliar os grupos políticos dominantes na democracia burguesa, mas que sucumbiu às suas próprias contradições. Como o Estado populista busca resolver os conflitos de classe através da conciliação, tarefa reconhecidamente impossível (o que se evidencia mais cedo ou mais tarde), ele resta paralisado. Essa inanição o fez sucumbir sob ataque dos conservadores, da mesma forma que ocorreu com o lulismo cerca de meio século depois. Nos dois casos viviam-se crises econômicas, havendo perdas generalizadas a serem geridas – terreno desfavorável ao populismo.

O foco crítico do diagnóstico para o marxismo deve ser esse – o que não temos visto na esquerda brasileira por ocasião da decadência lulista a que ainda assistimos. A reabilitação do lulismo por intelectuais progressistas – vários dos quais se opuseram aos governos do PT – mostra que muitos na esquerda estão perdidos. Destarte, alguns chegam a repetir o posicionamento de intelectuais como o antes citado Nelson Werneck Sodré, para quem a responsabilidade pela derrota de 1964 deveria ser debitada à esquerda radical “pequeno-burguesa”, que teria ousado ir além do populismo – a respeito, veja-se Silva-Santos, 2016, p. 81.

O lulismo investigado como populismo

Vários autores já pesquisaram as similaridades entre o lulismo e o populismo pré-64, bem como já pensaram o lulismo à luz da teorização marxista do populismo no Brasil. Vanilda Paiva (2017, p. 280), por exemplo, afirma: “Lula manteve sua comunicação com as massas sem intermediários nem competidores e radicalizou este aspecto do populismo.” Esta passagem, contudo, aproxima-se da crítica liberal à política populista, a qual enfatiza as instituições e teme o carisma de lideranças populares que cultivam o paternalismo e a demagogia. Em outro momento, ela aponta empiricamente a convergência entre o lulismo e o varguismo, que explicitou-se cada vez mais: “em ato da Frente Brasil Popular contra o impeachment em São Paulo, Rousseff discursou evocando as figuras de Vargas e de Goulart, fazendo analogia entre as três situações”. (PAIVA, 2017, p. 284)

Por seu turno, Ruy Braga, na interface entre a sociologia do trabalho e uma sociologia política, e baseando-se na tradição analítica uspiana (da qual é um representante contemporâneo), indica que “é o aparelho de Estado” o lócus do “consentimento ativo ao lulismo”. (BRAGA, 2012, 87-88 – itálico do autor) Prosseguindo e atualizando a crítica anti-populista de Weffort, ele nota que “sujeitos políticos foram transformados em parceiros do Estado”, mas num contexto mobilizatório, o da transição entre os séculos XX e XXI, inferior ao vigente nos anos 1950-60: “A arquitetura institucional para a absorção da combatividade sindical em benefício da participação no aparelho de Estado garantiu um contraponto à estagnação do poder de mobilização das bases pelos sindicatos.” (BRAGA, 2012, p. 63)

Como que evocando o conceito de capitalismo burocrático de Prado Jr. e fundamentando-se nas elaborações inovadoras de Chico de Oliveira, Braga demonstra como os sindicalistas lulistas “foram absorvidos pelo aparelho de Estado e pelos fundos de pensão” nos governos federais do PT, “transformando-se em verdadeiros administradores do investimento capitalista no país”, deixando assim “de representar os interesses históricos dos trabalhadores”, de maneira que constituíram uma “burocracia sindical que rapidamente está se transformando em uma nova burguesia de Estado”. (BRAGA, 2012, p. 58-59) Todavia, assim como o varguismo, as contradições do lulismo foram se avolumando, conforme preceituaria a análise weffortiana, explodindo ao fim em junho de 2013, que “inaugurou o colapso do consentimento passivo das classes subalternas ao projeto de governo lulista” (BRAGA, 2012, p. 90) – colapso este que foi aproveitado pela extrema-direita face à acomodação de boa parte da esquerda.

A comparação mais conhecida e importante entre os populismos brasileiros de ontem e hoje é a que estabeleceu o próprio conceito de lulismo, por André Singer, quem de antemão referiu-se à teorização weffortiana clássica como inspiração de sua análise, demarcando ainda a diferença para as leituras liberais a respeito (como a de Fernando Henrique Cardoso já nos anos 1990/2000): “A visão ‘cognitivista’ do lulismo exclui a visada de classe, desde a qual Francisco Weffort analisou, em sua época, o populismo varguista, e que atualizada permite, a meu ver, entender o lulismo.” (SINGER, 2012, p. 33) Aqui se afirma desde já o caráter crítico ao fenômeno populista, inerente à elaboração original da categoria “lulismo”. Sem dúvida que o prestígio social dos governos do PT – hoje restrito a uma intelligentsia universitária e burocrática – dificultou uma recepção mais favorável do conceitual em torno do lulismo. Outra conseqüência reside no fato de diversos intelectuais compromissados com a adulação a Lula e aos governos do PT tomarem a iniciativa de atacar o legado do marxismo uspiano, ao mesmo tempo reabilitando o populismo em termos teóricos e políticos.[2]

Na operação teórica que Singer perfaz, é visível a homologia entre as propriedades do populismo pré-64 e as do lulismo:

o lulismo representa a criação de um bloco de poder novo, com projeto próprio (…) [expresso em um] poder aparentemente acima das classes que leva adiante a integração do subproletariado à condição proletária, assim como o varguismo soldou os migrantes rurais à classe trabalhadora urbana por meio da industrialização, da CLT e do PTB. (SINGER, 2012, p. 45 – itálico do autor)

A seguir, é fácil verificar nessa relevante obra o transformismo do PT e da CUT em direção ao lulismo, o deslocamento da perspectiva socialista à realidade populista, a transposição do campo popular dos movimentos sociais à órbita institucionalizante do Estado-Nação – conforme os termos que utilizo em minhas pesquisas sobre o pensamento brasileiro. O PT “já vinha mudando de orientação programática desde 2002” e não seria mais “um partido de classe, mas do povo” (SINGER, 2012, p. 74 e 73, respectivamente):

Entre a eleição de 2002, entendida como sendo a da demorada ascensão da esquerda em país de tradição conservadora, e a reeleição de Lula por outra base social e ideológica, em outubro de 2006, operou-se uma transformação decisiva e que se faz necessário entender. (SINGER, 2012, p. 63 – itálicos do autor)

Singer não se limita a creditar a Weffort a teorização que atualiza por meio do lulismo. Ele realça a antecipação marxiana da idéia de populismo, que constaria de O 18 de Brumário de Luis Bonaparte: “a projeção de anseios numa figura vinda de cima, que deriva da necessidade de ser constituído enquanto ator político desde o alto, é típica de classes ou frações de classe que têm dificuldades estruturais para se organizar”; estes setores “aparecem na política (…) sem aviso prévio, sem a mobilização lenta (e barulhenta) que caracteriza a auto-organização autônoma das classes subalternas”. (SINGER, 2012, p. 59 – itálico do autor)

Por fim, a novidade do lulismo em relação ao varguismo, em termos da origem de classe da liderança carismática, sobre a qual chamei atenção antes, aparece explicitamente na formulação do criador do conceito em tela: “o discurso popular ganha uma legitimidade que talvez não tenha tido na boca de estancieiros gaúchos”. (SINGER, 2012, p. 83) Dado, porém, que a relação hierárquica entre líder e povo é inerente ao populismo, talvez essa maior legitimidade seja menos eficaz para as massas populares (que em parte trocaram Lula por Bolsonaro) e mais eficiente na manutenção da mística socialista do lulismo que tanto ilude a parte do PSOL que passou a orbitar o PT.

Singer (2012, p. 83) também percebe que as afinidades entre lulismo e populismo agitariam nossa cultura política: “Não espanta que o debate sobre o populismo tenha ressurgido das camadas pré-sal anteriores a 1964, onde parecia destinado a dormir para sempre”. É o que abordo a seguir, com as devidas nuances.

O debate e a reabilitação do populismo

O debate crítico ao conceitual e à terminologia populista se dá, cronologicamente, antes e depois dos governos do PT – do lulismo, portanto. Nos anos triunfantes do lulismo ele parece ter se dado moderadamente. Com sua crise e a decorrente queda, talvez tenha se intensificado e adquirido tons mais drásticos e maior capilaridade no debate público de viés mais ilustrado.

Nos anos 1970 e 80, nossa corrente intelectual nacionalista, diante do prestígio do marxismo uspiano e da ascensão da geração petista-cutista na política brasileira, perfez a crítica à categoria “populismo”, bem como a correspondente defesa do fenômeno. Após sua síntese teórica via ISEB, na época em que era hegemônico, o pensamento de embocadura estatal-nacional teve continuidade de matiz acadêmica, através do IUPERJ, hoje IESP (importante centro de pós-graduação em sociologia e ciência política), quase sempre na esteira da paradigmática leitura nacionalista da história brasileira elaborada por Wanderley Guilherme dos Santos (antes mencionada). O contexto aqui era outro, diverso do de São Paulo, pois nos anos 1980 e 90 havia o brizolismo no Rio de Janeiro: era forte ainda o legado trabalhista, assim como do antigo pecebismo. Em terras fluminenses, as rupturas entre a “velha” e a “nova” esquerda não eram tão nítidas quanto na trajetória paulista.[3]

É com a inovação analítica promovida por Ângela de Castro Gomes, quem estabelece o conceito de trabalhismo (no seu doutorado em ciência política no então IUPERJ, orientada por Santos), que aviva-se a crítica à teorização uspiana do populismo. Sua tese, defendida em 1987, torna-se obra clássica em livro no ano seguinte: A invenção do trabalhismo.

Em artigo posterior, Gomes retoma o debate, recapitulando analiticamente o que fizera:

a idéia era investigar a história da constituição da classe trabalhadora no Brasil, atribuindo-lhe, durante todos os “tempos”, um papel de sujeito que realiza escolhas segundo o horizonte de um campo de possibilidades. A abordagem se recusava a atribuir aos trabalhadores uma posição política passiva, não importando se mais ou menos completa. (GOMES, 2001, p. 46)

O que Gomes talvez não conceba, nesta passagem, é que Weffort, como ela, fazia a crítica ao populismo também do ponto de vista da agência sociológica dos trabalhadores, mas destes articulados em movimentos que ensaiavam ir além do sistema populista já na década de 1960 – como acabaram por fazer autonomamente anos depois, via novo sindicalismo e novos movimentos sociais no Brasil.

Percebe-se que Gomes reconhece tal fato, ao apontar o uso de uma noção cara à teorização do populismo pelo marxismo uspiano:

A categoria “manipulação” é proposta, portanto, não de forma unidirecional, mas como possuidora de uma intrínseca ambigüidade, por ser tanto uma forma de controle do Estado sobre as massas quanto uma forma de atendimento de suas reais demandas. (GOMES, 2001, p. 34)

Todavia, o que acabou prevalecendo, em seu entender, foi “a consagração da versão do populismo como política de manipulação das massas”. (GOMES, 2001, p. 34) Em contraposição ao que seria o legado uspiano, ela assevera que “o populismo não limitou nossa experiência democrática, antes a possibilitou”. (GOMES, 2001, p. 36) Na ótica de um pensamento (e uma ciência) social perspectivada pelas movimentações políticas das classes populares, pode-se alterar essa afirmação, no sentido de que aquela experiência é proveniente essencialmente da ação dos trabalhadores. Pois sob o populismo – que é um sistema que engloba hierarquicamente elites e “povo” – tal ação é limitada dada a falta de autonomia dos setores sociais subalternizados. (Não por acaso, estes almejaram e conquistaram tal autonomia após a debacle do populismo.) Isto é, sob pressão dos “de baixo”, o populismo possibilitou uma experiência democrática limitada – justamente por conciliar com as classes dominantes! – a qual foi ampliada com sua superação, para o que concorreu a teorização marxista anti-populista. Sem lideranças paternalistas, sabemos, certamente a classe trabalhadora pode muito mais.

Atualmente, com o desmoronamento lulista, a emergência do bolsonarismo evidencia os limites das democracias populistas. Uma assertiva de Singer (2012, p. 82) nos auxilia a compreender tal tipo de limitação: “Lula cria um ponto de fuga para a luta de classes, que passa (…) a ser arbitrada desde cima, ao sabor da correlação de forças”. Sem autonomia e independência de classe, não é difícil a tantos segmentos populares trocarem um Messias por outro, Lula pelo Mito, conforme a mudança da conjuntura.

Gomes ainda registra, em crítica à filósofa uspiana Marilena Chauí (1994), que o arsenal conceitual em torno do populismo, ao censurar as classes populares por legitimarem a liderança e o sistema populistas, seria herdeiro, no plano do pensamento social e político brasileiro, das “vozes que, muito antes dos anos 50, na verdade desde o início do século, diagnosticavam o caráter insolidário de nossa sociedade”. (GOMES, 2001, p. 52) No entanto, deve-se afirmar ter sido a própria tradição nacionalista do pensamento brasileiro, de que Gomes também faz parte, a empreender o referido diagnóstico, desde Oliveira Vianna ao menos. Ela, como historiadora influenciada pelo marxismo thompsoniano, examinou, com rigor e criatividade, a recepção e a apropriação do trabalhismo pelo mundo cultural dos “de baixo”. Já outros autores daquela tradição pouca atenção dão à agência sociológica dos trabalhadores na produção das ideias, optando até hoje por pesquisar nosso pensamento social e político corporificado pelos statemakers desde o Segundo Reinado escravocrata.

O debate prosseguiu nos anos 1990. A ele a cientista política Ana Maria Doimo acrescenta um elemento importante, a que já me referi no presente artigo: o pano de fundo configurado pelas mobilizações populares, sob o qual as discussões a respeito do populismo também se dão – de resto, como todo pensamento social e político brasileiro. Nessa década “se registram visíveis sinais de ‘refluxo’ dessas formas de participação” representadas pelos movimentos de caráter autônomo que vicejavam nos anos anteriores. (DOIMO, 1995, p. 74) O enfraquecimento das lutas dos setores subalternizados na cena pública pode facilitar a subestimação de sua agência sociológica no campo dos estudos do pensamento, para não dizer nas ciências humanas como um todo. Quanto ao mérito do debate, Doimo enquadra o populismo em chave inversa à de Gomes. Assim como esta, registra a via de mão-dupla subjacente à noção de manipulação. (DOIMO, 1995, p. 76) Mas não perde de vista que tal noção – embora traga o risco de nublar a análise face a uma possível normatividade relativa ao comportamento político dos trabalhadores e à performance dos movimentos populares – não é essencialmente moralista, por ser sociológica. A agência dos subalternizados e marginalizados anda lado-a-lado com a autonomia dos “de baixo”, não com a parceria desigual com setores das classes dominantes. Por isso Doimo conclui valorizando o pioneirismo intelectual de Weffort:

Ao rejeitar o preconceito incutido nas análises quanto ao “amorfismo” da classe operária ou das “massas”, esse autor abre importante flanco para a recuperação da capacidade ativa do povo, tão logo disseminada e potencializada por inúmeros intelectuais, dentre eles os teóricos dos movimentos sociais, a exemplo de José Álvaro Moisés (…). (DOIMO, 1995, p. 77)

Nos anos 2000 o sociólogo João Marcelo Ehlert Maia também se debruçou sobre a trajetória do conceito em questão, analisando a convergência, nos anos 1960, entre a emergente esquerda crítica do PCB e a escola sociológica paulista – nela incluso o marxismo uspiano. A derrota populista com o golpe de 64 teria dado razão a seus opositores socialistas e revolucionários. Pode-se pensar o mesmo hoje: o fracasso do lulismo a partir do segundo governo Dilma teria igual resultado – o que por ora ainda não se configurou, face às tentativas contemporâneas de reabilitar uma política populista.

Maia (2003, p. 61) indica a utilidade da categoria para simplificar a difícil tarefa de interpretar o Brasil, cumprindo “papel de destaque nas explicações dos nossos ‘desvios’ e ‘anomalias’ modernas”; neste ínterim, “bastava ao sociólogo ou cientista político sacar o ‘populismo’ para tornar inteligível uma aparentemente confusa e desorganizada realidade”. Na mesma direção que Gomes, ele aponta que noções como “manipulação” seriam “obstáculos à compreensão histórica do universo cultural das classes populares produzido pelo populismo”. As observações que fiz a respeito da argumentação dela também se aplicariam a estas colocações de Maia.

Nuançando a trajetória de seus usos, Maia resgata uma interessante e até curiosa crítica à “ideologia populista”, por parte de Santos, em seu Reforma contra Reforma, de 1963. Enfileirando-se momentaneamente à esquerda anti-pecebista e anti-trabalhista, Santos atacou tal ideologia por justificar um compromisso conciliatório de nossas burguesia e oligarquia com o imperialismo e os setores populares. (MAIA, 2003, p. 66-67) Embora seja surpreendente, esse posicionamento do importante intelectual nacionalista se explicaria, a meu ver, pelas mobilizações populares do pré-64, que ameaçavam superar o pacto populista (para usar os termos weffortianos), impactando o pensamento brasileiro de então – o que teria levado Santos, inclusive, a adotar ocasionalmente uma postura radical “pequeno-burguesa”, no dizer de Sodré (aqui estou usando de ironia, por óbvio).

Maia (2003, p. 80) alerta, de modo muito oportuno, que o final impopular dos governos FHC estimulou uma “revalorização de vários itens da agenda ‘populista’ – nacionalismo, desenvolvimentismo, intervencionismo estatal”. De forma que o transformismo analisado neste artigo, do petismo-cutismo ao lulismo, vinha progressivamente germinando:

O que importar reter aqui é a progressiva dissociação entre a prática política que o partido foi construindo ao longo da década de 1990 e a leitura do populismo que estava na raiz da formação intelectual dos seus militantes. A aproximação do partido com atores identificados com o legado varguista, trabalhista e “populista” foi constante ao longo dos oito anos de oposição (…). Não faltaram acusações de setores dissidentes a respeito de uma suposta reedição anacrônica da estratégia nacional-popular do PCB.[4] (…) pode-se interpretar a vitória de Lula nas eleições de 2002, não como uma guinada à esquerda, mas como a retomada crítica e atualizada de uma agenda que havia sido abandonada (…). (MAIA, 2003, p. 80)

Como se vê, a força do Estado-Nação na história brasileira ia se confirmando mais uma vez. Mas não só em nosso país: o populismo talvez esteja sendo reabilitado internacionalmente, em detrimento de alternativas anti-capitalistas, como a única opção diante de um suposto ou real predomínio do liberalismo, do conservadorismo e da direita.

A reabilitação mundial do populismo, enquanto conceito e política efetiva, decerto não obedece à temporalidade do debate nacional, inclusive sendo anterior ao lulismo. Mas aparenta ter se acelerado e aumentado sua audiência intelectual nos últimos anos, por conta de deslocamentos culturais e sócio-políticos análogos. Dois autores centrais nessa reabilitação ou ressignificação são Chantal Mouffe (2018) e Ernesto Laclau (2013), cujas ideias aqui abordo muito sumariamente, exclusivamente na medida em que se coloquem em relevo suas afinidades com o que pontuamos a respeito do populismo no Brasil.[5]

Elenco abaixo alguns componentes presentes nas reflexões de ambos autores, os quais comento sucintamente à luz da análise contida neste artigo.

– há o diagnóstico de que na Europa Ocidental a extrema-direita, nacionalista e xenofóbica, capturou as insatisfações populares diante do capitalismo, da globalização, do neoliberalismo e da financeirização da economia; faz-se necessário que tais insatisfações sejam disputadas em sentido progressista por um populismo de esquerda, de modo a combater a oligarquização da sociedade e a pós-política – no Brasil, acrescento, o mesmo se deu, figurando no papel de agente do status quo o lulismo;

– a esquerda majoritariamente possui uma visão consensual e racionalista da política e da democracia, a qual recrimina as paixões, assimilando-as à demagogia e irracionalidade populistas; consequentemente, ela identifica erroneamente esta direita como fascista, e seus apoiadores como ignorantes carentes de educação, escondendo convenientemente sua própria responsabilidade na ascensão desses extremistas – aqui avulta como esta rica descrição aplica-se perfeitamente ao que vivemos no país: tanto liberais quanto lulistas (que se imaginam de esquerda) atacam de modo um tanto elitista as bases populares bolsonaristas;

– o populismo de esquerda deve ser uma ampla política baseada no povo, contra as oligarquias, pois a multiplicidade de lutas sociais (que incluiria as identificadas como “identitárias”) não permite mais sua subordinação à classificação tradicional do espectro ideológico da direita à esquerda – neste ponto o populismo ofertado enquanto uma terceira via na política (o que nunca deixou de ser, para dizer a verdade) explicita-se, valendo citar mais uma vez Singer (2012, p. 83), a fim de revelar a similitude com o lulismo: “A velha noção de que o conflito entre um Estado popular e elites antipovo se sobrepõe a todos os demais cai como uma luva para um período em que a polaridade esquerda/direita foi empurrada para o fundo do palco.”;

– por conseguinte, o primado da luta de classes deve ser recusado, por ser estereotipado e obsoleto; classes sociais são um referente para as lutas tal qual outros, sendo incapaz por si só de ensejá-las; o lugar de centralidade, no populismo, é ocupado pela vontade política do povo; o retorno ao povo propicia a ampliação dos horizontes – supõe-se que eles estejam restritos pelo radicalismo classista e marxista, o que evoca a crítica de Sodré ao esquerdismo “pequeno-burguês” da oposição socialista e revolucionária ao populismo;

– nesse enquadramento, povo não se define sociologicamente a partir de um grupo social, o qual seria um determinante homogeneizante (por isso inadequado), mas a partir de uma articulação política soberana orientada por múltiplas demandas sociais, visto ser a sociedade contemporânea fundamentalmente heterogênea; a democracia é o ponto fulcral da articulação populista, que não descarta as instituições liberais – eis que é desnecessário insistir na centralidade da categoria “povo” para toda tradição populista, não obstante saltar aos olhos a relevância da defesa da democracia (liberal, representativa, burguesa enfim) em Mouffe e Laclau, tal qual nos populismos brasileiros dos séculos passado e atual, inclusive nos diagnósticos de Gomes e Sodré;

– por fim, a razão e a política populistas remetem à essência da política em si mesma, que difere tanto da política tecnocrática ainda predominante, que a reduz à administração, quanto da política revolucionária que peca por ser utópica – novamente observa-se a repaginação de uma terceira via.

À guisa de conclusão, devo dizer que seria fácil imputar às proposições de Mouffe e Laclau duas características que ambos recusam: a de que a renovação do populismo expressa uma resignação ao capitalismo contemporâneo e uma renúncia ao horizonte socialista. Contudo, na proporção em que seus esforços reflexivos não fogem aos parâmetros intelectuais dos populismos que vigeram até hoje, creio ser forçoso, ao menos por ora, restringir-me a tal desfecho. A noção de heterogeneidade que mobilizam é mais um entre tantos importantes argumentos acionados em outras situações históricas (a paz mundial face ao temor nuclear, a união planetária face ao esgotamento ecológico, etc), os quais pecam por buscar vedar o intento de transformação radical do capitalismo em favor de projetos variadamente conciliatórios.[6] Destaco aqui duas operações intelectuais e políticas que se repetem: a crença de que as mudanças nas formações sociais capitalistas inviabilizam uma ruptura anti-capitalista (alguma delas, ao contrário, não exigem-na?); e a aposta no “povo” em detrimento da classe (trabalhadora, como sempre). Tais concepções, presentes inclusive na direita do PSOL, tornam inexequível qualquer práxis revolucionária.

Tanto no Brasil como no mundo está faltando, ao menos momentaneamente, maior imaginação radical, que nos ajude a olhar para frente, não para trás ou para o lado, como sugerem a reabilitação no populismo, a insistência no lulismo e até o revival stalinista. Certamente a expansão de experiências de movimentação social dos subalternizados ensejará com mais dinamismo a participação democrática para além das esferas de influência do mercado e do Estado-Nação, bem como a reoxigenação do marxismo revolucionário.

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[1] Baseio-me largamente neste artigo para desenvolver a primeira parte do presente artigo.

[2] Como será visto mais adiante, não é o caso dos intelectuais analisados no presente artigo, uma vez que já estudavam o populismo de maneira crítica ao conceito desde antes de o fenômeno lulista emergir.

[3] A respeito, veja-se Perruso, 2009.

[4] Daí poucos anos depois ter surgido o PSOL – hoje ameaçado pelo mesmo transformismo que acometeu o PT.

[5] Para uma discussão mais ampla sobre o populismo, veja-se a bibliografia constante ao final deste artigo.

[6] Isto não quer dizer que o marxismo não demande uma atualização da velha fórmula em torno da “unidade na diversidade”, que sem dúvida urge, a partir do diálogo com múltiplos movimentos e com outros acúmulos teóricos.


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