“Áñez deverá ir embora depois de 18 de outubro, sim ou sim”

Entrevista com Jhonny Pardo, dirigente político boliviano.

Jhonny Pardo 4 set 2020, 19:21

O movimento camponês da Bolívia foi um ator fundamental nos bloqueios de estradas que nas últimas semanas marcaram um novo capítulo da aguda crise política que vive esse país. Brecha falou com um de suas referências para conhecer a visão deste setor sobre a situação política atual.

Depois do fim dos bloqueios que cercaram várias cidades bolivianas durante a primeira metade de agosto em protesto pela postergação das eleições, a Federação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses de Cochabamba se mantém em alerta. Seus integrantes, que fazem parte de um trama de federações camponesas que afirma ter cerca de 4 milhões de filiados, e que apoiam a fórmula do MAS, permanecem mobilizados e em assembleia. Em meio dessa trama, seu secretário executivo, Jhonny Pardo, dialogou telefonicamente com Brecha.

Haverá eleições presidenciais na Bolívia em outubro?

Não confiamos no governo e suas intenções de ir às eleições de 18 de outubro, porque eles somente querem dilatar as coisas. Quando apareceu o coronavírus, acreditaram que isso os favoreceria, mas enquanto passam os dias há mais mortes e miséria no país. O coronavírus veio a agravar as coisas para [a presidenta Jeanine] Áñez. Seu único apoio agora são os Comitês Cívicos, que além disso estão pedindo a renúncia dos porta-vozes do Tribunal Eleitoral. Por isso, pedimos à Assembleia Nacional que frente a qualquer renúncia que se produza no Tribunal imediatamente designe às substituições, porque o governo vai usar isso para buscar novamente para buscar novamente a suspensão das eleições.

O que pode passar se suspendem as eleições de outubro?

A política do MAS não é o golpe de Estado. Este governo tem que se ir expulsado pelos votos. Apesar de que nossos candidatos Luis Arce e David Choquehuanca lideram as pesquisas, nós não confiamos nelas. Porque algumas são pagas por eles mesmos para mostrar empates ou inclusive triunfos ajustados de seus aliados.

A quem se refere quando diz “eles”?

Ao império estadunidense, que quer sustentar a este governo no poder. Já o fez infiltrando recursos e personagens através de organizações como a USAID. A parte da oposição representada por Carlos Mesa e Fernando Camacho cumpre as ordens de Estados Unidos, são como agentes da CIA no território boliviano.

E se há eleições em outubro e a presidenta não quer deixar o poder?

Áñez e o império estadunidense não vão querer entregar o poder em 18 de outubro. Vão fazer o impossível por conservá-lo. Mas nós consideramos que esse dia Áñez deve deixar o governo sim ou sim. A como dê lugar. A partir desse dia, as coisas não serão fáceis para o governo do MAS, sabemos disso, mas estamos preparados para sustentar nossos governantes com o povo mobilizado.

Não vão querer entregar o poder em 18 de outubro. Vão fazer o impossível para conservá-lo. Mas nós consideramos que nesse dia Áñez deve deixar o governo, sim ou sim.

Como vocês lidam com as recentes acusações contra Evo Morales por supostas relações com mulheres menores de idade?

Isso quem tem que decidir é a Justiça. Mas para nós, o governo e seus partidos próximos estão fazendo um uso político das acusações que nós resultam falsas. Usam essas acusações para desacreditar o MAS, o movimento social campesino, os companheiros Luis Arce e David Choquehuanca e em especial nosso companheiro presidente Evo. É política suja.

Vocês estão de acordo com as denúncias de Evo Morales acerca de que o golpe de Estado foi pelo lítio?

Não se esqueça de que quando se produziu o golpe, nosso país havia assinado acordos vantajosos com a Alemanha para explorar o lítio. Mas não é somente pelo lítio, mas por todas as riquezas deste governo junto ao império estadunidense estão saqueando a Bolívia e ao povo boliviano. Foi um golpe econômico com a intenção de despojar também ao povo dos direitos conquistados nos últimos anos junto ao governo de Evo Morales.

Como você vê a unidade do movimento social, levando em conta que nos últimos tempos houve diferenças de estratégia?

As bases se uniram durante os recentes bloqueios e demonstramos ao governo da senhora Áñez que o povo boliviano está unido. É certo que houve desinteligências e mal-entendidos há alguns meses, mas frente às políticas saqueadoras deste governo nos unimos mais ainda. Hoje estamos solidamente unidos atrás dos companheiros que integram a fórmula do MAS.

O que pode ser dito da situação social neste momento?

É grave. Não somente o povo mobilizado vem denunciando o governo. Os crimes de Sakaba e Senkata também foram denunciados pela senhora [Michelle] Bachelet, do organismo de Direitos Humanos da ONU. E o governo de Áñez, através do ministro Arturo Murillo, agora acusa a ONU de não ser imparcial.

O informe de Bachelet também recorda a responsabilidade de Evo Morales na crise, por haver se apresentado nas eleições presidenciais apesar do referendo contra ele.

Mas é que essa decisão do irmão Evo foi legal e constitucional. Não queira agora o governo de Áñez se esquivar da responsabilidade pelo massacre pelas balas policiais.

Como planejam seguir até 18 de outubro?

Olhe, agora mesmo estou falando a você desde um ampliado [assembleia popular] onde estamos participando entre 500 e 800 membros do movimento campesino da Subcentral Sivingani, no município de Vila Vila, Cochabamba. Nos mantemos em estado de emergência e mobilização ante qualquer tentativa de frustrar as eleições. E vamos acudir novamente a reclamar o respeito à lei e ao povo.

Artigo originalmente publicado em Brecha  no dia 28 de agosto. Reprodução da tradução de Charles Rosa para o Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco.


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Pedro Micussi