Nas ruas e nas urnas: derrotar a extrema-direita e fortalecer o PSOL como alternativa
“Nossa tarefa é entender o presente momento, orientando o conjunto da militância para a tarefa central do período: derrotar Bolsonaro nas urnas e nas ruas, fortalecendo o PSOL como alternativa”. Leia mais no documento da Executiva Nacional do MES/PSOL.
Setembro de 2020
O mundo e o Brasil ingressaram numa pandemia inédita. Parte das caracterizações que adotamos encontra-se no último documento nacional do Movimento Esquerda Socialista ainda no primeiro semestre. De lá para cá, mudanças importantes ocorreram no país e no mundo.
O Brasil é, junto com os Estados Unidos, o epicentro mundial da reprodução do contágio, da ampliação do número de mortos e de casos, da Covid-19, mesmo com a brutal subnotificação. O ingresso em “modo platô” não protege a vida da maioria da população, que se expõe a enormes riscos, enquanto a disputa pela vacina resulta numa corrida também balizada por interesses econômicos e políticos dos grandes Estados e corporações. Já se alcançou a marca de um milhão de óbitos no mundo. EE.UU., Brasil e Índia, sob a orientação da extrema-direita, concentram a brutal marca de 43% dessas mortes.
A situação política será definida pelos acontecimentos dos Estados Unidos, onde uma derrota de Trump alteraria a conjuntura, trazendo evidentes consequências para o Brasil. Nossa tarefa é entender o presente momento, orientando o conjunto da militância para a tarefa central do período: derrotar Bolsonaro nas urnas e nas ruas, fortalecendo o PSOL como alternativa. Inicia-se um novo processo eleitoral. Queremos, neste documento, apresentar uma armação mais global para enfrentar as batalhas que vem pela frente.
1) Um aumento considerável dos choques na escala internacional entre países, projetos e classes
A pandemia no mundo chega à marca de um milhão de óbitos, incidindo de forma desigual em todos os países do mundo. Estamos atravessando uma crise planetária, concentrada em pouquíssimos meses, que muda a própria configuração do tempo e do espaço. Há incerteza sobre a produção e distribuição da vacina, alentada, por um lado, por uma disputa entre Estados e corporações e, por outro, com a configuração de um campo opositor à ciência e a OMS, retroalimentando contradições profundas.
Há um derretimento econômico sem precedentes. Pode-se falar de uma crise similar à de 1929, ainda que a comparação com 2008 seja válida – inclusive porque os elementos de 2008 estão presentes como continuidade na presente situação de depressão. O ambiente político expressa tal tensão. A polarização marca a realidade e leva à combinação de crise orgânica permanente (que debilita a estabilidade dos regimes) com a luta entre projetos, abrindo um cenário de conflitos, rebeliões e crise entre Estados. O coração da aceleração de todas essas contradições está, num traço fundamental da situação mundial, também no coração do capitalismo: o desenlace dos acontecimentos dos Estados Unidos determinará em grande medida o mundo “pós-pandemia”.
1.1) Nos EUA, tensão nas ruas e nas urnas
O levante antirracista gerado pela indignação com os assassinatos de George Floyd, Brianna Taylor e outros negros e negras estadunidenses, por departamentos de polícia profundamente racistas, abriu uma nova situação durante a pandemia e levou dezenas de milhares às ruas em diversas cidades do país num levante sem precedentes desde o movimento pelos direitos civis nos anos 1960.
Este levante evidenciou a polarização cada vez mais profunda no país, impondo uma posição de força do movimento de massas que resistiu à repressão (deve-se lembrar que Trump tentou utilizar o exército na repressão, sendo desautorizado pelo próprio comando militar) ao mesmo tempo em que levou a respostas da direita, especialmente de supremacistas brancos armados que ameaçaram e assassinaram manifestantes democráticos, como no emblemático caso da cidade de Kenosha.
Os EUA vivem um processo de evidente “latino-americanização” no qual a violência política se acirra. As eleições terão um papel muito importante para a definição de uma relação de forças mais favorável para a classe trabalhadora. O modelo de “um corpo com duas cabeças”, que dominou o imperialismo norte-americano, mostra-se cada vez mais insustentável, polarizando o cenário político e abrindo espaço tanto para o crescente movimento socialista no país como para a direita reacionária que busca frear os avanços do movimento de massas.
De lá parte a articulação política de uma extrema-direita internacional que tem em Steve Bannon seu líder e atua através de uma agenda de violência e fake news que inspira direitistas em todo mundo, como Bolsonaro no Brasil. A morte da juíza Ruth Ginsburg, da Suprema Corte do país, abriu uma nova crise, com repetidas declarações de Trump dando a entender que pode não aceitar o resultado eleitoral de 3 de novembro, caso este lhe seja negativo.
Em tal contexto, derrotar Trump torna-se a tarefa prioritária não somente para os ativistas estadunidenses, mas para os militantes socialistas de todo o mundo.
1.2) As “rebeliões” e a dificuldade de ação da classe
Por todo o mundo, seguimos acompanhando rebeliões populares que se desenvolvem a partir das contradições geradas pela crise capitalista mesmo antes da pandemia da Covid-19. Presenciamos grandes mobilizações populares, recentemente, tanto em países distantes, como Hong Kong, Líbano e Sudão, entre outros, como em nossos vizinhos latino-americanos Chile e Equador, que se levantaram contra os processos de austeridade promovidos por governos neoliberais.
As crises políticas dos regimes políticos burgueses apresentam-se de forma cada vez mais orgânica, combinando elementos econômicos com a indignação social gerada pela corrupção, problema evidente que se tornou gritante em casos como a recente história política do Peru ou a fuga do ex-rei espanhol Juan Carlos de seu próprio país. Estas situações só comprovam o crescente processo de deterioração de regimes que se fundam nas relações espúrias entre Estados nacionais e suas respectivas burguesias.
Este cenário coloca dificuldades objetivas para a classe trabalhadora, que enfrenta a falta de alternativas políticas coerentes para o enfrentamento deste impasse em escala internacional. Entretanto, surgem cada vez mais novas formas de organização e articulação que apontam para a possibilidade de novas redes de resistência e luta.
1.3) Bolívia, um aspecto crítico da luta na América Latina
A América Latina viveu rebeliões em 2019, no Equador e no Chile, que colocaram em ação o movimento de massas depois de muito tempo. As rebeliões foram congeladas como consequência da pandemia da Covid-19, permanecendo em latência. Por outro lado, a burguesia aproveitou as contradições do processo eleitoral boliviano para impor um golpe de Estado, derrubando o governo e proscrevendo Evo Morales e Alvaro García Linera.
Em meio ao governo golpista de Jeanine Áñez, foram impostas diversas mudanças na composição do tribunal eleitoral, na data e no padrão do processo eleitoral, marcado para 18 de outubro. A atual luta política na Bolívia é o coração da luta de classes na região. Estamos envolvidos nessa tarefa, para a qual o PSOL enviará uma delegação internacional, liderada pela deputada Sâmia Bomfim, para acompanhar o processo e nos somar à disputa fundamental de nossos dias.
O cenário latino-americano está marcado pela polarização e instabilidade, como se viu nos acontecimentos recentes na Colômbia. A situação da Bolívia marcará o pulso de uma situação na qual os Estados Unidos de Trump seguem acossando a região, como indicou a visita de Mike Pompeo ao Brasil para seguir o processo de pressão golpista na Venezuela.
2) O lugar do Brasil no mundo
Num cenário mundial conturbado, a localização do Brasil é chave. Se os Estados Unidos são o coração da crise atual, concentrando as contradições mais importantes, no Brasil ocorre uma das experiências mais importantes que todos buscam acompanhar. Tanto porque aqui a extrema-direita tem no trumpismo seu modelo como também pelos acontecimentos históricos anteriores, já que o Brasil foi parte do ciclo de governos com características de frente popular, foi parte da rota dos indignados nas Jornadas de Junho de 2013 e ainda concentra uma vanguarda socialista com peso na realidade nacional, ao contrário de outros países no mundo.
O lugar do Brasil no mundo e na economia internacional é o ponto de partida para apontar os elementos dinâmicos da situação nacional. Bolsonaro chegou ao poder com eleições manipuladas e conseguindo erigir um bloco de poder que é, no entanto, frágil. Ao mesmo tempo, aprofunda-se o modelo de desenvolvimento baseado no extrativismo e no agronegócio voltados à exportação, carro-chefe desde a etapa anterior, marcada pelo superciclo das commodities.
2.1) Na crise econômica, Bolsonaro aprofunda a dependência e a subalternidade nacionais
As duas últimas grandes quedas na produção tiveram características distintas. A crise de 2008 teve um efeito menor no Brasil do que nas grandes economias. Já a retração de 2015/2016, por sua vez, aconteceu num cenário internacional de maior recuperação. Agora, está em curso uma “tempestade perfeita”: a economia brasileira desce ao fundo do poço em meio a uma crise internacional de proporções ainda desconhecidas, visto que o efeito de uma segunda onda de contágios poderia piorar as já trágicas projeções econômicas.
No mundo, as economias do G-20 tiveram uma queda histórica no segundo trimestre de 2020. Podem-se mencionar, como exemplos, a retração de 9,7% no Brasil; 9,5% nos Estados Unidos; e incríveis 20,4% no Reino Unido e 25,2% na Índia. Ao analisar os dados da economia brasileira, Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB-FGV, afirmou:
O dado de abril mostra que a retração recorde da economia, não apenas no PIB, porém disseminada em diversas atividades e componentes da demanda, é a pior da história recente. A indústria e o setor de serviços, que respondem por aproximadamente 95% do valor adicionado total da economia, também tiveram os maiores recuos de sua série histórica iniciada em 2000, assim como o consumo das famílias e a formação bruta de capital fixo. Em um país que, após três anos de fraco crescimento, ainda não havia conseguido se recuperar da última recessão, finda em 2016, que causou uma retração de 8,1% no PIB ao longo de 11 trimestres, o resultado de retração de 9,3% do PIB em apenas um mês, registrado em abril, não é nada animador e só evidencia os enormes desafios que serão enfrentados pela economia no decorrer de 2020.
Enquanto Paulo Guedes faz promessas de rápida recuperação econômica, além da terrível retração, o déficit fiscal no ano pode chegar a quase R$ 1 trilhão, também por conta das medidas de enfrentamento à pandemia. Sem propor nenhuma medida estrutural que recupere a capacidade de investimento público – cujas taxas são as menores da história –, o governo reafirma sua agenda de ajuste fiscal baseada no “teto de gastos”, privatizações e destruição dos serviços públicos, ameaçados com a “reforma administrativa”. Ao invés de fazer os milionários e bilionários pagarem a conta, o governo também apresenta uma proposta de reforma tributária para taxar ainda mais o consumo das famílias, além de impor uma nova CPMF para viabilizar a desoneração de impostos para empresas, transferindo os custos com o salário indireto dos trabalhadores de seus patrões para a sociedade, sobretudo os trabalhadores pobres e de classe média.
Ao mesmo tempo, a taxa oficial de desemprego, segundo o IBGE, no Brasil subiu para 13,6% no início de setembro, atingindo 12,9 milhões de pessoas, com o fechamento de 8,9 milhões de postos de trabalho em apenas três meses, sob impacto da pandemia da Covid-19. Tais números, no entanto, subestimam a dimensão da crise, já que há dezenas de milhões de trabalhadores desalentados, que não buscam emprego pela dificuldade de conseguir uma posição, pelas restrições da pandemia ou mesmo por falta de dinheiro para locomoção. Ao mesmo tempo, 29 milhões de brasileiros, ainda segundo o IBGE, ou 34,1% da população economicamente ativa, trabalham na informalidade.
Os dados de emprego ilustram a queima acelerada de postos de trabalho formais e demonstram a dimensão da crise brasileira. Enquanto crescem as falências na indústria e no comércio, a produção agropecuária e o extrativismo mineral seguem sendo fundamentais para o comércio exterior brasileiro. Além das mudanças no perfil dos empregos no país, há outras consequências sociais e ambientais do modelo de desenvolvimento em curso. O novo capítulo é a alta do preço dos alimentos, com destaque para o arroz e para a carne suína, não por acaso dois produtos cuja exportação cresceu muito em 2020, levando à inflação no mercado nacional. A crescente demanda chinesa por produtos agrícolas e carnes brasileiras, somada à desvalorização cambial, deve piorar tal cenário nos próximos meses. Diante da insatisfação popular com a carestia, Bolsonaro pateticamente apela ao “patriotismo” dos donos de supermercado, enquanto, no Banco Central e na imprensa burguesa, começa a haver especulações sobre a interrupção na queda da taxa de juros.
Enquanto se espera alguma recuperação no desempenho da economia no terceiro trimestre, compensando apenas parcialmente as perdas anteriores – o que se pode antever pelos dados de setores como comércio varejista, construção civil e, em menor escala, indústria de transformação –, sabe-se que a redução do auxílio emergencial pela metade e seu encerramento em dezembro trarão ainda mais dificuldades para uma recuperação mais robusta, tendo como pano de fundo uma profunda crise econômica mundial de largo alcance.
Ao mesmo tempo em que cresce o desemprego e se sentem os efeitos da recessão, está em curso um salto na desnacionalização da economia, estimulada pelo completo entreguismo de Bolsonaro. Há uma liquidação, a preço de banana, de ativos brasileiros, públicos e privados, aprofundando a dependência e a subalternidade nacionais.
Veja-se, por exemplo, o caso da Embraer, cujo controle foi obtido pela Boeign com o beneplácito do governo, e cuja concretização só não se deu pela crise da empresa estadunidense, que, no entanto, se eximiu de pagar qualquer compensação, empurrando a Embraer para um prejuízo bilionário que agora serve de justificativa para a realização de milhares de demissões em São José dos Campos (SP). Na Petrobrás, por sua vez, o feirão de Bolsonaro e Guedes está entregando por migalhas refinarias, a BR Distribuidora, as operações de gás e a infraestrutura de transportes da empresa, enquanto batem recordes as importações de combustíveis, num verdadeiro crime contra os interesses nacionais e os empregos no país. Ao mesmo tempo, membros do governo já anunciam “interessados” (entre os quais Amazon, DHL e Magazine Luiza) na compra dos Correios, uma empresa secular, estratégica e lucrativa, antes mesmo de que tenha se iniciado qualquer processo formal de privatização.
A fragilidade da indústria brasileira e a ausência de uma política séria de reconversão industrial levaram os governos estaduais a uma corrida pela compra de respiradores no exterior a altíssimo custo, colocando as vidas de milhões de brasileiros à mercê de lobistas e aventureiros de todo tipo.
O aprofundamento de um modelo extrativista e predatório, voltado à exportação de minérios e produtos agropecuários, está na raiz da destruição ambiental em curso na Amazônia e no Pantanal, um verdadeiro “ecocído”, como se denuncia em todo o mundo. A predação, ao fim, pode terminar revelando-se um tiro no pé do agronegócio, já que começam a se ensaiar campanhas de boicote e anúncios de restrição de compras de produtos de origem brasileira. O lesivo acordo comercial entre Mercosul e União Europeia – celebrado pela burguesia transnacional – corre risco de fazer água pelas pressões protecionistas dos produtores rurais europeus e pela mobilização de ambientalistas e ativistas que não aceitam a acelerada destruição ambiental no Brasil. Bolsonaro e sua escória ministerial atentam diariamente contra nossos biomas, nosso patrimônio natural e cultural, nossas populações indígenas e quilombolas, nossa história, nossos serviços públicos, nossa ciência e nossos empregos.
2.2) Um espelho distorcido do trumpismo
Por tudo o que se expôs até aqui, está claro que o projeto bolsonarista é intimamente ligado aos interesses de Donald Trump, a quem Bolsonaro e seu círculo emulam. Em troca de apoio político e sustentação internacional, Bolsonaro entrega a seu amo a desconstrução do Brasil e a liquidação de seu lugar como nação soberana no mundo. Evidentemente, a presença de uma marionete em Brasília é fundamental para o engendro continental de Washington, como demonstrou John Bolton, então conselheiro de Trump, ao afirmar que a “doutrina Monroe está viva e com saúde”.
Bolsonaro, apoiado pelos militares, pretende fazer o Brasil servir como ponta de lança dos EE.UU., como mostram a entrega da base de Alcântara (a respeito da qual agora se especula o interesse estadunidense de torná-la plataforma de lançamento de mísseis de longa distância); a intensificação das relações com o governo de extrema-direita de Iván Duque na Colômbia; os vínculos de Brasília com o golpe na Bolívia e com o regime de Jeanine Áñez, além da já mencionada presença do secretário de Estado Mike Pompeo em Roraima, usando território nacional para ameaçar a Venezuela, num episódio de vassalagem inaudito, tão repugnante que levou a manifestações de censura até mesmo de Rodrigo Maia e de outros próceres da direita parlamentar e pró-imperialista brasileira.
Ao mesmo tempo em que atua como cão de guarda de Trump na América Latina, Bolsonaro isola o Brasil em organismos internacionais, colocando em risco a soberania, a segurança e a independência nacionais, além da relação com parceiros e países vizinhos, contra quem Bolsonaro, Ernesto Araújo e Augusto Heleno utilizam permanente retórica bélica.
3) A dinâmica do governo: fortalecimento imediato, dificuldades em perspectiva
No início da pandemia, as mobilizações e a pressão das investigações e processos – “rachadinhas” de Queiroz e Flávio Bolsonaro, fake news e ataques contra o STF – colocaram o governo na defensiva. Nos últimos dois meses, no entanto, houve alguma recuperação de fôlego, com ligeira recuperação da popularidade de Bolsonaro, motivada pelos efeitos do auxílio emergencial, pela reabertura desordenada da economia por prefeitos e governadores (que, ao fim, corroboraram com os apelos negacionistas do presidente) e também pela incapacidade da oposição, que não soube levar adiante uma campanha contra o governo quando este se encontrava mais enfraquecido.
A ligeira recuperação de Bolsonaro, no entanto, não significa capacidade de conquistar estabilidade para impor seu plano. Para entender a dinâmica atual, partimos da centralidade da luta contra o governo. Houve dois grandes acertos, dos quais fomos parte ativa: o pedido de impeachment, que teve ampla audiência e colocou a necessidade de lutar pelo fim do governo como estratégia a médio prazo; e a ida às ruas da luta antifascista e antirracista, fundamental para colocar o governo na defensiva quando dobrava a aposta em seu projeto golpista.
3.1) Bolsonaro ficou na defensiva
A condução desastrosa da resposta à pandemia por Bolsonaro, que reproduziu as primeiras manifestações negacionistas de Trump, levou a uma rápida perda de popularidade entre os meses de março a junho. O desgaste piorou com as demissões de Mandetta e Moro – este último denunciando Bolsonaro de tentar aparelhar a Polícia Federal e órgãos de inteligência. Como reação, o bolsonarismo promoveu suas manifestações dominicais, com público reduzido, reivindicando golpe militar, fechamento do Congresso e do STF.
A reação das manifestações antifascistas e antirracistas, marcada pelos atos de 7 de junho, interrompeu a escalada golpista de Bolsonaro, em conjunto com os processos e prisões de lideranças bolsonaristas como Sara Winter, além da captura de Fabrício Queiroz, instalado numa casa, em Atibaia, do advogado da família Bolsonaro. Frustrada sua ação ofensiva, o governo ficou em minoria e precisou reorganizar sua estratégia.
As manifestações e panelaços deram ânimo à reivindicação de impeachment, demonstrada pelas mais de um milhão de assinaturas colhidas pelo projeto encabeçado por nossos parlamentares. A recuperação posterior da popularidade de Bolsonaro, a fragilidade da oposição e sua vacilação fizeram com que se fechasse a janela do impeachment. Isto não significa que não possa ser reaberta, a depender da evolução da situação econômica e dos problemas judiciais da família Bolsonaro, especialmente a situação de Queiroz.
Ao final, a maioria da burguesia não quis o impeachment – Rodrigo Maia impediu sua tramitação e, após a prisão do Queiroz, Bolsonaro buscou construir sua base no “centrão” corrupto. Ao mesmo tempo, o governo, a cúpula do Congresso e dos principais partidos políticos, a Procuradoria-Geral da República e setores do STF organizam o desmonte da Lava Jato. Analistas, como Celso Rocha Barros, têm destacado a falta de reação dos setores que diziam mobilizar-se “contra a corrupção” quando Bolsonaro e Augusto Aras passaram a operar pelo enterro da Lava Jato. É o caso dos generais, como Villas-Bôas, que fizeram ameaças golpistas caso Lula fosse libertado. A própria esquerda, por sua vez, está satisfeita com o fim da operação: há uma percepção generalizada entre setores progressistas de que os resultados do ciclo antissistêmico dos anos dez foram tão desastrosos que, a essa altura, qualquer acomodação ajuda.
Como resultado, está em curso uma disputa entre facções e camarilhas no interior do aparelho de Estado, que buscam operar politicamente por meio do avanço ou paralisação de investigações de corrupção, de que são demonstrações, por exemplo, as tentativas bolsonaristas de influenciar a Justiça do Rio de Janeiro em favor de Flávio Bolsonaro; as operações contra casos de corrupção em governos estaduais na compra de materiais para enfrentamento da Covid-19; a saída de Deltan Dallagnol do comando da Lava Jato no Paraná após derrota em embate com Aras; e a demissão coletiva dos procuradores membros da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo.
3.2) A recuperação relativa da popularidade e as fragilidades de um governo que expressa despreparo e muitas contradições
Como já se afirmou, a popularidade de Bolsonaro oscilou para cima, influenciada pelos pagamentos do auxílio emergencial, pela covardia de governadores e prefeitos diante das pressões econômicas, corroborando com a banalização da pandemia por Bolsonaro, e pela dificuldade de construir uma alternativa, dada a fragilidade dos governadores e a ausência de uma oposição robusta com capacidade de disputa.
Apesar de ter-se apropriado da renda emergencial, o governo agora se encontra entre duas pressões: gastar para manter a popularidade, incrementando as chances de reeleição, ou manter a linha de austeridade pela qual obteve o apoio da burguesia e dos “mercados”. Tal disputa manifesta-se nas disputas palacianas, como nos conflitos entre Paulo Guedes, Rogério Marinho, Tarcísio Freitas e Braga Netto. Apesar das diferenças, todos defendem uma linha comum de privatizações, ataques aos direitos trabalhistas e aos serviços públicos com a reforma administrativa. A prorrogação do auxílio até dezembro – mas cortado pela metade – foi uma solução de acordo temporária.
Bolsonaro também busca acenar a sua base, afastando-se das responsabilidades diretas pela pandemia e pela solução dos problemas econômicos ao mesmo tempo em que dá vazão a propostas – como o aumento da validade da carteira de motorista e a mobilização reacionária para evitar o aborto de uma criança estuprada – como forma atender seus seguidores mais reacionários. Mais contido no falatório golpista, evita declarações diretas sobre as reformas. As diferenças sobre a destinação de verbas para investimentos em obras e sobre a criação de novo programa para substituir o auxílio emergencial mostraram uma crise entre a equipe de Guedes e Bolsonaro, quando este rechaçou obter mais recursos para transferência de renda por meio da extinção do abono salarial ou o congelamento das aposentadorias.
Ao mesmo tempo, a burguesia reafirma sua linha defesa do teto de gastos, aglutinando as lideranças parlamentares e a mídia em defesa do ajuste, limitando as possibilidades de o governo buscar popularidade por meio de transferências ou obras. A dependência do “centrão” e a falta de um partido organizado para defender os interesses de Bolsonaro também são fonte de dificuldades para seus planos.
4) A resistência existe, mas ainda é insuficiente para derrotar o governo e seu modelo
Durante o período da pandemia, tem havido lutas e resistência, de distintas formas e com força desigual, ainda insuficientes, no entanto, para derrotar o bolsonarismo.
4.1) As lutas dos trabalhadores de serviços essenciais
A primeira etapa da pandemia no Brasil, com seus efeitos devastadores no âmbito social e econômico, foi marcada pela defensiva da classe trabalhadora. Como a burguesia e os governos descarregam sobre as costas dos trabalhadores o preço da crise, mesmo com as dificuldades resultantes da campanha pelo distanciamento social – e a luta por uma quarentena como forma de evitar a propagação do vírus diante do descaso do governo –, setores de trabalhadores essenciais foram às ruas. As cenas do 1º de maio protagonizados pelas enfermeiras do Distrito Federal simbolizaram a luta de milhares de ativistas por EPIs e condições dignas de trabalho que, de conjunto, mostraram a presença dos trabalhadores da “linha de frente”. O Sindisaúde-RS, assim como vários sindicatos e associações de trabalhadores da saúde, também se colocou em movimento como parte da luta pela vida.
Diante da precarização do trabalho e do lugar que adquiriu a economia delivery, podemos destacar a entrada em cena dos trabalhadores de aplicativos nas duas “greves” convocadas sob o nome “breque dos APPs”. A manifestação de 1º de julho ganhou contornos históricos pela adesão e impacto que teve sobre toda a conjuntura. A segunda convocatória foi mais fraca e dividida, fruto da incipiente organização desse setor, que recém começa sua experiência política, mas que é parte fundamental da nova classe trabalhadora que se redesenha com as novas determinações do capitalismo. O PSOL cumpriu um papel, por meio de sua bancada nacional, ao defender um projeto de lei para a categoria, que chegou a construir uma caravana nacional para Brasília em 15 de setembro.
Os metroviários de São Paulo – como trabalhadores de outras categorias essenciais – também realizaram uma greve, com uma vitória importante, mesmo em condições adversas. Outras greves contra demissões, como a do setor metalúrgico, tiveram maiores dificuldades: apesar de a Justiça ter-se pronunciado a favor dos operários da Renault paranense, boa parte das greves estão sendo derrotadas. Há em curso uma batalha importante, mas muito difícil, na Embraer. A greve dos Correios, apesar de ter sido fortíssima nas bases, esbarrou nas decisões do TST e do STF.
O movimento estudantil, por sua vez, com as dificuldades da quarentena, luta como pode contra os ataques – cortes em todo o país, além da nomeação de interventores, cujo episódio mais emblemático foi a nomeação do novo reitor da UFRGS por cima de toda a comunidade universitária. Já a luta dos professores contra a abertura das escolas tem enfrentado, neste momento, dificuldades por conta da disputa de análises e versões sobre o atual estágio do contágio no país.
Contudo, podemos dizer que o ponto alto da resistência política, a base para o recuo “estratégico” de Bolsonaro em seus planos golpistas, foi as já mencionadas manifestações antifascistas e antirrascistas, cujo ápice ocorreu em 7 de junho. Após semanas de lutas – em Porto Alegre, por exemplo, antifascistas já haviam colocado os manifestantes de extrema-direita na defensiva –, a entrada em cena de setores de torcidas organizadas em São Paulo resultou numa ampliação do alcance das lutas. Com a entrada do movimento negro motivada pelos eventos da rebelião antirracista nos Estados Unidos, houve jornadas mais gerais de luta, mesmo no ápice da pandemia.
4.2) O crescimento do desemprego e a renda básica
Além do sentido mais geral da quarentena, em que as mobilizações de rua foram interditadas, o que primou entre os trabalhadores foi o desemprego, a perda de direitos e a redução da renda. Segundo os dados do IBGE, a desocupação chegou a 12,9 milhões de brasileiros em agosto. Os dados são ainda mais gritantes quando contabilizamos os que já não procuram emprego, os “desalentados”, ou os que não registram sua procura: a taxa de ocupação caiu para um recorde histórico, apenas 85,9 milhões, sendo pela primeira vez menos da metade da população economicamente ativa.
A questão da carestia é o outro tema sensível da realidade. Sabendo disso, para evitar convulsões sociais desordenadas, foi acordado o auxílio-emergencial, com o governo conseguindo capitalizar após as dificuldades que a esquerda teve em disputar essa agenda. O auxilio foi uma conquista por um lado, mas, por outro, serviu como elemento de alívio para a tensão que poderia acumular-se. É chave seguir defendendo a continuidade dos pagamentos de R$ 600,00, como insistimos desde o início. As direções do movimento de massas estiveram tímidas para colocar essa pauta como centro, fruto da falta de contato com o povo. Uma agitação massiva seria capaz de colocar o debate noutro patamar.
Como parte do quadro geral, temos um piso histórico do nível de sindicalização, mesmo antes da chegada da Covid-19 e da crise. A taxa de sindicalização caiu de 12,5%, em 2018, para 11,2%, em 2019, com queda recorde no grupamento de administração pública, defesa e seguridade social, educação, saúde e serviços sociais, que registrou menos 531 mil pessoas sindicalizadas. No caso dos empregados do setor público caiu de 25,7% para 22,5% de 2018 para 2019. Outra queda que chama a atenção na série é a do grupo dos transportes, armazenagem e correio, cuja taxa de sindicalização caiu de 20,9% em 2012 para 11,9% em 2019.
Outro alvo da “oposição” de direita – capitaneada por Maia, a grande imprensa e o “mercado” para salvar o “teto” – é a “reforma administrativa”. A linha da burguesia é quebrar a espinha dorsal do serviço público brasileiro e o modelo de estabilidade: ao destruir o estatuto jurídico dos servidores públicos presente desde a Constituição de 1988, Bolsonaro e Guedes querem liquidar os concursos públicos, abrindo caminho livre para mais privatizações de estatais, terceirizações, OSs, precarização e para a corrupção.
O projeto, repetido por Guedes de forma obsessiva, é criar um novo regime de trabalho público precarizado e sem direitos, atacando a prestação de serviços públicos de saúde, assistência social e educação, de resto já precários e alvo de terceirizações.
4.3) Lutas múltiplas e democráticas
Apesar de ter-se fechado, neste momento, a “janela” para se colocar uma luta mais frontal contra o governo – o que não se fez com a força necessária quando este estava em queda de popularidade –, não se encerrou a necessidade de seguir as lutas e batalhas. Há lutas em várias esferas, acompanhadas por todo um setor da opinião pública que se levanta contra Bolsonaro e seus planos, como mostram a luta das mulheres contra a ação da extrema-direita, envolvendo inclusive a ministra Damares, para impedir o aborto da criança estuprada de 10 anos; e a condenação nacional e internacional às queimadas na Amazônia e no Pantanal, gerando engajamento de redes e ampla comoção de setores da sociedade civil.
Há, também, diversos enfrentamentos nas cidades, como a luta contras as demissões no IMESF em Porto Alegre ou a luta contra o plano de Doria de destruição do patrimônio público paulista. Segue também a mobilização da educação em defesa da vida e contra o retorno das aulas enquanto o contágio e as mortes seguirem descontrolados e os governos e patrões não ofereçam condições seguras para o retorno de professores, profissionais da educação e dos estudantes.
5) O cenário eleitoral
A eleição municipal de 2020 será imprevisível por conta da pandemia, de seus efeitos e dos desdobramentos da situação. O histórico recente das eleições e da luta no andar de cima produziu fenômenos inusitados, prova máxima disso é Bolsonaro. A eleição de 2020 ainda está fora de um radar mais definido. Vejamos algumas das determinações até aqui expostas.
5.1) Um cenário imprevisível
A eleição foi postergada em mais de um mês para dar conta dos protocolos sanitários, achatando os prazos e configurando um processo inédito. Com uma atividade de rua bastante restrita, as eleições municipais de 2020 são um terreno ainda desconhecido mesmo para analistas mais experientes. O cenário é imprevisível. Quais serão as tendências gerais? Vai crescer a abstenção, sobretudo de pessoas mais idosas? Que impacto terão as novas leis eleitorais – fim das coligações proporcionais, cálculo de sobras e distribuição de um fundo eleitoral público mais robusto – no âmbito municipal? Bolsonaro e a linha nacional terão qual peso sobre as decisões do eleitorado? Como a oposição se portará nas capitais e principais centros urbanos?
Ainda não temos como responder de forma assertiva às questões acima. O que podemos assinalar são características mais gerais da agenda eleitoral: 1) uma fragmentação histórica, com número alto de candidatos e chapas em todas as cidades (serão quase 25 mil candidatos em 26 capitais, um número recorde); e 2) dentro da polarização, existe espaço para a conformação de um polo opositor, que vocalize as lutas sociais e democráticas, onde o PSOL deve ter um papel ativo.
5.2) A política no “regime em mutação” dá-se em novos marcos
Como estamos vivendo um regime ainda em “mutação”, no qual coexistem elementos do regime de 1988 e traços instáveis de bonapartismo, a luta política eleitoral também vai ser atravessada por esses elementos.
Os aparelhos judiciários e legislativos, vão ser utilizados para a disputa entre facções – pedidos de impeachment de governos e prefeituras, como o que ocorre no Rio, onde Witzel acaba de ser deposto, ou em Santa Catarina, onde o governador do PSL eleito com mais de 70% dos votos enfrenta um duro processo na Assembleia local.
Ainda que a unidade burguesa ao redor da retirada de direitos exista, a luta entre facções e camarilhas no terreno eleitoral deve impor-se, também recrudescida pela nova legislação eleitoral que estimula uma já prevista fragmentação partidária. A disputa eleitoral, como se tem visto nas últimas semanas, trará ainda mais tensões, com prováveis desdobramentos em novas operações policiais, judiciais e prisões.
É possível ocorrer a queda de governos e prisões, sem necessariamente contar com a ação do movimento de massas, servindo como parte da luta política entre diferentes facções da casta. Mesmo assim, é preciso disputar o sentido comum dessas contradições. Até porque a associação com casos reais de corrupção, mesmo que instrumentalizada, é evidente e assim é sentida por ampla fatia da sociedade.
Em Porto Alegre, fizemos o combate contra o governo Marchezan a partir da presidência de Roberto Robaina da CPI que investigou o prefeito, aproveitando a contradição existente na Câmara para denunciar o ajuste que o prefeito faz contra o serviço público, os rodoviários e o funcionalismo da cidade.
No Rio de Janeiro, Witzel, que se notabilizou como um “bolsonarista de atitude”, chegando a aplaudir a quebra da placa de Marielle Franco e comandar de forma espetacular uma ação policial na ponte Rio-Niterói, agora perdeu qualquer apoio, como mostra o resultado da votação na ALERJ, de 69 a 0, a favor do impeachment. O caso do Rio vai além, porque Cabral e Pezão seguem presos, Crivella está questionado pelo TER e investigado em outros casos, além das muitas denúncias contra Eduardo Paes, que lidera as pesquisas para a prefeitura da capital fluminense.
Todos estes “sintomas” – que expressam a emergência de um possível novo “padrão” de luta política, presente no Rio de Janeiro de modo mais nítido – devem-se multiplicar no processo eleitoral. Haverá uma eleição muito judicializada, com prisões espetacularizadas e muitas fake news. Ainda não se sabe o “volume” das fake news, mas serão eleições marcadas por esta prática, além da crescente banalização da violência política.
5.3) O espaço das “oposições” e o embate das cidades
Apesar do quadro controverso, existe um grande espaço para as “oposições” no âmbito da disputa das cidades. Não por acaso, candidaturas não bolsonaristas lideram grande parte das capitais, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém e Florianópolis, além de muitas capitais e cidades importantes do Nordeste.
A rejeição à política e aos políticos segue alta, com a diferença de que a experiência com a extrema-direita está se fazendo de forma acelerada. Há uma necessidade de renovação de quadros, de troca e ruptura geracional, como explicou Sérgio Abranches em recente artigo para o Valor Econômico:
Líderes que surgem das franjas do sistema com discurso fomentado pela frustração e alicerçado na aversão aos políticos do establishment. No entanto como prometem transformações que não são capazes de entregar, essa mesma base afetiva os torna efêmeros”, afirmando que o “governante incidental é a marca de um período de interregno da ordem global” que perdeu o vigor sem que sua substituta esteja em pleno funcionamento. Uma fórmula muito similar a que já estamos usando há certo tempo. No caso do Brasil, ainda segundo esse autor, a “formação de novas lideranças é o caminho para superar as lideranças incidentais, processo lento pelo caráter oligárquico e enrijecido dos partidos.
Falta, no entanto, uma perspectiva programática e de ação nos setores majoritários das oposições, o que fica nítido na ausência de qualquer chamado às lutas por parte de Lula e das principais referências da oposição. Também por isto, por outro lado, o espaço para a construção de alternativas existe e deve ser explorado pelo PSOL.
6) O papel do PSOL
Após 15 anos de seu registro, completados em setembro, e 16 anos de sua fundação, o PSOL segue pujante e em desenvolvimento. Com todas as limitações, o partido cumpre um papel objetivo na oposição radical ao bolsonarismo e desponta com chances de ter uma boa eleição no âmbito municipal.
6.1) O desafio do PSOL é dar um salto na eleição de novembro
O PSOL chega a sua quarta eleição municipal com mais experiência e capilaridade, com a contradição da situação nacional de Bolsonaro na presidência. Além de contribuir para a derrota de Bolsonaro nas cidades, alentando um programa, organizando e disputando setores de massa para um voto engajado, o PSOL tem muitas responsabilidades e oportunidades. Nossa diferença com o PT e com outras variantes da oposição de centro-esquerda é que não governamos com a estratégia de conciliação de classes, que abriu as portas para o bolsonarismo se entranhar na crítica (falsa, por óbvio) antissistêmica.
É possível ampliar em muito a presença do partido nas câmaras de vereadores, não apenas nas capitais, mas também em cidades grandes e médias. Podemos, também, disputar a hegemonia política do campo das oposições, visto que existe simpatia para nossas ideias, bancadas e projetos.
Diante da crise do PT, incapaz de oferecer uma alternativa, o fortalecimento do PSOL é um fato. O partido é a expressão, ainda que insuficiente, da oposição a Bolsonaro, uma verdadeira antítese ao bolsonarismo, como mostra o exemplo de Marielle Franco. Há muitas cidades nas quais o PSOL pode e deve superar o PT, como Belém, Florianópolis e São Paulo (na capital e até no resto do estado). Há uma disputa renhida em curso no Rio de Janeiro e em Fortaleza. Em Porto Alegre, o PT aparece como vice do PCdoB e, no âmbito legislativo, o PSOL já tem mais força que o PT na cidade. Por outro lado, há uma série de fatores contrarrestantes, que influenciarão na disputa no interior da esquerda, como as desigualdades no tempo de televisão e o peso dos aparatos burgueses, eleitorais e midiáticos.
6.2) Nossas possibilidades
O PSOL deve apresentar candidaturas em 600 cidades, um marco importante, dada a nossa independência política. Das 26 capitais, teremos 23 candidatos majoritários nas cinco regiões do país.
O MES – com seus aliados no interior do PSOL, como a TLS, o MEOB, o setor político que responde pela FNL, além de parceiros como Anticapitalistas, Comuna, APS e 1º de Maio, com os quais compartilhamos diferentes espaços – terá um desafio enorme: esta será uma campanha mais nacionalizada. Vamos construir e ser parte de campanhas majoritárias e proporcionais em todo país. Teremos nossa maior participação em Porto Alegre – por meio da chapa de Fernanda Melchionna e Marcio Chagas, importante referência da luta antirracista, à prefeitura – e lá também disputamos para manter e ampliar nossa bancada na Câmara liderada por Roberto Robaina. Temos chances reais de estarmos entre os mais votados do PSOL, entrando ou ficando na suplência, em 9 capitais e cerca de 15 a 20 grandes cidades em todo Brasil. Vamos lutar para reeleger nossos atuais vereadores, afirmando o espaço conquistado com o perfil do PSOL combativo.
Nossas candidaturas serão porta-vozes das lutas no Brasil contemporâneo. Teremos destacada presença, com chances reais de eleição, de mulheres, negras, da área da saúde, educação, da segurança pública, do movimento indígena, quilombola, do campo e da cidade: militantes ligadas aos nossos movimentos como Juntas, Juntos e Emancipa, além dos tribunos do povo que já cumprem esse papel como nossas figuras públicas.
Sâmia Bonfim, com a tarefa de líder da bancada federal do PSOL, vai ajudar na nacionalização dessa disputa porque o Congresso segue funcionando, como centro de operações dos ataques que a burguesia prepara contra o povo.
6.3) Construir a unidade e se apresentar como alternativa: a disjuntiva do PSOL
Por um lado, temos a questão da unidade. A primeira tarefa para derrotar Bolsonaro é lograr construir uma frente única na ação, a exemplo das enormes manifestações do “Ele Não”, do “Tsunami da Educação” e dos recentes atos antifascistas e antirracistas. Este impulso de luta, fundamental para debilitar Bolsonaro, precisa seguir. Ao mesmo tempo, é necessário construir uma alternativa independente e socialista, que ofereça um caminho para o povo e a classe trabalhadora. A eleição de 2020 será “a quente” e é papel do PSOL dispor-se a apontar, com suas candidaturas, o enfrentamento ao ajuste estrutural de Bolsonaro, Guedes e de seus sócios, nos ataques ao povo, no Congresso e nos governos locais. O ajuste unifica a burguesia, a direita tradicional opositora e mesmo os governos de centro-esquerda que se engajaram tenazmente para aprovar, por exemplo, a reforma da previdência e privatizações.
As eleições devem significar um novo salto para o PSOL e o MES será parte dessa luta, já que nosso partido pode apresentar uma esquerda superadora do que foi a experiência do PT e do lulismo. Por isso, é preciso apresentar, com nossas candidaturas, um perfil combativo e com capilaridade, unindo as tarefas democráticas contra o bolsonarismo e a luta em defesa dos interesses do povo e da classe trabalhadora por emprego, renda, salário, teto, terra, educação, saúde e direitos, os elementos fundamentais de um programa para a construção de um sólido projeto socialista para o país. O PT não pode ser uma alternativa porque já governou e houve uma experiência, ainda que interrompida, durante o período do impeachment de Dilma.
7) Derrotar Bolsonaro nas ruas e nas urnas: elementos de programa
Vamos colocar ênfase na luta eleitoral, a partir de um programa que parte das demandas mais sensíveis, já que, sendo uma eleição local, temos que levar em conta a cidade, chegando à necessidade de barrar a extrema-direita e Bolsonaro como medida capital. Vamos organizar o debate, tomando as experiências que já estão se desenvolvendo de construção programática de nossas bandeiras para as campanhas majoritárias e proporcionais.
7.1) Elementos de um programa de emergência para as eleições e além
– Derrotar Bolsonaro nas urnas e nas ruas;
– Proteger a maioria para que os bilionários paguem a conta;
– Renda emergencial para todos e manutenção do valor de 600 reais;
– Os municípios devem completar a renda emergencial, buscando recursos como a cobrança das dívidas dos grandes devedores e da especulação imobiliária, além de medias como a extinção de cargos de confiança;
– Planos emergenciais de trabalho: investimento em educação, saúde e transporte nas cidades com geração de empregos;
– Distribuição de cestas básicas para os mais pobres;
– Defesa da auto-organização, das lutas democráticas e contra medidas repressivas;
– Contra a repressão policial, o abuso policial e o genocídio da juventude negra;
– Enfrentamento à pandemia da Covid-19 e defesa da vida, do SUS e dos trabalhadores da saúde: compra de equipamentos de proteção individuais (EPIs), respiradores e insumos para testagem em massa;
– Defesa da derrubada do “teto de gastos” e revogação da PEC-95;
– Em defesa da vida e da educação: não ao retorno às aulas enquanto o contágio não estiver sob controle e as escolas preparadas para receber com segurança professores, corpo técnico e os estudantes;
– Centralização dos leitos hospitalares pelo poder público, sob controle do SUS;
– Reconversão industrial para que a indústria nacional atenda às necessidades trazidas pela crise;
– Defesa da vida dos trabalhadores em serviços essenciais, como caminhoneiros, trabalhadores do transporte público, atendentes de farmácias e supermercados, trabalhadores da saúde, entre outros;
– Manutenção dos empregos e direitos: contra a reforma administrativa e o corte de salários dos servidores públicos e trabalhadores formais! Estabilidade no emprego, a exemplo de medida tomada pela Argentina! Dinheiro para quem precisa: taxação das grandes fortunas, lucros, dividendos e heranças para que os ricos paguem pela crise;
– Prolongamento do seguro-desemprego até dezembro;
– Pelo direito dos trabalhadores de aplicativos: atender às reinvindicações dos “Breques dos APPs” por mais direitos;
– Anulação das dívidas no Serasa e no SPC: anistia das dívidas para milhões de famílias trabalhadores endividadas;
– Crédito barato e apoio para as pequenas empresas e comércios;
– Não ao pagamento da dívida externa, auditoria e suspensão dos pagamentos da dívida pública;
– Controle de capitais e das remessas de lucros e dividendos;
– Defesa da auto-organização, das lutas democráticas;
– Contra a repressão policial, o abuso policial e o genocídio da juventude negra;
– Auto-organização e solidariedade ativa nos bairros pobres;
– Cancelamento da cobrança de água, luz, transporte, aluguel e internet dos desempregados;
– Defesa das terras indígenas e quilombolas contra a revisão das demarcações e a invasão pela mineração, pelo garimpo e pelo agronegócio;
– Combate à violência doméstica e ao feminicídio, que tem aumentado como efeito da pandemia;
– Combate ao machismo, ao racismo e à LGBTfobia.
7.2) O PSOL precisa apresentar seu programa para o Brasil
Os elementos esboçados acima são apenas um elenco inicial de reivindicações e de bandeiras para nossa agitação eleitoral. No entanto, esta primeira aproximação está muito longe de resolver os necessários debates programáticos que o PSOL precisa realizar.
Reafirmamos o que já dissemos em nosso último documento: uma formulação programática mais densa deve ser o debate central do próximo Congresso do PSOL. O partido deve encarar o tema programático de fundo, buscando dar unidade às lutas múltiplas que já nos marcam. Precisamos avançar no debate programático já nas eleições e, posteriormente, o PSOL terá a tarefa de debater os desafios da luta de classes no Brasil e no mundo, dando os contornos de seu projeto de sociedade.
8) Nossa orientação é ampliar nossa força política e material, e debater uma estratégia para derrotar o bolsonarismo
Há um impasse mais geral diante da situação, que combina pandemia, eleições inéditas e crises de regime. Como já mencionamos, as determinações dos próximos meses serão decisivas – no âmbito internacional, a hipótese da derrota de Trump; no âmbito local, o derretimento econômico a crise política – e condicionam nossa ação no cenário eleitoral.
As possibilidades e dificuldades do PSOL, no âmbito da própria disputa eleitoral e no âmbito da sua condição programática, são parte da nossa estratégia para o período. Além da disputa de espaço no terreno eleitoral, onde atuaremos com força com nossas figuras e com toda força militante para incidir sobre o povo, queremos ampliar a força material do PSOL, os laços associativos da classe, a articulação dos diferentes movimentos e lutas contra as opressões, além da formação política e de quadros. A construção de um polo revolucionário, tarefa para a qual estamos todos empenhados, é a chance de fazer a diferença diante das turbulências do porvir. Vamos disputar a política nos próximos meses para dar passos nessa direção. E seguiremos nos apoiando nas lutas extraeleitorais como dínamo da auto-organização da classe para derrotar a extrema-direita e abrir uma nova situação no Brasil.