Eleições municipais: derrota do bolsonarismo e PSOL como força emergente

Após o primeiro turno das eleições municipais, o PSOL surge como principal novidade à esquerda e ator central na oposição a Bolsonaro.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 19 nov 2020, 15:37

A eleição municipal de 15 de novembro ocorreu em condições inéditas. Tendo como pano de fundo a pandemia da Covid-19, que mudou por completo a vida política e social no ano de 2020, a ida às urnas para decidir o voto em prefeitos e vereadores teve contornos particulares. O contexto geral é de agravamento da crise econômica e social, além de uma apatia que resultou em aumento da abstenção e no início da reconfiguração do mapa político nacional, com um grande derrotado: Jair Bolsonaro.

Ainda que a “agenda nacional” não tenha sido a tônica dos debates, as apostas do outrora popular Bolsonaro foram, em sua ampla maioria, derrotadas. Foi uma eleição nacional, ainda que disfarçada, assim podemos definir. As eleições municipais ocorreram quando o povo sente os efeitos da redução do auxílio-emergencial, que em breve terminará, da carestia dos alimentos e dos recordes históricos de desemprego e desalento nos grandes centros urbanos. O cenário de crise social levou, inclusive, ao adiamento das eleições em Macapá, que vive dias de apagão total.

Dentro desse complexo mosaico, celebramos uma grande vitória do PSOL. Nosso partido, que lutou em todo país, surge como principal novidade à esquerda, dando fôlego a um projeto que ousa resistir a marés e ondas políticas, razão pela qual foi fundado em 2004. Tivemos um salto de qualidade e o PSOL apresentou-se como ator central na oposição de esquerda a Bolsonaro, com forte presença da negritude em nossas bancadas liderando as votações em inúmeras câmaras das capitais e grandes cidades.

A batalha política do segundo turno segue em curso, com o PSOL protagonizando duas disputas em capitais: na principal cidade do país, com Guilherme Boulos postulando-se como referência de massas em São Paulo, e com Edmilson Rodrigues polarizando em Belém contra o bolsonarismo. Nos próximos dias, publicaremos um balanço mais profundo e coletivo do resultado eleitoral. Por ora, queremos apenas assinalar os traços principais dos resultados das urnas do último domingo e armar a batalha pelo segundo turno e pela construção orgânica de um polo alternativo de esquerda a partir da nova localização do PSOL.

Abstenção e vitória da direita “pró-1988”

Numa campanha eleitoral marcada pela pandemia, dificultou-se a expressão popular em comícios e mobilizações, além da interdição da maior parte dos debates televisivos no primeiro turno. A imprensa, majoritariamente, demonstrou um desinteresse consciente com a eleição, deixando o eleitor médio com menores condições de escolher e, menos ainda, se motivar para votar com um debate político esvaziado.

Como consequência da pandemia e da falta de atenção, naturalmente, ampliou-se a abstenção e, em muitas cidades, certa tendência a “votar em mais do mesmo” para a prefeitura, salvo em cidades onde a pauta política local desmoralizou prefeitos como Crivella no Rio e Marchezan em Porto Alegre – este último sequer foi ao segundo turno. Em 2020, houve 23,15% de abstenções, uma alta diante dos 17,5% da disputa de 2016.

O campo político que sai fortalecido do primeiro turno é o que podemos chamar de “direita pró-1988”, no interior da qual convivem velhos partidos de sustentação do regime, que governaram com FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, mas que eventualmente se diferenciaram deste último por defender as liberdades democráticas diante das manifestações golpistas do bolsonarismo. No campo social e econômico, mantêm a linha política de unidade burguesa pró-ajuste. No terreno nacional, a principal figura desse grupo heterogêneo é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. As vitórias de Rafael Greca (DEM) em Curitiba, Gean Loureiro (DEM) em Florianópolis, Bruno Reis (DEM) em Salvador e Kalil (PSD) em Belo Horizonte são importantes resultados deste campo de direita.

O fracasso bolsonarista

Após meses de manifestações dúbias sobre sua participação na campanha municipal, Bolsonaro decidiu vincular-se a candidaturas à prefeitura e às câmaras só para assistir à maioria de suas apostas naufragarem. Bolsonaro chegou ao ridículo de apagar uma publicação em rede social na qual indicava voto em 55 candidatos, das quais emplacou o prefeito de Ipatinga, considerando-se as grandes e médias cidades. Tal como um “Midas às avessas”, seus ungidos amargaram derrotas desmoralizantes, como a de Celso Russomanno em São Paulo ou mesmo a de “Wal do Açaí” em Angra dos Reis. O péssimo desempenho de Marcelo Crivella no Rio, a derrota da candidata Coronel Fernanda na eleição suplementar para o Senado em Mato Grosso e a perda da liderança de votos na Câmara do Rio por Carlos Bolsonaro, superado pela consagradora votação de Tarcísio Motta (PSOL), são outras demonstrações de fraqueza das apostas bolsonaristas.

É útil resgatar a clássica definição do marxismo de que as eleições burguesas são um espelho distorcido da luta de classes, tanto do ponto de vista da relação de forças como da representação das classes sociais, tendo em vista que os regimes políticos e a classe dominante atuam para reduzir a força popular nas urnas. O fracasso eleitoral do bolsonarismo, portanto, amplia a percepção de que o governo caminha para um desprestígio maior, fruto da situação mundial e dos desdobramentos da crise brasileira.

Nos últimos meses, um novo cenário mundial – marcado pelas manifestações antirracistas nos EUA e em todo o mundo, além da vitória do MAS na Bolívia, do “sim” no plebiscito pela nova constituição no Chile e de Biden contra Trump na eleição presidencial estadunidense – e a mobilização antifascista nas grandes cidades brasileiras debilitaram Bolsonaro e o obrigaram a parar sua escalada golpista. Desde então, o governo move-se com dificuldades constantes, entre crises palacianas, despreparo e improviso, ainda que, na sequência, uma breve recuperação de sua popularidade motivada pela concessão do auxílio emergencial tenha contribuído para afastar a hipótese do “Fora, Bolsonaro” tornar-se realidade. Nos próximos meses, portanto, o isolamento de Bolsonaro e a crise do governo devem aumentar.

O PSOL se fortalece como polo na esquerda e expressão da rebelião antirracista

A grande novidade na esquerda foi o desempenho do PSOL, sobretudo nas capitais. Além de levar para o segundo turno Guilherme Boulos em São Paulo, com mais de um milhão de votos (20,24%), e Edmilson Rodrigues em Belém, com quase 250 mil votos (34,22%), o PSOL foi o partido mais votado na eleição para vereador em Porto Alegre, elegeu a maior bancada do Rio Janeiro e a terceira maior de São Paulo. Nacionalmente, houve um crescimento relevante em comparação com 2016: foram eleitos, em todo o país, 89 vereadores e quatro prefeituras no primeiro turno.

A ida de Guilherme Boulos ao segundo turno em São Paulo foi capaz de desenvolver um polo de energia social, que superou eleitoralmente o PT pela esquerda na principal cidade do país. O fato de Boulos estar mais identificado com o PSOL ajudou-o a encontrar esse caminho. Nas capitais e nas maiores cidades, o PSOL também teve desempenho significativo, elegendo suas primeiras bancadas ou as ampliando. Isso não significa que o PSOL seja um polo de poder, ainda distante disso, pela desigualdade nos resultados. Há dificuldades, além disso, para que o PSOL apresente um programa mais geral para a crise do país.

Os resultados do PSOL também são uma expressão das lutas dos movimentos antirracistas, de mulheres e pela diversidade que encontraram no partido um espaço para realizar e dar visibilidade a estes enfrentamentos. São também uma expressão de uma nova situação, em que novos quadros e figuras públicas dão um passo à frente e assumem novas responsabilidades.

Deve-se levar em conta, por fim, um atraso na consciência de massas no país: a defensiva da classe trabalhadora segue prejudicando o desenvolvimento de uma consciência socialista, capaz de partir do ascenso de lutas democráticas em curso em direção a uma compreensão totalizante da necessidade de luta contra a dominação burguesa.

Nossa corrente, o MES, alcançou bons resultados em todo o país. Parabenizamos os esforços de nossas e nossos camaradas que se dispuseram a levantar a bandeira de nosso partido na eleição e se forjaram como novos tribunos do povo. Celebramos a eleição de Vivi Reis (Belém), Fernanda Miranda e Jurandir Silva (Pelotas-RS), Pedro Ruas e Roberto Robaina (Porto Alegre), Bruna Biondi Mulheres por Mais Direitos (São Caetano do Sul-SP), Josemar Carvalho (São Gonçalo-RJ), Luana Alves e Erika Hilton (São Paulo). Também atuamos e apoiamos as campanhas do mandato coletivo Ativoz (Osasco-SP), dezenas de vereadores nas cidades do Rio Grande do Norte, camaradas da FNL que elegeram a prefeitura de Marabá Paulista (SP) e mais três vereadores, além de suplentes e a eleição de dezenas de aliados políticos dentro do PSOL. Nossos parlamentares têm compromisso com a luta socialista, fazendo dos mandatos alavancas da mobilização popular e colocando suas estruturas a serviço da construção de uma alternativa revolucionária estratégica para o país.

Lutar e vencer: mobilizar para derrotar a direita no segundo turno!

A militância do PSOL em 600 cidades brasileiras, independentemente dos resultados sempre desiguais das urnas, sai fortalecida. Este é o momento de aproveitar as conquistas para avançarmos mais. Temos uma importante batalha no segundo turno: vamos com força para vencer em São Paulo e Belém, para transformar essas cidades em postos avançados da luta contra o bolsonarismo e em defesa dos direitos do nosso povo. No caso de Belém, será também um embate entre um bolsonarista que cresce e o PSOL, que pode vencer a eleição.

Nas cidades onde há uma disputa renhida com o bolsonarismo ou entre projetos antagônicos, como em Porto Alegre, apoiaremos, de forma independente e crítica, um polo antidireita e antiajuste.

Dessa forma, seguiremos nas próximas duas semanas com energia para que nosso partido saia vitorioso das lutas em curso. Nosso maior desafio, por sua vez, é converter essa força eleitoral crescente em influência social, organização e atividade militante para organizar os intensos combates que se avizinham.


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Pedro Micussi