Greve dos professores é resistência contra um genocídio

Professores de São Paulo resistem ao retorno às aulas presenciais, medida de Doria e Covas que deve levar pandemia ao pior patamar.

TLS-SP 15 fev 2021, 17:25

Os professores da rede estadual do estado de São Paulo decidiram na última sexta feira, 12 de fevereiro, pela manutenção da greve sanitária que teve início no dia 8 do mesmo mês. O trabalho remoto está mantido, mas os professores recusam-se a provocar aglomerações justo quando a pandemia atinge o ápice no Brasil. Atitude movida por uma sensatez que faltou ao governador Doria, responsável pela convocatório às aulas presenciais, e ao prefeito Bruno Covas, que acompanhou seu correligionário na decisão e anunciou nesta segunda (15 de fevereiro) o retorno às aulas presenciais na rede municipal. Mais ainda, a greve é um ato de resistência contra um genocídio deliberado. Vejamos o porquê.

Na última semana, o Brasil registrou a maior média diária de óbitos causados por Covid-19 desde o início da pandemia: foram 1105 mortes por dia. Ao todo, mais de 239 mil brasileiros morreram por causa da doença. No caso específico do estado de São Paulo, os óbitos não param de crescer desde o início do ano e, em fevereiro, atingiram o maior patamar desde agosto do ano passado. 

O colapso vivido em Manaus é um presságio do que pode ocorrer no Brasil todo, inclusive em nosso estado. Na capital amazonense, o coronavírus sofreu uma mutação genética que o tornou mais fatal e transmissível. Sem qualquer mecanismo de controle ou testagem em massa, a nova cepa de Manaus já atingiu o estado de São Paulo. 25 pessoas deste estado já foram identificados com a nova variante do vírus, sendo que 16 delas não viajaram ao Norte, uma evidência de que a nova cepa já espalha-se por aqui.

Posto esse cenário, qual o sentido de retornar às aulas presenciais? O vírus é menos letal e transmissível entre crianças e adolescentes, argumenta o governo. Sim, mas ser menos letal ou transmissível não significa que seja absolutamente inofensivo. Recentemente descobriu-se que uma Síndrome Inflamatória Multissêmica Pediátrica (SIM-P) é causada pelo coronavírus. Trata-se de uma síndrome que afeta crianças e adolescentes e pode causar uma enorme quantidade de sintomas (de inflamações na pele a problemas cardíacos), levando à morte. Ainda que pouco comum, a existência da SIM-P não nos deixa ignorar o fato de que o retorno às aulas coloca sim a vida de crianças em risco. 

Principalmente se considerarmos que as normas sanitárias são mais difíceis de serem cumpridas entre pessoas desta faixa etária. Se são comuns problemas de indisciplina (envolvendo atenção à aula ou cumprimento de tarefas, por exemplo) em absolutamente qualquer escola, o que nos levaria a crer que todas as crianças irão utilizar corretamente a máscara, manter o distanciamento, higienizar as mãos, etc.? Aliás, sejamos francos: basta uma breve caminhada pela rua até o supermercado para constatar que nem mesmo todos os adultos estão respeitando todas as normas sanitárias.

E por falar em adultos, cabe lembrar que, numa escola, há risco de contaminação e transmissão não apenas por parte dos alunos mas também pelos professores, profissionais de limpeza, equipe gestora e demais profissionais que mantém contato entre si e com os pais que vão até a escola para serem atendidos. Por essa razão, a APEOESP já registrou casos de transmissão de Covid-19 entre profissionais de uma mesma escola que estavam realizando trabalhos presenciais antes mesmo da abertura aos alunos. 

Além disso, a APEOESP acolheu inúmeras denúncias de escolas onde foram notificados novos casos após a volta às aulas e a diretoria afastou apenas os indivíduos que testaram positivo, mantendo a escola aberta. Trata-se de uma imensa irresponsabilidade. Pois, suponhamos que um professor teste positivo. Até que o teste seja feito e este professor afastado, ele pode ter transmitido o vírus para diversas outras pessoas da comunidade escolar. Estas, por sua vez, não testaram e podem estar assintomáticas mas transmitindo o vírus para seus colegas. Em suma, perde-se totalmente o controle da transmissão.

Essa foi uma das principais causas para o colapso ocorrido em Manaus. Amazonas foi o primeiro estado do Brasil a voltar às aulas presenciais. Na ocasião, sanitaristas alertaram para a prematuridade da medida. Demoraram poucos meses para que o resultado aparecesse.

Para piorar, neste carnaval, foram registrados diversos pontos de aglomeração pelo estado. Bares lotados, festas e baladas clandestinas de quem recusou-se a abrir mão da diversão pela vida. Se as festas de fim de ano de 2020 são a principal responsável pelo aumento de casos agora, o que ocorrerá após o combo carnaval e volta às aulas?

Que fique claro: a defesa da vida por parte dos professores não significa, absolutamente, que a categoria ignore os prejuízos causados a crianças e adolescentes em função da suspensão das aulas presenciais. Aliás, há anos o movimento pela educação resiste à sanha da indústria educacional de substituir todas as atividades presenciais pelo ensino à distância. Esta prática desvaloriza o trabalho do profissional de educação, empobrece a vivência educacional e prejudica severamente a educação dos estudantes. Entretanto, a solução não é arriscar a vida de toda a população (não apenas as comunidades escolares, mas toda a sociedade uma vez que os membros dessas comunidades também convivem com pessoas de outros âmbitos, como família, amigos, etc., causando aumento generalizado no número de casos). A solução adequada já existe: é a vacina.

A esta altura, felizmente a ciência já desenvolveu um meio capaz de prevenir o Covid-19, de modo que o dilema vidas ou educação (ou vidas e economia, etc.) seja falso. Os professores concordam que é urgente voltar às aulas presenciais. E por isso exigem celeridade na vacinação, que no momento ocorre a passos de tartaruga, colocando os professores na fila dos prioritários (atrás dos profissionais da linha de frente da saúde e dos idosos). O governo do estado de São Paulo cortou quase R$1 bilhão do orçamento da saúde para 2021. Este é apenas um exemplo de que muito mais poderia estar sendo feito para salvar vidas e retornar às aulas presenciais sem condenar milhares de pessoas à morte por isso.

A greve dos professores salva vidas. Deles mesmos e de toda a sociedade.


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Pedro Micussi