O fim da escola pública no Brasil avança a passos largos

No Brasil, há uma cruzada contra a escola pública, seja numa perspectiva ideológica, com setores conservadores como o famoso “Escola sem partido” ou de sucateamento das unidades escolares e desvalorização dos profissionais da educação.

Felipe Duque 17 mar 2021, 18:21

Existe uma concepção equivocada que o “final” de algo é só quando alguém o anuncia. Isso se vale para períodos históricos e suas representações.

Vocês imaginem ao final do sistema feudal, um nobre expondo em alto e bom som: “ESTÁ ACABADO O FEUDALISMO NO MUNDO, ENTRAMOS NA ERA MODERNA!!”. Não, não é assim que funciona, a maturação e a decadência de uma civilização, representação, ou o que seja, é invisível para quem está no tempo presente. Somente os analistas distanciados e cientes das discussões sofisticadas de mundo e do seu papel enquanto sujeito histórico, possuem uma leitura organizada para entender as modificações das estruturas de uma sociedade.

Nesse sentido, é perceptível o quanto o modelo iluminista clássico burguês moderno vem erodindo conforme o modo de produção capitalista se esgarça enquanto sistema comum a demandas de setores oprimidos e explorados. Aqueles valores civilizatórios pregados pela burguesia revolucionária em XVIII se esgotaram e suas representações materiais e patrimoniais como museus, bibliotecas públicas, o modelo republicano político liberal, dentre outros, vem sendo dissolvido no mundo e, em especial, no Brasil.

A peculiaridade do Brasil é sua condição de país periférico do capitalismo e que obteve avanços sensíveis na década de 1980, após 20 anos de ditadura empresarial militar, indo na contramão da história mundial, onde a construção de uma Constituição passou por disputas das classes e a classe trabalhadora optou pela defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade. Diversas entidades representativas dos profissionais da educação tomaram protagonismo do processo, assim como figuras emblemáticas, em destaques os intelectuais Paulo Freire, Demerval Saviani, Marilena Chauí, Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes.

Experimentações de modalidades políticas públicas em educação visando a universalização do acesso foram executadas, como os famosos Brizolões no Rio de Janeiro, questões orçamentárias como o FUNDEF no governo FHC e até os IFs no governo Lula. A burguesia trazia uma preocupação em desenvolver uma formação para a mão de obra dos filhos da classe trabalhadora, mesmo com suas contradições.

Essa preocupação se esvai, porém, a partir da década de 2010. A ampliação do exército de reserva, os levantes de juventude, seja no mundo árabe, na França, ou no Brasil em 2013, que iriam culminar nas ocupações de escolas, determinaria uma reflexão dos organismos transnacionais da burguesia acerca da manutenção desse espaço para o capitalismo, principalmente, nos países periféricos. No Brasil, especificamente, há uma cruzada contra a escola pública, seja numa perspectiva ideológica, com setores conservadores como o famoso “Escola sem partido” ou de sucateamento das unidades escolares e desvalorização dos profissionais da educação (como o caso do Rio de Janeiro, sem reposição há quase sete anos e uma perda de 40% do salário).

Esse processo tomou uma dimensão mais acelerada no governo bolsonarista e na pandemia, principalmente, após a luta dos educadores e estudantes do Brasil que derrubarem três ministros da educação de viés olavista-conservador e promoveram a manutenção do FUNDEB, ou seja, uma categoria “perigosa” para a manutenção do processo de desmonte do Estado.

A opção foi incluir esses profissionais nas medidas de austeridade, incitando a uma precarização ainda mais perversa da profissão, que vem culminando em exonerações no setor público e atividades extras além da profissão (Uber, venda de salgados, Avon etc.), além de uma extenuação mental e a continuidade da necropolítica na pandemia, onde muitos municípios e estados abriram escolas resultando na morte de milhares de profissionais da educação por Covid-19.

Lateral a isso, os discentes foram abandonados a própria sorte no ensino remoto, num país onde quase metade da população não tem acesso a saneamento básico e onde em muitas redes as verbas referentes a alimentação (merenda) foram desviadas, deixando esses sem acesso a tecnologia e a comida, em suma, a fome também foi de conhecimento. Essas experimentações da burguesia tem um sentido, esvaziar a escola pública, desmoralizar o conhecimento científico no ataque aos professores e uma privatização indireta dos serviços públicos para a classe e seus filhos. Os estragos foram articulados, congelamentos de salários e a incitação ao óbito dos profissionais da educação, além da exclusão dos filhos da classe. Tudo isso faz parte de um processo amplo: o fim da escola pública no Brasil que se movimenta a passos largos.


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