A máscara eleitoral e a luta contra o bolsonarismo

O cenário político, econômico e social brasileiro é caótico. As crises nos afligem de todos os lados e o governo federal parece mais preocupado em fortalecê-las do que resolvê-las. Até que ponto as eleições de 2022 tem capacidade de resolver essa situação?

Eduardo Theodoro 2 abr 2021, 18:15

Entramos em 2021 afundados em uma crise histórica. Se não bastasse a tragédia que o governo Bolsonaro seria por si só, estamos vivenciando a maior pandemia de nossas gerações. O Brasil é seu epicentro mundial, tratado como pária internacionalmente, com mais de 320 mil mortes, um sistema de saúde beirando ao colapso e uma campanha de vacinação vergonhosa. As eleições de 2022 e as novas mudanças do tabuleiro político podem trazer alguma esperança no horizonte, mas será que teremos condições de esperar até lá?

Com a anulação das condenações de Lula o cenário político se agitou, contribuindo até para a recente polêmica entre Bolsonaro e as Forças Armadas. A perspectiva de que o ex-presidente possa se candidatar em 2022 -ao menos por enquanto- reforça o debate acerca das alianças eleitorais para o ano que vem e as últimas manobras institucionais de Bolsonaro refletem seu desgaste. É muito importante que a esquerda chegue forte para combater o bolsonarismo nas urnas, mas também é preciso refletir qual o impacto das eleições no programa do partido.

É certo que as eleições têm um papel fundamental no modelo de democracia burguesa e na disputa de ideias dentro da sociedade, mas esperar quase dois anos para que seja possível concretizar maiores mudanças em nosso país é quase um absurdo. Enquanto escrevo este texto já atingimos a triste marca de 3.869 mortes em 24 horas por Covid-19, um boletim da Fiocruz aponta para o colapso geral do sistema de saúde -apenas dois estados com taxa de ocupação das UTIs menor que 80% no relatório de 23/03-, o Brasil voltou ao Mapa da Fome e o governo não parece se importar minimamente em socorrer a parcela mais vulnerável da população, fornecendo um auxílio emergencial de até R$ 375,00 para sustentar toda família e vacinando apenas 2,2% da população com duas doses e 6,8% com uma até o dia 26 de março. 

O custo da espera até 2022 será pago com as vidas e a miséria de milhões de brasileiros. O nosso foco no momento precisa ser a luta pelo impeachment de Bolsonaro e por uma gestão responsável e qualificada da crise. Não podemos esquecer e nem deixar de nos articular para o ano que vem, mas nossa prioridade não pode ser eleitoreira. Nosso compromisso precisa ser com o povo brasileiro e a necessidade de superação desse momento sombrio é urgente.

Como o debate eleitoral já começou, é preciso fazer algumas considerações. Não é possível descolar a discussão das eleições das discussões a respeito de estratégia e táticas do partido. Se para alcançar a superação do sistema capitalista estamos dispostos a adotar uma estratégia revolucionária, deveríamos encarar as eleições como um momento tático, já que não é possível realizar mudanças estruturais concretas dentro dos limites da democracia burguesa.

Enquanto Lula estiver no páreo eleitoral, a esquerda tem grandes chances de ter um candidato garantido para o segundo turno. Entretanto, ser de esquerda não implica ser anticapitalista. O PT mostrou, em seus 13 anos de governo, que não possui interesse em fortalecer a luta de classes, o objetivo de Lula e do partido é manter um programa de conciliação e reformas. Outros candidatos com mais força na esquerda também não se mostram como alternativas à ordem vigente.

Assumindo que o PSOL tem no seu horizonte estratégico uma perspectiva revolucionária, é preciso se firmar como um partido de massas para garantir seus objetivos. Com a guerra ideológica contra as concepções socialistas, o discurso tecnocrata neoliberal e a desilusão do povo com a política, a tarefa se torna ainda mais difícil. Além da necessidade de reforçar a aproximação com as bases, é preciso mostrar à população que não é possível fechar os olhos para a política e que, sim, existem outros caminhos possíveis. As eleições burguesas são o momento ideal para isso, afinal é quando o país volta sua atenção para pensar política.

Uma das armas mais poderosas da democracia burguesa é a ilusão popular de que a função política do povo é feita apenas a cada 4 ou 2 anos. Isso reforça o conformismo e facilita a implementação de projetos antipopulares, já que a situação ‘poderá mudar’ nas próximas eleições. Como ainda não temos força para mudar o sistema, é preciso construir os caminhos para sua superação usando os meios que ele nos fornece. Se escolhermos dissolver o programa do partido em um projeto reformista faremos um enorme desserviço para qualquer perspectiva revolucionária. 

O PSOL vem crescendo entre as massas e o resultado das eleições de 2020 é um reflexo desse crescimento. Entretanto, devemos ter em mente que nosso fortalecimento institucional é reflexo de mais popularidade e da esperança em um projeto distinto de país, mas não um fim em si. As eleições servem para aumentar a divulgação do nosso programa, para mostrar ao povo que existem alternativas reais, denunciar a barbaridade do capitalismo, acolher aqueles que estão indecisos e desamparados com a política tradicional, os votos são a consequência. Caso o partido se abstenha de mostrar sua cara quando os holofotes estiverem acesos, iremos cometer um erro que vai nos custar caro.

Sabemos o tamanho atual de nossa força e que após o término das eleições seremos oposição. Isso não nos impede de apoiar um candidato de esquerda no segundo turno, ou o mal menor contra Bolsonaro, mas é evidente que os projetos com maior capacidade eleitoreira não possuem a intenção de alterar a ordem, seja qual for seu espectro político. Se buscarmos compor um futuro governo nas próximas eleições ou propor um projeto conjunto com esses partidos, estaremos dissolvendo o potencial revolucionário das nossas organizações. 

Claramente, as lutas por mudanças trarão mais frutos em um governo de esquerda, ainda que capitalista. Entretanto, as mudanças possíveis dentro da ordem vigente não são suficientes. Não podemos ignorar as lições do passado recente de nosso país. Estamos assistindo as conquistas obtidas a duras penas serem facilmente destruídas pelo sistema ao longo dos últimos anos. A construção leva tempo, a destruição não. Se quisermos construir um país verdadeiramente justo e para o povo, não podemos dar brecha para que todo nosso esforço vá por água abaixo alguns anos depois.

Se nossa tarefa é revolucionária, precisamos do povo. Devemos buscar aumentar cada vez mais nossa aproximação com as bases, repolitizar a população, indicar alternativas e mostrar que somos capazes guiar este caminho. Em 2022, temos de aproveitar as ferramentas do sistema para impulsionar nosso peso popular. Diluir o programa não contribui para nenhum desses objetivos. Entretanto, por mais importante que sejam, as eleições são um momento pontual. Nossas obrigações atuais não se iniciam lá e tampouco terminarão depois que os votos forem contabilizados.

Atualmente, nossa principal tarefa é o impeachment de Bolsonaro e a derrota do bolsonarismo. Estamos presenciando uma crise global há alguns anos. As contradições do capitalismo vem aflorando mais uma vez e a estabilidade política começa a balançar, a legitimidade das instituições passa a ser posta em cheque, a insatisfação generalizada e o clamor por mudanças mais radicais ganham força. A reconfiguração das instituições vai se tornando cada vez mais inevitável, mas seu novo arranjo irá depender da correlação de forças entre as classes.

Bolsonaro conseguiu se aproveitar desse momento para chegar ao poder, assim como outros de sua corja ao redor do mundo. Seu projeto genocida de governo pouco incomodou a burguesia nacional, que só agora começa a tecer uma oposição mais contundente ao governo já que sua margem de lucro passou a ser ameaçada, mas a oposição dura somente enquanto houver riscos de prejuízo financeiro. Não há dúvidas que o governo atual é extremamente prejudicial à democracia e ao bem estar da população mais vulnerável, porém essas não são as prioridades da classe dominante brasileira. Não podemos esquecer que a ascensão do atual presidente é produto dos ataques anti-democráticos da burguesia nacional e que seu governo conviveu com ela sem grandes embates durante quase todo o mandato.

As aspirações autoritárias de Bolsonaro não se concretizaram até o momento. No entanto, é difícil atribuir o mérito deste fato à força de nossas instituições. A corrosão das liberdades democráticas vem se fortalecendo desde antes do governo atual e inclusive é ela quem possibilitou a eleição de um candidato que nunca escondeu sua admiração por regimes antipopulares e ditatoriais. Ele pode não ser o candidato ideal da burguesia, mas o capitalismo e a barbárie sempre andaram de mãos dadas, ainda mais na periferia do sistema. Para eles, a inconveniência de Bolsonaro é um mero detalhe.

De qualquer maneira, é importante ter em mente que uma parte considerável de seus eleitores são cidadãos comuns, desiludidos com o modelo político vigente, que buscam garantir as mínimas condições de vida e que podem ser acolhidos pelos nossos, mas para isso é preciso politizar-los. Eles votaram em Bolsonaro com a ilusão de que conseguiriam acabar com a corrupção das instituições, que a qualidade de suas vidas iria melhorar. É claro que o discurso de ódio também teve um papel importante na sua eleição, mas não foi o fator determinante.

Com o agravamento da crise sanitária no país, a imagem do presidente fica cada vez mais desgastada. É importante reforçarmos as ofensivas contra o genocida que senta na cadeira presidencial, não com o objetivo de fortalecer o partido ou a esquerda para as eleições de 2022 e sim a luta para salvar as vidas do povo brasileiro, que é nossa principal obrigação, mas isso não muda o fato de que protagonizar as lutas contra o governo nos postula como uma alternativa aos projetos de morte que tomaram conta do executivo e que encontram respaldo em setores do legislativo e do judiciário.

Os desafios à nossa frente são enormes, a crise sanitária é um prelúdio do colapso ambiental que devemos enfrentar nos próximos anos, a crise econômica já é inevitável e vemos a crise política ganhar corpo em diversos países, inclusive em nossos vizinhos latino-americanos. Se as condições objetivas para uma mudança radical da sociedade vem ganhando contornos cada vez mais claros, cabe a nós assegurar as condições subjetivas para concretizar essa mudança. (Eco)Socialismo ou barbárie não é apenas uma palavra de ordem, mas a tarefa histórica da nossa geração.


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