A omissão dos bancos no distanciamento social e o “esquecimento” dos bancários na fila da vacina da PL 1011/2021

A permanente sabotagem do poder econômico do critério científico nos planos de distanciamento e vacinação explica porque protagonizamos o maior desastre mundial no combate à Covid.

Andrei Freitas Teixeira 12 abr 2021, 12:24

Não devia ser uma questão de discussão complexa. Estamos diante do maior desafio desta geração e sabemos muito bem que a sua solução depende de um comportamento simples e objetivo. DISTANCIAMENTO e VACINA são as duas formas de combater o covid. Ponto. 

Quem pode, DEVE ficar em casa. Porém, poder, em todos os sentidos, é algo pouquíssimo relacionado com os que não estão no topo da pirâmide social, especialmente num país onde a injustiça é tão naturalizada. O que se espera de autoridades políticas e empresariais minimamente responsáveis é honestidade intelectual no estabelecimento do que é essencial e ação objetiva para manter em casa quem pode ficar em casa, adaptando seu trabalho à situação e/ou garantindo uma renda mínima para alimentação da sua família neste período. Aí está a questão principal, inicial, que desregula todo o resto e impede a elaboração e consequente aplicação de um programa nacional de imunizações coerente. Não haver vacina não interfere nisso, pois o plano não muda. O que acelera com a disponibilidade ou atrasa com a escassez de vacinas é a sua aplicação. 

Quem precisa estar mais exposto ao vírus, pela natureza essencial da sua atividade, deve ter prioridade para receber a vacina, depois dos grupos mais sensíveis ao agravamento da doença, como idosos e portadores de comorbidades, claro. Creio que não há muita dúvida quando à classificação destes primeiros grupos. Nem quanto à inclusão dos trabalhadores da saúde envolvidos com o processo de vacinação e atendimento de emergência e intensivistas, por serem os responsáveis pelo combate à doença e defesa da vida. Mas é justamente quando a discussão passa para as categorias profissionais que passamos a sofrer com distorções de conceitos, lobbies corporativos, interesses políticos e poder econômico. 

Quais atividades podemos considerar como verdadeiramente essenciais? Sei que pode ser perturbador perceber que o que a maioria de nós fazemos, não é essencial num momento como esse. Na verdade pode ser essencial apenas para a sobrevivência de quem pratica essa atividade. Mas também pode ser revelador do que é essencial para a vida e do quanto nos apegamos ao que é acessório ou mesmo irrelevante. 

Porém, como eu disse no começo, a questão a ser discutida neste momento é bem menos filosófica e muito mais objetiva. Num momento de calamidade na saúde pública, esgotamento da capacidade dos hospitais, com centenas morrendo nas filas para conseguir UTI, com o risco iminente de contaminação, quando batemos dia após dia recordes de mortes por coronavírus, podemos considerar que o atendimento bancário é essencial? Algum ou outro serviço talvez, mas depende do tipo de atendimento e de quem é atendido. 

Hoje se faz quase tudo pelo celular. O “quase”nos leva a pensar no que não pode ser feito por app mas somente presencialmente: pagamentos em espécie de benefícios e outros poucos serviços, em especial para quem não tem celular ou destreza mínima, como grande parte dos idosos, justo os que preferencialmente deviam permanecer em casa. Percebe-se que todo o resto, que é a maioria e é muita coisa, que acontece numa agência bancária, não é essencial ou poderia ser muito bem realizado à distância, pelos canais alternativos, tão desenvolvidos pelo setor bancário, mais do que em qualquer outro. 

É preciso acentuar que o essencial num momento de calamidade não é o mesmo para que uma nação desenvolva-se economicamente em época de normalidade, quando os demais serviços bancários são sim importantes, bem como o atendimento presencial, ao contrário do que muitos apregoam diante do surgimento da fintechs, que basicamente substituem a estrutura da agência e a mão de obra por robôs virtuais e atendimento inteiramente automatizado.

De quantos funcionários uma agência precisa para atender apenas aos serviços essenciais referidos em época de calamidade? Dois ou três podemos supor. Certamente alguém no caixa e um gerente. Todo o resto poderia (e deveria) estar em casa, trabalhando em home office, atendendo ao aumento natural das demandas por telefone ou aplicativo dos clientes que não podem e não querem sair de casa, com toda a razão. 

Diante do exposto é evidente que não podemos classificar toda a categoria de bancários como passível de risco de contaminação, portanto merecedora de ser lembrada quando da elaboração da lista prioritária para a vacinação. É muito claro que os funcionários que PRECISAM atuar na linha de frente, interagindo presencialmente com dezenas ou mesmo centenas de clientes, antes de merecer, também PRECISAM ser incluídos na lista de prioridade. Veja que a questão não é se merecem ou não tomar primeiro a vacina por serem mais ou menos precarizados ou terem mais ou menos condição de protegerem-se ou recuperarem-se do vírus. A questão é objetiva, novamente. Uma agência bancária pode converter-se num centro de distribuição de vírus, onde seus funcionários seriam os vetores. A vacina não é só para defender quem a toma mas também quem interage com essa pessoa. A essa altura esse entendimento devia estar sedimentado na sociedade. 

O que vemos há mais de um ano nos bancos é vista grossa para a questão da contribuição que estas instituições podem dar, tanto para a disseminação do vírus quanto para o seu controle. Vista grossa dos banqueiros e da imprensa, da qual estão entre os maiores patrocinadores. Os bancos continuam fazendo de tudo para seus funcionários serem “esquecidos” nos planos de controle de distanciamento elaborados pelos governos. Perceba como as agências bancárias não são mencionadas em nenhum deles, nem na mídia, embora poucos lugares na cidade propiciem mais aglomeração do que uma agência bancária. Ao invés de manter um caixa e um gerente, os bancos fazem de tudo para manter todos os funcionários possíveis atendendo presencialmente, quando a tecnologia bancária é avançada o suficiente para manter todos trabalhando em casa, como poucos setores podem. Ao contrário, o trabalho em casa muitas vezes é sabotado em tal nível que o funcionário prefere pedir para voltar para o trabalho presencial, apesar de todo o risco. Não é nada cômodo ter que trabalhar de casa com metas irreais de venda de seguros, capitalização e previdência, com um telefone com DDD de outro estado, em época em que spam telefônico é insuportável, de modo que pouca gente atende ligação de número desconhecido, principalmente se for de fora do seu estado.

Na agência, as metas continuam, e até aumentam. Metas de seguridade! Onde está a essencialidade de um cliente que vai numa agência contratar um título de capitalização? Ops! Mas não era pra ser apenas serviços essenciais? Não era pra ser atendimento previamente agendado? Nunca foi. As agências continuam abertas para todo o tipo de atendimento, para a felicidade dos negacionistas da pandemia. Até nos momentos mais severos de distanciamento, quando todo o comércio fechou, os bancos permaneceram abertos com 50% do quadro atendendo presencialmente. Sendo que nos 50% os bancos se recusam a considerar os trabalhadores da vigilância, limpeza e outros terceirizados. Ah, claro! O corona sabe quem é vigilante e quem é bancário né?!

Não há vacina pra todos hoje, sabemos bem. Quando se mantém todos os trabalhadores possíveis atendendo clientes, se amplia a quantidade de pessoas expostas à contaminação, portanto que deveriam ser contempladas entre os prioritários. Não é mais um caixa e um gerente. É mais da metade das agências, de todas as agências. É bastante gente. 

Há muitas categorias em risco, por isso a lista é tão grande para poucas vacinas. O fato de constarem nela grupos que talvez não pareçam tão prioritários diante de outros tão evidentes é um problema. O fato de se tratar como uma discussão corporativa e não objetivamente, identificando quem deve ser imunizado primeiro por expor-se mais ao vírus e não por pertencer a uma categoria é outro problema. Isso faz com que um dentista que não atue possa ser vacinado antes do motorista de ônibus, por exemplo, por apenas possuir uma carteira do conselho. 

Mas a omissão dos bancos com conivência de governo e mídia diante da catástrofe é indesculpável. Prejuízo para as vidas de funcionários e familiares, com o aumento de risco direto pela exposição desnecessária. Prejuízo para a sociedade, ao manter seus funcionários em contato cada um com dezenas ou centenas de clientes diariamente, multiplicando muitas vezes o potencial de propagação do vírus. Prejuízo para o programa nacional de imunizações, ao aumentar o público que deveria ser imunizado preferencialmente diante da escassez de vacinas. 

Não à toa dirigentes de grandes bancos (Bradesco, Safra, BTG Pactual e Banco Inter) estiveram no jantar com Bolsonaro no último dia 7 de abril. Foram os primeiros a serem socorridos por Paulo Guedes, há mais de um ano, com o repasse de impressionante R$ 1,2 trilhão, como se a drenagem de recursos da sociedade, a concentração de riquezas que promovem há décadas e os perdões fiscais injustificáveis não fossem suficientes. Não à toa também o Brasil é o país que mais produziu bilionários durante a pandemia. 

Supõe-se que pelo seu poder econômico e político no governo Bolsonaro (não somente dele), os bancos tenham sido os primeiros a pressionarem para que o Brasil seja o primeiro país a privatizar a vacina e provavelmente sejam os primeiros a aplicá-la em seus funcionários. Tudo para que as agências continuem abertas a todo vapor, com suas metas de produtos e tudo. Se isso sabotará o programa nacional de imunizações, se o critério científico será definitivamente substituído pelo econômico, se mesmo os funcionários vacinados poderão continuar transmitindo a doença para uma imensa massa que ainda custará a ser vacinada, pouco importa para os banqueiros. Importa é que os lucros não cessem. 

Entre manifestações de pesar pelas perdas diárias de colegas e familiares e entre cobranças de metas de seguro, previdência e capitalização, os bancários acompanham a divulgação da PL 1011/2020, que trata da fila de vacinação, onde mais uma vez foram esquecidos. Não há como explicar para esses trabalhadores que eles são essenciais para exporem-se na linha de frente mas que não são priorizados na elaboração da lista da vacina. Se o raciocínio lógico fosse adotado no lugar da ganância, a maioria dos bancários não seria nem uma coisa nem outra. Muitos vivem há meses uma rotina diária alterada nas suas casas, de distanciamento dos seus familiares, alguns com comorbidades, para não os infectarem depois de um dia de contato com tantas pessoas. 

Mesmo que não haja vacina, mesmo que demore pra ela chegar, a lista soa como uma desfeita. Mais que isso, o desprezo ao trabalho dos bancários durante a pandemia e a necessidade de imunizá-los para evitar a propagação do vírus na sociedade, muito além de desprestigiar a categoria, demonstra que a falta de critérios para fechar estabelecimentos e para atacar a doença, em atendimento à dupla DISTANCIAMENTO e VACINA, é mais um dos fatores que não permitem que imaginemos que o Brasil sairá tão cedo da vergonhosa posição de epicentro mundial da pandemia e maior produtor e exportador de novas variantes. 


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