Glauber contra os delírios de um Brasil em transe

Glauber contra os delírios de um Brasil em transe

A jornalista Bruna Porciúncula conta parte da trajetória de Glauber Braga (Deputado Federal pelo PSOL-RJ e pré-candidato à Presidência da República).

Bruna Porciúncula 16 jun 2021, 09:45

As eleições de 1986 no Rio de Janeiro seriam marcadas por uma derrota dura para o projeto de Leonel Brizola em solo fluminense. O deputado federal e pré-candidato à Presidência da República pelo PSOL, Glauber de Medeiros Braga, tinha quatro anos quando Moreira Franco, ex-prefeito de Niterói, venceu nas urnas o antropólogo e educador Darcy Ribeiro, então vice-governador de Brizola e o homem que assinava o ambicioso projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps).

Foi nessa eleição que Glauber pegou o primeiro panfleto de campanha, lembrança fixada à memória infantil apesar da pouca idade do garoto, nascido em uma família brizolista de Nova Friburgo, cidade da região serrana do Rio de Janeiro. O pleito nacional de 1989, em que Brizola integrava a abarrotada lista de 22 candidatos à presidência, ao lado de Lula e do vencedor Fernando Collor, é outra recordação nítida do deputado.

– Lembro bem de ver meus pais acompanhando o Brizola na TV. Parecia que eles mudariam o Brasil a partir daquela fala – relembra.

Glauber teve uma infância entrecortada pela política e isso naturalmente forjou os caminhos que seguiria. Quando criança, acompanhou a rotina da mãe, Saudade Braga, eleita vereadora de Nova Friburgo em 1992. Assistia às sessões plenárias da Câmara Municipal e já percebia a sinuosidade que certos vereadores concediam à vida parlamentar. A atuação e a posição de alguns, lembra Glauber, mudavam conforme ambições e interesses – nem sempre conectados com os anseios do povo. Na Câmara Federal, uma década depois, toparia com o mesmo comportamento entre os deputados federais.

Antes dos 18 anos, Glauber agregou à herança brizolista as influências da família que o acolheu durante um intercâmbio em Sevilha, na Espanha. Era uma casa comandada por uma matriarca revolucionária que combatia ferrenhamente os resquícios do franquismo. De volta a Nova Friburgo, filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), sigla que mais se alinhava as suas ideias dentro do espectro partidário que se tinha na época, o comecinho dos anos 2000. Foi sob a mesma legenda que Saudade Braga elegeu-se prefeita de Nova Friburgo por dois mandatos, de 2001 a 2008. Inspirado na mãe, o caçula também decidiu enfrentar a aventura de fazer política num terreno nada florido, mesmo na cidade que ostenta o título de segunda maior produtora de flores do país.

Nas administrações da mãe em Nova Friburgo, Glauber Braga combinou militância orgânica e o trabalho na prefeitura. Atuou como secretário de governo, chefe de gabinete e secretário de projetos especiais. Viu as dificuldades de uma mulher comandar um município que se desenvolveu pelo ideário liberal burguês e cultivou, além de flores e tecidos, o mito de ser a Suíça brasileira. Em seu primeiro mandato, Saudade Braga contava com o apoio de apenas dois dos 19 vereadores, bateu de frente contra o monopólio da empresa de ônibus da cidade e fez governos muito focados na educação, ampliando o número de creches de três para mais de 40.

Saudade chegou a ser alvo de pedido de impeachment sob alegações que se mostraram inverídicas e deixaram claro um plano de tentar boicotar o governo em razão de a prefeita não compactuar com as relações viciadas entre o Legislativo e o Executivo. Ela recorreu à Justiça. Foi absolvida por unanimidade das acusações e viu se esvair a estratégia golpista de seus opositores.

– Ganhamos nas ruas. A população se mobilizou contra o golpe e teve papel fundamental nas decisões judiciais – relembra o deputado, à época do episódio, já suplente na legislatura federal.

Deus e o Diabo na Terra do Sol

Glauber é Glauber por conta da admiração da mãe e do pai por Glauber Rocha, ícone da contracultura no Brasil e um dos expoentes do Cinema Novo perseguidos pela ditadura militar. Saudade Braga, em razão da inauguração do CIEP Glauber Rocha, no distrito de Conselheiro Paulino, teve a oportunidade de conhecer a mãe do cineasta baiano e arrancou dela algumas lágrimas ao revelar a homenagem com o batismo do filho, que, à revelia de uma predestinação do nome, não se envolveu em nada com cinema. Quem chegou mais perto disso foi a irmã mais velha do deputado, Ivana Braga, diretora de TV.

O roteiro de Glauber estava na política. É seguido com referências na trajetória da mãe e também do pai, o médico Roberto Braga, que chegou a se candidatar a deputado estadual anos atrás, mas preferiu atuar mais nos bastidores, como um conselheiro.  Do envolvimento da política local, Glauber saltou direto para o cenário nacional, quando assumiu o cargo de deputado federal em 2009. Nas eleições de 2006, havia ficado na suplência.

No pleito de 2010, foi eleito com mais de 57 mil votos, ainda como integrante do PSB. Foi durante esse mandato que Glauber deixou de ser um militante disciplinado para questionar alguns posicionamentos do partido. Em 2013, fez uma representação oficial contra o presidente estadual da sigla no Rio de Janeiro, Alexandre Cardoso, por considerar a atuação do dirigente a favor de outros interesses e forças políticas que não os defendidos pelo partido. Foi um ano marcado pela onda de protestos que tomou as ruas do país, em uma demonstração massiva de insatisfação com a classe política.

No ano seguinte, o PSB fechou posição frente à disputa entre Dilma Rousseff e Aécio Neves (PSDB) nas eleições para a Presidência da República. Apoiaria o tucano e faria um voo por direções no mínimo contraditórias a uma parcela do ninho militante socialista.

– Uma parte do partido queria liberar as bancadas nos Estados, mas na reunião do diretório nacional, fecharam apoio ao Aécio. Vi que aquela festa não era minha. Era uma guinada à direita que eu não poderia aceitar. Eu me levantei e falei isso. Só parte da juventude que estava ali aplaudiu e a Erundina, que disse: “Vamos, meu filho, eu vou sair com você”. Ela também já tinha uma posição contrária ao que estava ocorrendo.

Em 2015, Glauber Braga filiou-se ao PSOL. Parte da juventude do PSB que o aplaudiu naquela reunião faria o mesmo. Luiza Erundina também tomaria essa decisão, um ano depois do colega de bancada.

Terra em Transe

A situação do governo de Dilma Rousseff naquele 2015 era dramática. A economia despencava aos piores níveis em 25 anos, a presidente petista amargava uma popularidade constrangedora de 10% de aprovação. A Operação Lava-Jato arrefeceu as esperanças de que Dilma completaria seu segundo mandato. Com manobras e empenho de ex-aliados, a primeira mulher a ocupar a Presidência da República no Brasil deixou o posto por um golpe parlamentar, inaugurando um período de vale-tudo na política brasileira que resultaria em um espetáculo de aberrações, entre elas a eleição de Jair Bolsonaro. Ficou também ainda mais evidente que certas alianças na trama política não reservam um final feliz para quem se ilude com o bom-mocismo dos vilões.

Com o drama à brasileira se desenrolando sob certa previsibilidade, Glauber conseguiu se reeleger em 2018 e reforçou convicções dentro do PSOL. Uma delas é a de que um partido precisa definir seu destino a partir da sua militância e não por projetos de poder individuais dissociados das forças que o compõem. Encontrou isso no novo ambiente partidário e sempre enumera essa característica do PSOL como um dos motivos que delinearam a filiação. A outra é de que o ascenso da extrema direita e de um ideário fascista, incendiado pela atitude criminosa de Bolsonaro e de seus apoiadores, precisa de uma resposta nas ruas e no fortalecimento de um programa de esquerda consciente da luta de classes e da estrutura que precisa ser derrotada.

Glauber Rocha costumava dizer que a arte não é só talento, mas sobretudo coragem. O bordão do cineasta cai bem se transposto à política. Aos 38 anos, o deputado federal de Nova Friburgo topou assumir o papel de pré-candidato à presidência pelo PSOL, quando vive a expectativa do nascimento do primeiro filho, Hugo, com a também deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). O nome do menino é, pelo lado do pai, inspirado no ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez, e, pelo lado da mãe, uma homenagem a Hugo Miguel Bressano Capacete, o nome real de Nahuel Moreno, líder revolucionário trotskista da Argentina e dirigente da IV Internacional.

No cenário nacional, a pré-candidatura de Glauber chega no clamor por uma unidade de esquerda e frente à consolidação do nome do ex-presidente Lula como opositor direto de Bolsonaro nas eleições de 2022. Não deixa de ser corajoso aceitar ser uma voz destoante do senso comum que aposta em Lula para mudar o que está aí. O problema é quem permanece nos bastidores dessa cena toda.

– Não rejeitamos a unidade, mas os limites têm de ser evidentes e antecipados. Não cabe direita liberal fantasiada de centro. Queremos articular um programa que não tenha medo de dizer que é de esquerda, sem ser sectário – diz.

A decisão de se colocar como pré-candidato a presidente ocorreu depois que Glauber já havia se assegurado de que nomes mais conhecidos do partido, como Guilherme Boulos, não estariam vislumbrando a vaga. Também não significa confluência de energias à disputa eleitoral. Glauber é um entusiasta da tomada das ruas pela população para que Bolsonaro caia antes de outubro de 2022. A pandemia, agravada pelo descaso e pela incompetência do governo, o caráter ultraliberal da economia, o fundamentalismo, a devastação ambiental e a ampliação do estado punitivo e violento sobre os direitos de trabalhadores e da população mais pobre moldam essa urgência. Glauber está convencido de que a moderação, neste caso, pode até acalentar uma vitória eleitoral – e pode significar o contrário, como ocorreu com Andrés Arauz no Equador -, mas não derrota as estruturas que sustentam o governo Bolsonaro e as aspirações medíocres, mas não menos perigosas, da direita brasileira. A moderação e suas alianças já estiveram em cartaz. Muitos personagens são conhecidos, e o final desse filme todo mundo conhece.


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Pedro Micussi