Um debate nada escolástico com a Resistência
Uma continuação do debate com a Resistência
Esta contribuição continua o diálogo com o texto “Sem a análise da realidade, não chegaremos a lugar nenhum”[1], resposta da Resistência ao nosso texto “Três formas de confundir a vanguarda”[2] e que parece confirmar nossos argumentos apresentados inicialmente. Escrito pela companheira Glória Trogo e pelo companheiro Henrique Canary, o texto não só reafirma as lacunas nas posições da Resistência como as exalta, conforme tentaremos expor abaixo de forma breve.
O primeiro texto da polêmica tinha um objetivo claro: demonstrar que a Resistência utiliza de forma errada os termos “quietismo”, “ofensiva permanente” e principalmente “Frente Única” na justificativa de sua política atual. Mas declarar estes erros sem demonstrá-los não adianta de nada, portanto o longo texto inicial procurou debater os conceitos a partir da nossa tradição histórica, sem economizar nas citações clássicas nem nas declarações da própria Resistência justamente pela importância desse debate. E vale lembrar também que estes termos não caíram do céu, são utilizados de forma insistente tanto pelo companheiro Valério Arcary como pelos editoriais da Resistência como base teórica para sua política de aderência ao petismo.
Note-se que esta aderência ao petismo não é um problema moral, mas sim uma política consciente de aproximação com setores petistas e filopetistas em busca de espaço político. Nesse movimento, a Resistência reduz suas críticas contra o PT ao mínimo possível, dedicando poucas linhas à diferenciação com o oportunismo enquanto agita um novo governo Lula como saída para nossos problemas atuais. Para justificar teoricamente esse movimento, deturpam a tática da Frente Única e a aplicam pela metade, realizando poucas exigências e nenhuma denúncia em prol de um futuro “governo de esquerda” com um programa bem mais rebaixado que aquele de 2002.
Como nossas afirmações sobre isso estão bem claras no primeiro texto e não foram refutadas, não vemos a necessidade de repeti-las aqui. Ao invés disso, vamos ao debate sobre o texto recente dos camaradas, que começa assim:
Há alguns anos, existe um debate intenso entre as organizações da esquerda revolucionária brasileira. Ocorreram mudanças bruscas na realidade, e com isso vieram novas polêmicas, tensões e interpretações distintas. Isso é normal e saudável. O problema é que, assombrados pela marginalidade, por pressões dos aparatos eleitorais e sindicais, e pela autoproclamação, é muito comum que os debates tenham baixíssimo nível político.
Frequentemente, as polêmicas são marcadas pelo ataque mútuo, pela estigmatização de posições e pela ideia destrutiva de que o maior inimigo é aquele que está mais próximo. Ao contrário do que parece muitas vezes, encher os textos polêmicos com citações deslocadas, nem sempre serve para “aumentar o nível” do debate. Muitas vezes, serve apenas para retirar o debate do terreno em que ele deve se dar: a realidade concreta. Ao invés de “elevar o nível”, tal método transforma as discussões em repetições escolásticas e dogmáticas, em mais do mesmo. Ao se depararem com esse método por parte de muitas organizações, os melhores e mais valorosos ativistas desanimam e se afastam. Trata-se, portanto, de um método destrutivo e sectário.
Infelizmente, este trecho resume o espírito da resposta da Resistência. Começa com uma tentativa de desqualificação dos interlocutores, substituindo o debate político por caracterizações sobre “marginalidade”, “pressão dos aparatos” e “autoproclamação”. Nós também temos uma caracterização sobre a Resistência e também poderíamos expô-la aqui, mas por aí não iríamos longe. Voltando ao trecho acima, os camaradas criticam o texto inicial por suas “citações deslocadas”, pelas “repetições escolásticas e dogmáticas” e seu “método destrutivo e sectário”. Mas quais seriam estas citações deslocadas? Seria possível apontar o erro conceitual sobre o “quietismo” sem referências à Kautsky? Seria possível apontar o erro sobre a “ofensiva permanente” sem referências à Bela Kun? E o mais importante, seria possível debater a Frente Única sem utilizar as formulações da 3ª Internacional sobre este tema?
Esta postura defensiva nos surpreende porque os camaradas sempre prezaram pela elaboração teórica. No texto inicial foram demonstradas uma série de lacunas na posição da Resistência – reproduzindo exaustivamente inclusive seus próprios textos – que simplesmente não foram respondidas e continuam em aberto, e qualquer leitor pode verificar isso. A formulação principal dos camaradas para o momento, “unir a esquerda para derrotar Bolsonaro”, foi duramente criticada pela sua incoerência e até agora não teve uma defesa direta, assim como os questionamentos sobre a relação entre frente única e unidade de ação, entre tantos outros temas.
A posição de Trotsky e as teses da Internacional sobre a Frente Única são bem claras e contradizem totalmente a formulação da Resistência, por isso é tão importante voltar a elas. Perante esta crítica, os camaradas poderiam utilizar as teses de 1922 para demonstrar o contrário ou mesmo propor uma atualização destas teses, mas ao invés disso declaram esse debate “escolástico” e mudam de assunto. É uma pena.
Vejamos outro trecho do texto:
Estudamos o brilhante trabalho de John Riddel, intitulado “Às Massas”, publicado recentemente, e que traz as intervenções detalhadas de todos os informes do III Congresso da IC. Para Lenin e Trotski, a unidade nunca foi sinônimo de capitulação. A definição tinha um sólido caráter de classe. Para os revolucionários da III Internacional, a social democracia, a saber, as direções burocráticas e traidoras, deveriam ser parte da unidade, justamente por serem, em muitos países europeus, os dirigentes majoritários da classe. Um detalhe importante é que mesmo nos países em que os comunistas eram maioria a tática da Frente Única foi aplicada.
Por aqui poderíamos começar um bom debate teórico, e acreditamos sinceramente que nos debruçar sobre as teses e os informes do III Congresso não seria um esforço “escolástico”. Mas o que chama atenção nesta argumentação é a definição de que a “unidade nunca foi sinônimo de capitulação”. Esse é o nosso ponto! Temos total acordo e demonstramos isso no primeiro texto. Mas nossa posição não está contra a tática da Frente Única – justamente ao contrário – criticamos a utilização da Frente Única para justificar a capitulação da Resistência frente ao petismo. O erro não estava em Lenin e Trotsky, está na Resistência, tal como demonstramos no primeiro texto.
Na contribuição inicial demos alguns exemplos desta capitulação, como nas considerações tímidas sobre a questão da dívida pública ou da taxação das grandes fortunas, ou na defesa prévia do voto em Lula no primeiro turno mesmo em aliança com a burguesia (e sem o risco de Bolsonaro) ou mesmo na utilização da mesma argumentação falaciosa da burocracia (na qual o adiamento das manifestações serviria para “mobilizar” tal como fez a direita no impeachment de Dilma). Mas em pouco tempo já tivemos elementos novos desta capitulação, seja com a Resistência impulsionando atividades nitidamente eleitorais do petismo como o “Chama o Lula – Plano de Reconstrução do Brasil”[3], seja em novas formulações recentes do camarada Valério[4]:
Há quatro argumentos perigosos. O primeiro é aquele que denuncia que os partidos de esquerda, até o PSol para alguns, não mobilizaram como deveriam. É evidente que há diferenças táticas diante do governo Bolsonaro. PT e, também, PCdB apostam na tática do lento desgaste. Prevalece no PSol a defesa da tática da Frente Única de Esquerda, mas há também setores que apostam na tática da ofensiva permanente. Mas não é verdade que o PT, ainda que dividido, não apostou na convocação dos Atos. Chegou atrasado, mas apoiou.
A expectativa de que as direções dos partidos mais moderados da esquerda poderiam colocar em movimento milhões de pessoas é uma ilusão. A autoridade de Lula aumentou, mas não depende da vontade individual de ninguém a derrubada imediata de Bolsonaro. Nenhum partido jamais teve esse poder. A idealização da disposição de luta das massas populares, neste momento, é um erro de avaliação. É razoável que seria possível investir mais nas convocações, mas parece desproporcional imaginar que o resultado teria sido muito superior, depois de quatro tentativas.
Neste trecho, Valério defende que o PT fez todo o possível para avançar nas mobilizações, mas o problema está na disposição de luta do povo. Vejam onde chegamos. Poderiam ser escritas páginas e páginas demonstrando o contrário, poderíamos pensar na convocação de uma mobilização nacional em dia de semana, poderíamos planejar um grande ato em Brasília, são inúmeras as possibilidades. Não adiantaria, para a Resistência as direções “quietistas” já tentaram de tudo, fizeram o máximo que puderam, mas as massas não estão dispostas a lutar contra Bolsonaro.
Esta aderência ao petismo é tão evidente que obriga a Resistência a assinar embaixo de qualquer louvor aos antigos governos do PT em nome de tal unidade, como no texto recente também assinado por Valério[5]:
Até o golpe de 2016, o Brasil caminhava para comemorar os 200 anos de Independência de cabeça erguida. O país enfrentava desafios tão importantes como sair do mapa da fome, expandir o nível de emprego, financiar a educação e a saúde com as riquezas do pré-sal, ampliar o mercado interno e conquistar protagonismo internacional.
Parece inacreditável, mas os camaradas da Resistência subscrevem esta posição na Folha de São Paulo sem nenhum constrangimento, mudando de posição tão profundamente e sem nenhuma vacilação. Isso não é menor, afinal se “o Brasil caminhava de cabeça erguida” e o país “enfrentava desafios tão importantes como sair do mapa da fome, expandir o nível de emprego, financiar a educação e a saúde, ampliar o mercado interno e conquistar o protagonismo internacional”, qual foi a razão de existir do PSOL nesses anos todos? É uma argumentação totalmente falaciosa que a Resistência aceita tranquilamente.
E é ainda mais gritante esta ideia do “protagonismo internacional” que empurra a intervenção no Haiti para debaixo do tapete e mente sobre os grandes eventos de 2014 e 2016. Enfim, é este tipo de posição insólita que a Resistência tanto repete e que tanto criticamos, não vemos necessidade de reproduzir novamente toda a argumentação.
O fantasma da corrupção
Quando a argumentação falha, qualquer polêmica com o MES tem sempre uma rota de fuga, um botão de emergência para debatedores em apuros. Gerdau, PV, Marina, Ciro e Lava Jato são algumas palavras mágicas sempre à disposição para “salvar” nossos interlocutores. São temas que foram debatidos exaustivamente, cada um em seu tempo e a sua maneira, mas que nunca falham para coesionar discursos sem coesão. Para além da enorme descontextualização de cada um destes temas e da ignorância sobre o crescimento recente do MES através de fusões com organizações que também criticaram estas movimentações, nos chama atenção que a Resistência levante uma tática eleitoral de 10 anos atrás como parte do argumento, sendo até chistoso relembrar o que defendiam os camaradas na mesma época.
Sobre Ciro Gomes, temos antes de tudo algumas dúvidas. Qual é a posição dos camaradas sobre as recentes movimentações de Guilherme Boulos com o PDT em São Paulo? Conspiraram para essa nova tática ou descobriram pela imprensa? Essa movimentação cabe na tática da Frente Única? Nos parece que esta crítica sobre Ciro é meio casuísta, então deixamos estas perguntas em aberto e voltaremos ao assunto após as respostas para as questões acima.
Mas o tema da luta contra a corrupção continua atual e merece ser desenvolvido. Para isso, nada melhor que partir novamente da crítica dos próprios camaradas:
Alguns anos atrás, e não muitos, os camaradas do MES apostavam mais em Moro do que em Lula. Enquanto força “progressista”, por assim dizer. Para eles, a Lava Jato tinha aspirações republicanas e progressistas, e a demonização do PT poderia abrir espaço para a esquerda socialista. No auge da popularidade de Moro, chegavam a afirmar que a vitória do juiz numa possível disputa presidencial seria “uma vitória distorcida das massas”. É fatidicamente famosa a postagem de Luciana Genro com seu “Viva a Lava Jato!”. É difícil entender como este esquema se sustenta depois da eleição de Bolsonaro, mas, no entanto, fica bem fácil compreender porque esses temas não são tratados no texto dos camaradas.
O MES apostou, junto com uma parte da esquerda e com figuras de partidos burgueses, como Ciro Gomes, que o antipetismo poderia ser um terreno fértil para ideias da esquerda socialista. Esse flerte com os verde-amarelinhos, calcado numa avaliação objetivista da realidade, resultou em uma política oportunista e deu errado. Sem entender porque isso ocorreu, é impossível acertar na política para derrotar o governo e bolsonarismo (neofascismo).
O antipetismo nasceu reacionário, gestou o neofascismo, é uma ideologia de direita, com forte base na burguesia e em setores da classe média anti-povo trabalhador e anti-esquerda. Este fato inquestionável também é parte da interrupção da experiência da classe trabalhadora e também da vanguarda com o petismo e o lulismo. Hoje o ativismo amplo e os setores mais conscientes das massas estão fazendo uma conta muito simples, precisamos de unidade para derrotar o governo Bolsonaro, tanto nas lutas como nas eleições. E este caminho para nós não significa diluição, nem adesismo. O caminho para construção do Psol, passa por nosso partido se colocar, assim como fez no golpe, do lado certo da história.
Este tema já foi trabalhado à exaustão, mas vamos novamente ao debate a partir da definição da Lava Jato como operação bonapartista. Assim como o exemplo original do século XIX, o bonapartismo atual é derivado da crise de hegemonia burguesa, e não de uma ação unificada e unilateral da burguesia, como defendem há anos os camaradas. Uma crise de hegemonia é diferente de um inverno siberiano, de uma onda conservadora e mais ainda de uma derrota histórica, para usarmos alguns termos utilizados pela Resistência.
Daí que a Lava Jato foi uma ação bonapartista de uma fração da burguesia contra outra, desenvolvida a partir de elementos concretos (Odebrecht, Camargo Correa, JBS, etc ) e Lula foi afetado estando ligado à fração burguesa atacada, do PMDB e das “campeãs nacionais” que tanto lucraram em seu governo e que o ex-presidente tanto defendeu. A burguesia não operou unificadamente para levar Bolsonaro ao poder, pelo contrário, ele chega ao poder justamente devido a esta crise na burguesia, tal qual Luis Bonaparte. Nesse sentido, a entrada de figuras como Moro e Mandetta no governo representavam a fraqueza de Bolsonaro, não sua força, e só isso explica a desorganização no andar de cima e a profunda crise do governo mesmo antes da pressão popular nas ruas. Se a burguesia estava tão unificada, o que explica a situação do governo hoje?
Este erro fica explícito no texto quando os camaradas definem a forte base do antipetismo “na burguesia e em setores da classe média”, recusando a força desta posição entre a classe trabalhadora porque se o fizessem desmontariam seu principal argumento. Para os camaradas, a burguesia estaria unificada pelo antipetismo e assim operou para levar Bolsonaro ao poder. Isso é uma meia verdade porque, apesar da burguesia se utilizar da extrema-direita para avançar em seu programa e nisso expressar alguma unidade, Bolsonaro nunca foi o plano A e a crise atual de seu governo reflete isso diretamente. Mas o problema está mais embaixo, os escândalos de corrupção se combinaram aos efeitos da “marolinha” e afetaram profundamente o petismo entre a classe trabalhadora justamente porque não foram simples invenções da mídia, foram fartamente sentidos e documentados.
A luta contra a corrupção é parte importante da luta democrática em um país clientelista e patrimonialista como o Brasil e por isso hoje ela volta novamente como ferramenta essencial para desmoralizar Bolsonaro perante setores da classe que ainda tem ilusões na extrema-direita. Por coerência com os próprios argumentos, os camaradas da Resistência que tanto combateram esta luta – e ajudaram a jogá-la no colo da direita – não deveriam hoje utilizar essa perigosa tática “moralista” contra Bolsonaro, afinal a corrupção seria um “problema estrutural, não simplesmente de governos” cujo combate “não acumula para uma posição classista”. Apesar de risíveis hoje, estes argumentos foram levantados há pouco tempo pela Resistência.
A leitura fácil, e totalmente parcial, de que Lula foi simplesmente uma vítima da burguesia e do imperialismo ignora todo esse processo, assim como a recordação permanente da fatídica postagem ignora que esta ocorreu no dia da prisão de Eduardo Cunha. Além disso, essa agitação estudantil contra o MES ignora o papel de nossa corrente em todo processo da Vaza Jato. A armação que coloca Gleen Grenwald e o Intercept como heróis e, ao mesmo tempo, identifica Luciana Genro e David Miranda como vilões só faz sentido para quem acompanhou todo este processo da platéia, bem longe do jogo. Nossos próprios debates com a Resistência na época foram interessantes, quando os camaradas formalmente defendiam a luta contra a corrupção em abstrato, mas não conseguiam dar um exemplo prático dessa luta e se colocavam contra qualquer tipo de investigação concreta, em uma posição que na prática significava a libertação de figuras como Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima ou Marcelo Odebrecht.
Enquanto apontávamos à época para a crise no regime e a necessidade de afirmar uma alternativa, inclusive defendendo eleições gerais, o petismo fingia que a corrupção em seus governos não era uma questão e denunciava a ação unitária da burguesia articulada com o imperialismo para derrubar um “governo popular”, no melhor estilo campista de argumentação. É evidente que o imperialismo e as frações da burguesia nacional não acompanham nenhum processo político do camarote e interviram fortemente, assim como é evidente que Curitiba manobrou juridicamente contra o PT com motivos políticos, mas o marco de todo este processo foi de polarização política e de crise intraburguesa. Não se trata de forma alguma de uma questão jurídica, e foi por isso que defendemos a liberdade de Lula para concorrer às eleições mesmo sem nenhuma crença em sua “inocência”.
Isso não significa minimizar o perigo de Bolsonaro e da extrema-direita, mas entender o processo que levou à sua ascensão para melhor combatê-lo em condições de superar o perigo fascista de fato, e isso só será possível apostando na luta de classes e avançando em mudanças estruturais, disputando na sociedade um programa radical de mudança. Uma derrota eleitoral de Bolsonaro é essencial, mas a profunda crise não será resolvida por cima, e a extrema-direita continuará existindo e ameaçando mesmo se Bolsonaro for derrotado. Logo, o PSOL não pode cair em uma armadilha de repetição na qual rebaixamos nosso programa em resposta a esse risco (que marcará nossa época) porque assim só fortaleceremos a extrema-direita enquanto polo político por mudanças. Não se combate o fascismo sem ampla unidade de ação, mas não se derrota o fascismo vacilando frente ao oportunismo, portanto defendemos total unidade para derrotar Bolsonaro e nenhuma capitulação contra os interesses da classe, nossa fórmula é simples.
Além disso, esta crise de hegemonia não é um processo simplesmente nacional, e vimos pelo mundo simultaneamente tanto a ascensão de governos de extrema-direita como o desenvolvimento de processos profundos de luta popular. Pensar o mundo de hoje exige refletir a combinação dos fenômenos de Trump, Bolsonaro, Modi, Duterte, etc, com as explosões sociais na América Latina, o BLM e o desenvolvimento do movimento socialista estadunidense, as gigantescas lutas camponesas na Índia, a resistência em Hong Kong e até mesmo a guerra civil em Myanmar. Cada um a seu modo, são todos fenômenos que expressam este cenário de polarização internacional.
Mas, enquanto o mundo girava, os companheiros da Resistência recusavam terminantemente a ideia da polarização e proclamavam a onda conservadora, o inverno siberiano e em casos extremos até uma derrota histórica. Esse impressionismo está na raiz dos erros atuais da Resistência porque caso estivéssemos frente a uma derrota histórica imposta por uma burguesia unificada, qualquer elemento programático estaria subordinado à reversão desta situação, mas felizmente não é isso que estamos vivendo e os novos processos reafirmam isso. Aparentemente a falta de referências internacionais reduziu a capacidade de formulação dos camaradas, e nesse sentido seu movimento de aproximação junto à IV Internacional é muito positivo.
Frente de Esquerda com Lula?
Para finalizar nossa argumentação, voltamos ao texto dos camaradas:
Por que agora há uma rejeição tão grande em defender uma Frente de Esquerda para derrotar Bolsonaro? Este tema tem relação direta com a caracterização do antipetismo. Os camaradas seguem apostando na batalha por um antipetismo de esquerda.
Para nós, o Psol deve ser parte de uma batalha pela Frente de Esquerda e apresentar desde agora um programa anticapitalista para esta unidade. Esta é a melhor política para construir a derrota da estratégia da Frente Ampla, e trazer para primeiro plano o debate do caráter de classe da aliança que deve ser feita para governar o Brasil.
O texto propositalmente mistura o debate sobre a Frente de Esquerda e a participação em Governos de conciliação de classes, coisas absolutamente distintas. Nossa posição é nítida e está sendo aplicada desde hoje. Não compomos nenhuma prefeitura municipal do PT, nem defendemos que o Psol o faça. Aliás cabe registrar que nossa corrente não tem nenhum cargo na prefeitura do Psol em Belem do Pará, ao contrário do MES que sempre adotou uma posição de ampla flexibilidade na relação com o Estado burguês. De antemão podemos afirmar com tranqüilidade que não participaremos de um possível Governo Lula e nem defendemos que o PSOL o faça. Em seu texto, os companheiros levantam um fantasma de uma possível participação da Resistência em um governo petista. De onde tiraram isso? De algum texto da Resistência? De nossa prática política? É evidente que se trata de uma manobra polêmica, e das mais desonestas.
Em primeiro lugar é importante esclarecer que, em nenhum momento, insinuamos que a Resistência participaria de um hipotético governo Lula. Pelo contrário, temos certeza que os camaradas não fariam esta composição com setores da burguesia. O que dissemos, e reafirmamos, é que a Resistência fortalece um campo político cuja direção tem como objetivo central a participação nesse possível futuro governo. Não precisamos criar espantalhos sobre isso, é uma análise simples. Mas vejamos como aqui também a política da Resistência – uma Frente de Esquerda liderada por Lula – apresenta contradições insolúveis. Ora, se uma Frente de Esquerda (ou seja, com um programa de esquerda) pode assumir um futuro governo, por que não participar deste processo de mudança? Aqui mais uma vez a lógica controversa da Resistência se desmascara, afinal não defendem entrar em um futuro governo porque sabem de antemão que a frente de esquerda com o PT é impossível, mas não podem assumir isso pelos motivos citados acima. Lula já declarou aos quatro ventos que seu plano não tem nada de esquerda, mas os camaradas continuam agitando a “Frente de Esquerda” supostamente para tentar deslocar algum setor desavisado. Mas nem mesmo Boulos, o suposto exemplo dessa política, confirma a Frente de Esquerda em São Paulo porque busca o PDT e a Rede.
É uma questão simples: se defendem tanto a Frente de Esquerda com Lula, por que estão contra participar de um futuro governo Lula? Porque os camaradas sabem qual será o teor deste possível governo. Então por que não debatem isso hoje? Porque atrapalharia sua localização política atual junto ao petismo. Não conseguimos ver a situação de outra forma e ainda não tivemos nenhuma resposta convincente sobre mais esta lacuna.
Fechamos com o trecho final do texto:
Hoje qualquer pessoa razoável que se oponha a Bolsonaro olha a realidade (não os textos sagrados) e se pergunta: como derrubá-lo? Que força pode assumir essa dianteira? Evidentemente que a resposta das massas é Lula e o PT, e isso não depende do nosso desejo. Ao negar isso, a proposta do MES acaba por, na prática, entregar toda essa parcela da população para os braços da direção do PT, sem dar qualquer batalha pelo enorme e extremamente progressivo espaço político que se abrirá.
De nossa parte, queremos disputar esse espaço. Isso passa por combater a proposta da direção do PT de Frente Ampla, impondo nas lutas e nas eleições a unidade de todos os partidos de esquerda e todas organizações dos explorados e oprimidos da classe trabalhadora. Aliás, é curioso como exatamente nesse ponto (“Frente Ampla”), a proposta do MES se assemelha à proposta da direção do PT. Mas isso não surpreende. O oportunismo é o resultado lógico e a outra face do objetivismo, do dogmatismo e do sectarismo.
Aqui chegamos a outro momento esclarecedor no qual os camaradas “explicam” sua aderência ao petismo porque as massas vêem Lula e o PT como a dianteira da derrota contra Bolsonaro. Não vemos isso de forma tão unilateral, mas aqui o motivo desta aproximação torna-se a necessidade de derrota da extrema-direita, ou seja, é uma tática de unidade de ação e não de Frente Única. Caso as massas vissem esta dianteira antifascista em Ciro ou Mandetta, este mesmo argumento também seria válido? Para nós sim, apoiaríamos qualquer um contra Bolsonaro e é exatamente por isso que nosso critério para o voto em Lula está relacionado ao risco da extrema-direita, seja no primeiro ou no segundo turno. E sem recuar em nossas posições perante o povo porque nessa época de crise a extrema-direita não será derrotada por um novo governo burguês.
Ao final sobram críticas ao oportunismo, ao objetivismo, ao dogmatismo e ao sectarismo. Mas nossa posição é simples e nossas questões principais não foram respondidas, então cabe aos camaradas respondê-las ao invés de apelar a subterfúgios.
[1] https://esquerdaonline.com.br/2021/07/30/sem-a-analise-da-realidade-nao-chegaremos-a-lugar-nenhum/
[2] https://movimentorevista.com.br/2021/07/tres-formas-de-confundir-a-vanguarda-um-debate-com-a-resistencia-psol/
[3] https://web.facebook.com/watch/anulasupremo/
[4] https://esquerdaonline.com.br/2021/07/29/sem-as-massas-nao-e-possivel-derrotar-bolsonaro/
[5] https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/08/lula-livre-brasil-livre.shtml