As questões decisivas no Congresso do PSOL

As questões decisivas no Congresso do PSOL

Roberto Robaina escreve sobre as três questões decisivas que envolvem o VII Congresso do PSOL.

Roberto Robaina 22 set 2021, 10:24

Um congresso é um momento de definições de rumos. É a instância mais importante, o momento em que o partido define o que é, em particular a relação de forças entre as distintas tendências de pensamento, o que quer ser, qual seu balanço do que foi e as perspectivas do que está por vir. É claro que essas definições são processuais. Não ocorrem ao mesmo tempo, em um único ato, sequer em um único congresso. Mas a cada congresso, o partido vai se definindo. E há congressos mais decisivos do que outros. Este é um deles. Talvez seja o mais decisivo da história do PSOL depois de sua fundação. Quais são as questões decisivas deste congresso? A resposta requer o conhecimento de que período de tempo abarca o prazo de validade das suas decisões, ou seja, até o próximo congresso. O próximo congresso do PSOL, se ocorrer em dois anos como prevê a regra, será após as eleições, portanto, num próximo governo.  Vejamos então quais são as três questões centrais deste congresso.

A primeira delas não é simplesmente do PSOL. Trata-se da tarefa que une milhões e unifica um sem número de instituições: a luta pela derrubada do presidente genocida Bolsonaro. Esse é o tema mais importante para o país, para o futuro. O PSOL tem a obrigação de não medir esforços nesse sentido. Tal necessidade deve ordenar toda nossa política, nossa estratégia e nossas táticas.

A segunda questão, logicamente vinculada a primeira, caso os esforços pela queda não deem o resultado esperado, é a tática para as eleições de 2022. Como método, devemos pensar as eleições levando em conta seriamente a hipótese de Bolsonaro concorrer. A terceira questão envolve um problema em que as variáveis ainda estão muito mais indefinidas, mas existem como tendências e hipóteses: trata-se da relação do PSOL com o próximo governo. Nesse ponto, é preciso reforçar como funciona o partido, quais suas regras e seus estatutos.

O congresso é o órgão soberano do partido. Ele tem de definir qual a posição do partido diante dos governos. Como o próximo congresso ocorrerá somente depois da posse do novo governo, qual posição tomará o PSOL? Participará do governo? Será oposição? Não se pode definir antes de saber que governo teremos. Mas vejam que o partido tem essa questão para resolver se levamos em conta que o próximo congresso ocorrerá meses depois da posse de um próximo governo nacional. Uma das formas de resolver a questão é prestar muita atenção em que direção se votará para dirigir o partido. Afinal, entre um congresso e outro, quem conduz o partido é a direção. Mas além disso, vale definir parâmetros e princípios que devem nortear decisões futuras dessa mesma direção, e que deles tal direção não poderá sair sem pelo menos um novo congresso.

Sobre a primeira questão-chave do congresso, a campanha do Fora Bolsonaro, é preciso ter proporções e saber que os rumos da situação não dependem do congresso do PSOL. Temos unidade no partido na definição pelo Fora Bolsonaro e, nesse sentido, já é um ponto resolvido. É uma unidade óbvia, mas vale a pena ressaltar a importância da unidade. Unidade no objetivo: derrubar o governo o quanto antes. Unidade no método: impulsionar mobilizações de rua amplamente unitárias. Unidade no mecanismo, na defesa do impeachment ou no apoio à decisão do TSE. Não é o caso de fazer, neste texto, um balanço exaustivo da luta do PSOL pela derrubada do governo. Esse balanço não deve ser central no Congresso, embora todos saibam, e vamos reivindicar a correta luta por parte dos deputados federais do partido ligados a nossa tese a favor do impeachment. Fizemos o primeiro pedido de impeachment de Bolsonaro, respondendo a essa necessidade no momento certo. Apesar de não ter sido assinado pelo atual presidente do partido, da corrente Primavera, que se recusou dizendo que não era hora, o pedido foi assinado pelo setor que hoje tem a maioria da bancada federal do PSOL e por mais de 1 milhão de pessoas.

Sobre o tema da campanha pelo Fora Bolsonaro, há também uma discussão de balanço e de orientação em relação aos atos de rua: se o partido deveria esperar sempre pelas decisões do PT ou se poderia também protagonizar ações com outros aliados, como a UP, o PSTU e o PCB. Estivemos entre os que defenderam unidade de ação sem subordinação. A existência de um setor mais decidido a puxar os atos de rua permitiu que o movimento de massas respondesse em momentos que o PT não queria dar respostas. Mas não vamos nos deter nisso agora. O importante é todos mergulharem no chamado ao ato unificado de 2 de outubro para que tenhamos a mais numerosa ação de massas pela derrubada do governo. Esse esforço unitário é o que conta agora.

Sobre a segunda questão decisiva do congresso, a resposta que o PSOL dará às eleições de 2022, eis um debate que depende exclusivamente do congresso. Pelo que sabemos, é unânime entre os delegados eleitos a decisão de que a tática eleitoral seja ordenada pela necessidade de derrotar Bolsonaro. Creio que, corretamente, predomina a ideia de fazer os cálculos com o genocida disputando o pleito. Essa decisão se expressa de modo muito claro a partir da seguinte definição: o PSOL apoiará no segundo turno qualquer candidato que se oponha a Bolsonaro. Essa é uma resposta à necessidade número um do país. Dialoga com o medo legítimo de milhões de pessoas de que Bolsonaro possa continuar de alguma forma. Isso deve ser dito de modo claro desde o início, desde agora. No segundo turno, nosso engajamento será por qualquer candidato que não seja Bolsonaro. Além disso, defendemos que, se tivesse risco a uma candidatura de esquerda ou centro esquerda, concretamente, se tivesse risco de o nome de Lula perder no primeiro turno para um candidato diretamente burguês, seríamos a favor de chamar a votar em Lula no primeiro turno. Mas está muito evidente que sequer esse risco existe. E não há margem qualquer para que Bolsonaro vença as eleições no primeiro turno. Essas questões devem ser esclarecidas porque a novidade neste congresso é que parte da direção atual, hoje maioria, está ensaiando, pela primeira vez na história do partido, abdicar de ter candidatura própria a presidente da República. Para dizer as coisas como são, estão querendo um cheque em branco para negociar as condições do apoio a Lula. Querem que o congresso não defina sobre a tática eleitoral. Querem definir eles mesmos, na próxima direção. Nesse ponto, temos em curso um verdadeiro escândalo e uma capitulação sem precedentes. Esse caminho precisa ser barrado.

Entre os setores da direção que trabalham pelo apoio à candidatura de Lula desde o primeiro turno, há pelo menos dois tipos. Um setor que escreve, trata de justificar, coloca algum condicionamento programático e reivindica alguma compensação eleitoral; outro que apenas apoia Lula, incondicionalmente, sem sequer escrever as razões desse apoio. Até compreendemos por quê. Afinal, eles simplesmente apoiam o programa, a estratégia e a linha de campanha de Lula. Se apresentam como fãs nas redes sociais e no máximo “exigem” o fim do teto de gastos, o que naturalmente já está no programa do PT e de muitos setores importantes da burguesia.

Já temos debatido que consideramos propagadores de confusões e de ilusões aqueles que defendem a candidatura de Lula como expressão da frente única com um programa de esquerda e sem alianças com a burguesia. Se isso fosse possível, também defenderíamos essa tática. Mas está provado, por 13 anos de governos do PT e pelos discursos de Lula, que sua candidatura é incompatível com a independência de classes e com um programa de esquerda. Em todo caso, embora seja uma política que confunda e demande o irrealizável, seu mérito é ter um critério correto, programático, que define os motivos de um eventual apoio. Feita a experiência até o final, a conclusão seria de que o PSOL deveria ter candidatura própria justamente para que o programa de esquerda existisse nas eleições. Não seria grave, porque seria apenas uma questão de tempo.  A questão é se esse setor permanecerá coerente com seus próprios textos e não esquecerá o programa de esquerda como pré-requisito à conformação da frente de esquerda (que, para ser de esquerda, teria de ter pelo menos o programa de esquerda). 

Mais recentemente surgiu a discussão de que, para que a frente fosse conformada, o PT teria de ser generoso e retirar o nome de Haddad, apoiando a candidatura de Boulos para o governo de SP. Não queremos entrar aqui nessa discussão porque não estamos entre os que buscam uma compensação para apoiar Lula no primeiro turno. Registramos apenas dois pontos:

a) A candidatura de Boulos em SP é efetivamente muito importante. Nas últimas pesquisas, o nome de Haddad aparece na frente de Boulos, mas não é motivo para que o PSOL desista.

b) Não vemos a hipótese de o PT retirar o nome de Haddad, e logicamente seria desarmar o partido, como já está ocorrendo, centrar a discussão da aliança com o PT nesse ponto. Dá mostras de um pragmatismo eleitoral que se coloca acima dos interesses da classe trabalhadora. Ainda assim, também esperamos que os companheiros não abram mão de sua exigência e acabem aceitando apoiar Lula no primeiro turno sem “compensação” alguma, para usar suas próprias palavras. 

De toda forma, fica uma pergunta: não poderia ser lícito, em razão de ser um grande movimento de massas contra Bolsonaro, participar da campanha de Lula já no primeiro turno? Não seria o mais inteligente a ser feito? É um debate licito, seguramente, sendo esse o motivador. Acreditamos, porém, que não seja o mais inteligente. E muito menos que seja esse o motivador da tática pró-Lula de parte da direção. Por que não é o mais inteligente? Primeiro, porque participaremos em comum da luta nas ruas pelo Fora Bolsonaro, que seguirá caso o genocida não caia. Será a palavra de ordem central da campanha, a tarefa fundamental.

Segundo, porque, aderindo no primeiro turno, perderemos a possibilidade de usar nossa própria força para golpear Bolsonaro, usar nossa autoridade contra o governo, nosso palanque eletrônico e nossas atividades de campanha (além de poder usar para o chamado do voto na legenda e ajudar na superação da cláusula de barreira, outro risco para a existência do PSOL). Apoiando Lula desde o primeiro turno, estaríamos subordinados ao PT, deixando tudo nas mãos de Lula, sobre cujo discurso não temos nenhuma interferência (nem alas importantes do PT têm). Como regra, são discursos de conciliação de classes, de sustentação do regime político, de defesa do balanço positivo dos seus próprios governos.

Mas o problema ainda se agrava mais: estamos num congresso em que a parte da direção que apoia Lula não tem como motivador razões táticas ligadas ao movimento de massas. Querem apoiar no primeiro para naturalizarem a decisão futura de participação no governo e negociar com o PT melhores condições dessa participação. É claro que estão no mundo das ilusões por um lado, já que a importância do PSOL num eventual governo Lula tenderia a zero. Por outro lado, estão no mundo dos projetos reformistas e de carreiras individuais para ter algum lugar ao sol na gerência do estado burguês e seus programas capitalistas, cujo compromisso de Lula é ser capaz de administrar com maiores ou menores medidas sociais compensatórias, conforme a conjuntura de alto ou baixa do ciclo econômico (tudo indica que estaremos em baixa, pelo menos no início). Esses setores querem concretamente ser parte do governo e realizar, na melhor das hipóteses, a velha máxima oportunista: abandonar os objetivos históricos do proletariado em troca de vantagens de curto prazo.

A decisão de participar do governo Lula seria uma ruptura com a razão de ser do PSOL, uma negação dos princípios fundadores do partido, a saber o princípio da independência de classes e não aceitar governos de colaboração com os partidos da burguesia, mas não uma ruptura de uma parte da direção com sua própria história na medida em que essa parte da direção não esteve na fundação do partido e aderiu ao PSOL a partir dos impactos do escândalo do mensalão. Nos referimos não a todos os setores que entraram em 2006, mas aos que defenderam a liderança de Randolfe Rodrigues e tiveram as prefeituras de Macapá como modelo de governo. Aderir ao governo Lula está muito longe de ferir seus princípios, ou, neste caso, a falta deles. Felizmente, esse setor esteve longe de alcançar 50% das forças dos delegados deste congresso, perdendo força desde o momento em que o próprio Randolfe saiu do PSOL. Em seguida, o ex-prefeito Clésio saiu também e apoiou a família Alcolumbre na última eleição municipal de Macapá. Por isso, este congresso deve escolher bem a próxima  direção. Afinal, mesmo com menos de 50%, esse setor buscará liderar alianças que ampliem sua força. É o que farão, já sabemos. Daí, decorre também a necessidade de o congresso estabelecer parâmetros e princípios sobre a relação do PSOL com o próximo governo, eventualmente se for um governo liderado por Lula. Esse principio é de que o PSOL não deve participar de um governo comum com forças da burguesia e que aplique programas econômicos capitalistas. É um princípio básico? É um princípio da fundação do PSOL? Seguramente. Mas é ele que está sendo questionado por uma parte da direção. É ele que está em risco. Por isso, este é um congresso tão importante. É a defesa dos princípios do PSOL que está em jogo. A defesa dos princípios dos anticapitalistas e dos revolucionários.

Para construir o PSOL é preciso afirmar a necessidade de um projeto independente que, desde já, defenda um programa de reivindicações, que, começando pelo Fora Bolsonaro siga defendendo, contra o desemprego e a carestia, a redução da jornada de trabalho sem corte de salários, o congelamento dos preços dos alimentos e dos combustíveis, o incentivo à agricultora familiar com crédito barato, auxílio técnico e reforma agrária, além da defesa de indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Um programa que defenda a auditoria da dívida pública e a estatização do sistema financeiro, cuja prioridade será incentivar a produção em massa de moradia populares. Que defenda também medidas radicais de proteção da Amazônia, reprimindo atividades criminosas na floresta, a grilagem de terras e a mineração clandestina e em áreas protegidas. Um projeto que incentive pesadamente a mudança da matriz energética e proteja os biomas, necessidades impostergáveis.

Também afirmar um programa de segurança pública que combata a morte de nossa juventude, além de adotar medidas básicas de controle social na ação das polícias, como câmeras de vigilância nos uniformes, mas que também garanta a melhoria salarial a soldados, cabos, sargentos e tenentes, com incentivo às polícias comunitárias, não aceitando entregar as bases das forças policiais para a extrema direita bolsonarista. Um programa que aponte de modo claro que a única saída para a classe trabalhadora, para todos os explorados e oprimidos, a imensa massa de homens e mulheres que sofrem os tormentos de um sistema cuja riqueza de poucos se efetiva pela miséria da esmagadora da maioria, é a organização e a luta por suas reivindicações, seus interesses e seus direitos. Que é nessas lutas que o PSOL deve estar. Aí deve ser nossa prioridade, incentivando a autoorganização e a confiança do povo apenas em si mesmo.

Como prova de que temos tarefas bem concretas não resolvidas, quase mínimas, depois que inúmeros governos  passaram com a máquina estatal intacta a serviço da dominação burguesa contra os ativistas que lutam, é urgente hoje, como ontem, erguer uma bandeira da esquerda socialista em 1997, em 2004 e agora novamente: “Liberdade para Zé Rainha. Lutar não é crime”.


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Pedro Micussi