Por que os atos de 2 de outubro não ganharam a escala dos milhões

Por que os atos de 2 de outubro não ganharam a escala dos milhões

Roberto Robaina escreve sobre os atos do dia 2 de outubro e as perspectivas que estão postas.

Roberto Robaina 6 out 2021, 17:30

O ato de 2 de outubro não superou em números as manifestações mais fortes da campanha Fora Bolsonaro. Seguimos na escala de centenas de milhares. O ato foi vitorioso, porque mostrou, mais uma vez, que, também nas ruas, há uma maioria social de oposição ao bolsonarismo. Essa maioria, aliás, é muito superior à capacidade que os atos tiveram de atrair. O potencial de manifestação de rua é muito superior. Tal potência, porém, ainda não virou ato. Por quê? Ademais, o entusiasmo de 2 de outubro foi visivelmente inferior aos atos da campanha até então. Isso indica já uma dinâmica? Certamente mostra que as chances de se chegar à escala dos milhões e de que tenhamos uma verdadeira mobilização de massas pelo Fora Bolsonaro começa a ser menos provável, mantidas as condições atuais.

Quais são as condições atuais? Antes de mais nada, vejamos como os atos são encarados pelas duas forças políticas com maior peso na oposição ao bolsonarismo: a burguesia liberal e o lulismo. Atualmente, a opção preferencial da burguesia liberal é não se arriscar na linha do impeachment. Pelo menos não sem encontrar um candidato da terceira via. Enquanto isso, o centrão segue usando a fraqueza de Bolsonaro para se beneficiar com o orçamento secreto.  Por sua vez, Bolsonaro mostrou que, malgrado seu crescente isolamento, tem capacidade de produzir crise e não abrirá mão disso caso ousem afastá-lo. Esses fatores afastam a burguesia liberal da linha do impeachment e desmotivam amplos setores de massas, que perdem suas esperanças em uma saída rápida da crise.

Em parte como efeito, mas também se adicionando a tais fatores, cresce a ideia de que as eleições devem ser o mecanismo da mudança de governo. Tal espírito se fortalece pela definição do PT, e de Lula em particular, de ter como eixo de atuação a eleição de 2022 e preferir enfrentar Bolsonaro. Por isso, os atos começam a ter até a aparência de atos eleitorais, ainda sem a presença do candidato principal, mas é uma aparência reforçada pelo fato de que nem mesmo passeata foi feita no caso da Paulista. Lula tem como eixo se movimentar na construção de alianças com setores burgueses para manter Bolsonaro isolado e se credenciar como o único capaz de estabilizar o capitalismo brasileiro.

Delfim Neto, intelectual orgânico da burguesia brasileira e tecnocrata da ditadura militar, sabe disso e já apóia Lula desde o primeiro turno. Sarney, Renan, Eunício devem seguir a mesma linha para manter seus interesses oligárquicos. Lula nem comparece nos atos para deixar bem demonstrado que sua estratégia é o conserto das instituições burguesas via amplas negociações, reduzindo qualquer hipótese de protagonismo das ações de rua na definição dos rumos da política. As ruas no máximo devem ser complementares. Nada com muito entusiasmo. Para a linha da estabilização do capitalismo, o protagonismo das ruas sempre foi uma ameaça.

 As ruas sempre foram o lugar em que os extremos podem crescer. Lula sabe disso. Sem as ruas, por exemplo, a chamada extrema esquerda não tem tração. A força de posições anticapitalistas se desenvolve quando existe ascenso social. Esse mesmo ascenso que faz crescer a extrema esquerda é o único realmente eficaz para por nas cordas e derrotar a extrema direita. Em situações em que as instituições liberais burguesas são atacadas pela extrema direita no governo, o incremento significativo das mobilizações sociais é útil para defender essas próprias instituições. Por isso, tivemos as raras experiências de presenciar a Rede Globo, expressão da burguesia liberal, até mesmo estimulando mobilizações contra o governo. Lula sabe também que tais movimentos são necessários para manter sua força eleitoral. Que o silêncio das ruas não é o ideal. Mas nem Lula nem a burguesia liberal fazem o cálculo de que necessitam mobilizações de rua na escala de milhões. Quando as mobilizações ganham tal escala de massas, fica muito mais difícil controlá-las. No caso concreto, é evidente que o resultado seria uma mudança da relação de forças que teria condições de impor a queda de Bolsonaro, e a palavra de ordem de sua prisão iria se impor também. Tais bandeiras impostas pelas mobilizações de rua poderiam confiurar vitórias democráticas revolucionárias. As consequências de tais vitórias fortaleceriam o movimento de massas e dificultariam a aplicação das medidas econômicas e sociais da burguesia.

Levando em conta que o bolsonarismo poderia reagir nas ruas, o choque poderia produzir uma radicalização da luta democrática como nunca vimos no Brasil. Os capitalistas não querem esse cenário. Seu domínio seria muito mais difícil. Lula tampouco tem interesse na massificação. Um dos motivos foi citado acima e é amplamente conhecido: a queda de Bolsonaro mudaria o cenário, levando incerteza sobre quem Lula enfrentaria. Mas a massificação não produziria apenas essa alteração. Ela dificultaria as articulações de Lula com setores burgueses. Ela dificultaria a ideia que Lula quer transmitir: seu objetivo é a conciliação, não a luta de classes. Tornaria, por fim, muito mais difícil a conformação de um governo de colaboração com a burguesia. Lula sofreria pressão muito mais forte para fazer algo que nunca cogitou: ser o líder de um movimento de ruptura com os grandes capitalistas. Lula não vai aos atos pelo Fora Bolsonaro para mostrar simbolicamente sua estratégia e seus compromissos.

Então, embora tenhamos avançado na explicação dos motivos que levam certas forças sociais e políticas a não terem interesse em massificar em demasia as manifestações, não chegamos a responder totalmente a questão de por que não se massificaram mais. É claro que a falta de vontade das lideranças, sejam as direções e instituições burguesas sejam as direções burocráticas do movimento de massas, jogam seu papel. Elas têm peso, e suas políticas produzem efeitos desmobilizadores. Mas isso não explica tudo. Longe disso. É claro que se a Rede Globo não estivesse agora pautada, ainda que parcialmente, pela política de armistício de Temer e Bolsonaro, setores de classe média e mesmo setores populares poderiam se mover em maior número. Tal fato parece evidente. Mas não é da natureza da burguesia liberal chamar mobilizações. Não é o seu terreno. E agora não o está fazendo.

Mas e se Lula atuasse com mais peso na convocação dos atos? Explicamos também por que não faz. Mas e se fizesse? Certamente, o movimento teria mais força, maior número. Mas no caso de Lula, admitimos que seu poder de convocatória não é muito superior. Por isso, também vale adicionar outro fator na razão pela qual o movimento não atingiu a escala dos milhões: a falta de confiança das massas nessas mesmas direções. A falta de esperança não apenas de que sejam capazes de tirar Bolsonaro pela ação de rua, mas de que façam governos e mudanças que melhorem a vida do povo. Uma parte dês desses setores apoiava Lula. A maioria segue apoiando, mas eleitoralmente. Vota nele como mal menor, não com entusiasmo. Não o segue como líder capaz de chamar à luta. Não atende seu chamado. Vota nele. Mas não mais do que isso. Além disso, temos outros milhões de setores de massa que votaram em Bolsonaro e já romperam com ele. Afinal, foram quase 58 milhões. A grande maioria rompeu com o governo. Mas não aderiu a uma nova ideia. Não adquiriu confiança em lideranças novas nem retomou a confiança em direções, partidos e lideranças antigas. Milhões que votaram nulo tampouco confiam. Assim, temos uma massa de milhões que vive no descrédito. E o descrédito em si mesmo não move milhões, a não ser em situações excepcionais, de desespero ou de ataques muito visíveis aos seus interesses. Enquanto não surge algo novo, capaz de atrair as massas descrentes, esses setores tendem à paralisia. Se somamos os que apóiam Lula mas não têm entusiasmo, então se percebe o bloqueio às mobilizações de massas de milhões. Além de bloquear a ampliação das mobilizações, tais direções usaram sua força para evitar que as ações do movimento quebrassem a rotina, sendo realizadas não apenas como passeatas domingueiras (a última na Paulista nem passeata foi), mas durante a semana.

Tais conclusões são fundamentais para mostrar a necessidade da construção de um polo político novo, que priorize bandeiras Fora Bolsonaro e prisão para o genocida e seus filhos e incorpore, no bojo dele, medidas anticapitalistas. Esse deveria ser um lugar ocupado pelo PSOL. É apenas parcialmente, muito parcialmente. O desafio é fortalecer essa perspectiva. Tal caminho é intransigente na necessidade da mais ampla unidade de ação. Mas deve ser também da afirmação da necessidade de invenção do novo para que o entusiasmo volte a animar a política. E para que a política não seja apenas a reprodução dos interesses da burguesia e possa ser uma condição da emancipação.

Acerca das perspectivas, afirmamos que, mantida as atuais condições, a massificação dos atos parece ter encontrado seu limite. É preciso lutar para superar esses limites. É certo que as ações da extrema direita, as provocações do governo ou mais diretamente os ataques do governo às liberdades democráticas certamente teriam condições de serem respondidos com ações de massas contundentes, superiores a tudo o que se viu até agora. Mas não queremos atuar apenas no contra-ataque, por mais poderoso que acreditamos que possa ser. Devemos lutar para que as tendências desmobilizadoras produzidas pelos efeitos políticos das ações e omissões – e frustrações – provocadas por institucionais e direções tradicionais do movimento de massas sejam enfraquecidas e até revertidas. Lutar para que as mobilizações possam ser retomadas com novas energias.

De nossa parte, o esforço é para mobilizar já. O chamado ao PSOL para que se apresente como um projeto independente, combinando unidade de ação e apresentação de sua  própria linha programática, é nossa aposta para contribuir na criação do entusiasmo e da energia do movimento. E, assim, massificá-lo e/ou incrementar sua densidade e capacidade de explosão.


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