O que esperar da COP26?
Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/10/08/2020. Creative Commons.

O que esperar da COP26?

Nas ruas, há um movimento crescente que não espera das cúpulas fechadas a solução dos graves problemas ambientais e aposta na mobilização.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 4 nov 2021, 20:11

Começou nesta semana, em Glasgow (Escócia), a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, conhecida como COP26, em meio a um amplo debate mundial sobre as mudanças climáticas, o aquecimento global e seus efeitos para a humanidade. Estamos em meio a uma verdadeira catástrofe ambiental global. Se, há alguns anos, as distopias eram apenas para as séries de tevê e livros de ficção científica, hoje as preocupações são reais: nos últimos anos, tornaram-se comuns cenas de grandes incêndios florestais, inundações e secas, que têm levado a mortes, sofrimento e deslocamento de milhões de pessoas.

Bolsonaro boicotou a COP26. A representação brasileira na conferência será chefiada pelo desconhecido ministro Joaquim Leite, ex-assessor e sucessor do maior devastador da história do país, Ricardo Salles. A participação de Bolsonaro na reunião do G-20 em Roma apenas acrescentou mais uma vergonha internacional ao currículo do genocida que governa o Brasil. Nada será diferente na Conferência de Glasgow.

O Brasil na vanguarda da destruição

O Brasil é conhecido mundialmente por sua política ambiental destrutiva. O país, que teve um importante avanço – ainda que limitado – na Constituição de 1988, com o artigo 225, dedicado à preservação ambiental, foi palco da conferência Eco-92, no Rio de Janeiro, e hoje está na vanguarda da destruição da vida e do meio ambiente no mundo. O movimento indígena, por meio da APIB (Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros), levou uma delegação à COP26 para denunciar os vários ataques e retrocessos no país, afirmando em nota:

“Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos”.

Hoje, apenas 13% do solo brasileiro são destinados aos povos originários. O governo Bolsonaro desmontou todas as estruturas de proteção ambiental, como o ICMBio e Ibama. O corte de 93% da verba para pesquisas de mudanças climáticas e o congelamento do “Fundo Amazônia” foram outras decisões criminosas do governo. Em 2020, quase 11 mil km² foram devastados na Floresta Amazônica, um bárbaro recorde.

Além disso, a proposta, em discussão no STF, de estabelecer um marco temporal na demarcação de terras indígenas – contra a qual se insurgem os povos originários em luta – demonstra a força de latifundiários, garimpeiros, madeireiros e milícias rurais armadas para impor seus interesses às instituições estatais. Ao mesmo tempo, cresce a apologia ao armamento no campo, com Nabhan Garcia, o todo-poderoso da UDR, chefiando a secretaria de assuntos agrários do Ministério da Agricultura.

As consequências nefastas da política bolsonarista são vistas nos crimes da mineração, amplamente sustentada não só pelo governo, mas pelo conjunto da burguesia. Em 2020, houve um recorde na emissão de poluentes e gás carbônico no Brasil devido ao aumento do desmatamento e das queimadas, na contramão do que ocorreu na maior parte do mundo, que tiveram redução nas emissões no ano passado por conta das restrições trazidas pela pandemia. No âmbito internacional, o Brasil, sem dúvidas, tornou-se o campeão do negacionismo, levando a um isolamento sem precedentes, que resultou na demissão, às vésperas da COP26 de Oswaldo Lucon, coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, com a justificativa de que não há nenhuma interlocução do governo com a sociedade civil a respeito das questões climáticas e de meio ambiente.

O modelo em curso de reprimarização da economia leva o Brasil a tornar-se uma grande fazenda a ser explorada e devastada: eis a estratégia de “passar a boiada” anunciada por Ricardo Salles em 2020. É preciso esclarecer ao povo e à classe trabalhadora que essa política trará sérias consequências para a vida no país, onde já há mais de 20 milhões de pessoas passando fome, fruto de um modelo destrutivo e predatório, e em particular nas cidades brasileiras, como se vê no aumento das temperaturas e nas secas a cada ano mais intensas no Centro-Sul.

Não há planeta B: com Greta e Txai (índigena brasileira), organizar um grande movimento contra as mudanças climáticas

Nos temas gerais, o que deve ocorrer são duas conferências: a oficial e a das ruas. Na COP26 oficial, pouco se espera de solução para o principal problema – a emissão de gases estufa e o aumento da temperatura global. Há uma série de promessas de redução das emissões pelos maiores poluidores, mas poucas medidas palpáveis. A ONU afirma que, com o atual ritmo de emissões, o aumento da temperatura média global no fim deste século em relação aos níveis pré-industriais será de 2,7º C, quase o dobro da meta de 1,5º C – o que traria consequências imprevisíveis para a civilização humana.

A questão de fundo é que não existe uma solução definitiva sem uma mudança radical na matriz produtiva mundial, o que torna as propostas de criação de “mercados de carbono” e de “capitalismo verde” um engodo. Na realidade, o que se assiste é uma crise entre as grandes potências que não aceitam maiores restrições e nem financiar de fato a descarbonização de países em desenvolvimento.

Por tudo isso, muitos criticam a falação inócua dos dirigentes políticos. Nas ruas, por outro lado, há um movimento crescente que não espera das cúpulas fechadas a solução de tão graves problemas e aposta na mobilização. A jovem Greta Thunberg declarou que não se pode esperar nada das atuais condições de negociação dos interesses dos grandes países, o que é muito progressivo. Glasgow pode estar criando uma aliança entre os povos atingidos pelo desastre ambiental causado pela ganância da burguesia mundial, o que é fundamental, já que não existe um “planeta B”.

Espera-se que mais de 100 mil ativistas, vozes dissonantes de indígenas, movimentos feministas, negros, LGBTs e setores sindicais do próprio Reino Unido, manifestem-se durante os dias da COP26. Podemos estar, portanto, assistindo ao despertar de um movimento como foi, em seu tempo, o Fórum Social Mundial e o movimento antiglobalização. Ao menos, essa deve ser a aposta das forças anticapitalistas de todo o mundo. Como escreveu o marxista Michael Roberts, ao comentar a COP26:

“Tudo isso dependeria primeiro de as empresas de combustíveis fósseis se tornarem públicas e democraticamente controladas pelo povo, onde quer que haja produção de combustível fóssil. O setor de energia deve ser integrado a um plano global para reduzir as emissões e expandir a tecnologia superior de energia renovável. Isso significa construir uma capacidade de energia renovável 10 vezes maior que a atual. Isso só é possível por meio de investimentos públicos planejados que transferem empregos em empresas de combustíveis fósseis para empresas de tecnologia verde e ambientais”.

Nossa companheira Vivi Reis, deputada federal (PSOL-PA), está em Glasgow, acompanhando as movimentações em curso em busca da construção, a partir das necessidades do povo brasileiro e da realidade amazônica, de uma alternativa internacional ecossocialista. Nas ruas e por meio de alianças como a Assembleia Mundial da Amazônia, podemos apresentar a necessidade de um novo programa de transição, capaz de reverter os passos acelerados em direção à barbárie.


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