Com Alckmin a “carta ao povo brasileiro” está assinada

É necessária a apresentação do programa anticapitalista e independente do PSOL

Roberto Robaina 18 dez 2021, 14:53

A decisão de Lula e de Alckmin de fechar uma chapa comum já está muito avançada. As declarações públicas de cada um deles e as iniciativas conjuntas, como o jantar de 19 de dezembro, com centenas de convidados pagando caro para garantir uma mesa, são fatos que falam por si mesmos. Apenas alguns representantes de correntes de esquerda, descontentes com a fórmula, se iludem, ou tentam iludir, e insistem que a hipótese existe mas é pouco provável que se realize. Há poucos dias, diziam que nem a hipótese estava posta.

Não precisamos repetir nossa tese de que a tragédia de Bolsonaro provocou uma busca de massas que se desdobrou, primeiro, num forte movimento de rua para derrubá-lo, e que, agora, tende a ser canalizada para a resposta eleitoral a favor de uma alternativa capaz de vencê-lo. Lula sem dúvida alguma é este nome. Desde a retomada de seus direitos políticos, impossível sem que previamente uma parte importante do STF já não tivesse tal leitura em mente, notadamente Gilmar Mendes, o ex-presidente despontou na liderança de uma frente para retomar o governo nacional. Desde o início, Lula deixou claro que não se tratava de uma frente de esquerda. A partir de então, passou-se a chamá-la de frente ampla. Logo o nome aliança democrática deve ganhar mais peso.
A fórmula Lula/Alckmin é a concretização da política de Lula.

Ainda será objeto de discussão na esquerda o motivo pelo qual o movimento pelo Fora Bolsonaro não chegou à escala dos milhões e não teve força para derrotar o governo. Será uma questão de balanço político e até de análise histórica, tendo em vista que a possibilidade de queda de Bolsonaro pela ação direta das ruas foi encerrada. Mas algo ainda deve ser dito aqui, algo que todos sabem: o plano de Lula para a disputa presidencial foi enfrentar Bolsonaro, razão pela qual não apostou todas as suas forças no impeachment. Quem esteve envolvido no movimento foram os partidos que se reivindicam da classe trabalhadora. Quando o PT apertou o freio, o movimento não teve forças para seguir. Seja como for, o fato é que as mobilizações não ganharam a escala de milhões mesmo quando o PT estava engajado. As massas sofreram muitas decepções, muitas perdas de direitos e não viram nas ações de rua uma esperança real de mudança imediata dessa situação.

Quando o terreno eleitoral se abriu, as massas passaram a ter um lugar onde poderiam ser escutadas: as pesquisas de opinião. Em eleições, contam muito. Quando se trata de luta de rua, as pesquisas de opinião contam, mas não decidem. Quando a história se decide nas ruas, a escala de forças realmente impactante, capaz de grandes mudanças, é a de milhões. Alguns poucos milhões. Os setores mais conscientes do povo, quando entram em ação, decidem sua sorte e são capazes de provocar derrotas na classe dominante. Não é preciso a maioria, necessariamente. Nas ruas, alguns milhões representam as maiorias. As ditaduras do Cone Sul nos anos 80 caíram assim. No terreno das eleições, porém, a medida é de todo o povo, dos mais ativos e mais passivos, dos que são capazes de tomar as ruas e dos que ficam em casa aconteça o que acontecer. É o princípio do voto por cidadão. Não é o mesmo princípio das revoluções nem das contrarrevoluções. Em regimes democráticos burgueses, por exemplo, algumas vezes as burguesias convocaram rapidamente eleições para desativar processos revolucionários. Foi o caso em maio de 1968 na França. Muito mais vezes as burguesias usaram do expediente dos golpes e de métodos da contrarrevolução para inverter a política a seu favor. Assim foi no golpe militar de 1964, quando a burguesia impôs uma derrota histórica no movimento de massas, e em abril de 2016, no golpe parlamentar, em que a burguesia tirou o PT do poder sem impor à classe trabalhadora uma derrota histórica, até porque nem mesmo as organizações da própria classe trabalhadora escolheram aquela luta como sua luta decisiva. 

O fato é que, no Brasil, o regime político se mantém segundo o mecanismo democrático burguês de um voto por cidadão. Se nas lutas de rua, as pesquisas de opinião contam mas não decidem, nas disputas eleitorais, as pesquisas são decisivas. Quando se trata de eleição, as pesquisas vão decidindo as movimentações políticas das classes, das suas frações e dos seus partidos.  E nas pesquisas, o nome de Lula só foi ganhando escala. Eis a contradição que a burguesia brasileira queria evitar. Por isso, tanta tinta se usou pela tal terceira via. Como disse Leandro Fontes, eis que Lula também é a terceira via. Diante do trauma de Bolsonaro, a alternativa Lula ganhou tração e a própria burguesia a está aceitando e se mostrando capaz de administrar e realizar seus pactos e suas alianças. A decisão de Alckmin é a prova disso. Lula não precisará nem de sua “carta ao povo brasileiro” de agosto de 2002. A carta, vale lembrar, marcou o giro da direção do PT na direção de aceitar gerenciar os interesses do estado burguês brasileiro.

A ascensão de Lula nas pesquisas foi acompanhada por uma política sistemática de Lula no sentido de mostrar que faria a mesma experiência de 2003. Basicamente que retomaria seu projeto de governo de colaboração de classes. Suas viagens internacionais recentes foram o coroamento dessa apresentação. A fórmula com Alckmin é a expressão interna de seu discurso no exterior. A memória de milhões de beneficiados com as políticas sociais dos governos petistas, com estes mesmos milhões comparando sua sorte atual com o passado, combinada com a parcela também de massas com posições progressistas, de esquerda, centro esquerda, democráticas, consolidou a posição de Lula nas pesquisas e o transformou num plano de atração irresistível para parte razoável do sistema político, que quer seguir governando e já experimentou governar com Lula. As negociações com a burguesia só se aceleraram, e a decisão de Alckmin é a prova desse avanço. Afinal, estamos falando do político com mais peso nos governos burgueses do Estado de São Paulo dos últimos 30 anos. Apenas Fernando Henrique teve mais influência. Mas Alckmin era justamente seu gerente.

Diante de um cenário como esse, vale a pena o PSOL acordar de seu sono. Alguns de seus sonhos – de que Lula possa fazer um governo de esquerda, socialista ou anti capitalista – são posições infantis, que acabam caindo no oportunismo, quando não são diretamente oportunistas ao confundir uma ampla vanguarda política e social acerca dos partidos e dos seus programas. O PT não é um partido socialista. E o PT, como partido, tem uma posição média mais à esquerda do que a posição do próprio Lula. Lula não defende um programa de esquerda. Está claro que não pretende revisar nenhuma das reformas estruturais de Temer nem de Bolsonaro, ou seja, nem a Reforma Trabalhista nem a da Previdência. Não será um governo de ruptura com as poderosas empresas do agronegócio, portanto, não promoverá a Reforma Agrária. Isso não quer dizer que não tenhamos mudanças. O capitalismo está em crise e, mesmo nos países centrais, há lutas entre setores da própria burguesia para definir quais políticas o Estado deve levar adiante, qual o peso do próprio Estado, as prioridades de investimento, o papel da dívida pública, a questão democrática. Apenas aqui quero registrar que não se pode aceitar propagadores de ilusões.

A posição do PSOL não deve mudar em nada num ponto fundamental. O partido deve declarar o apoio ao nome de Lula no segundo turno das eleições, caso a eleição vá para o segundo turno. Nossa prioridade é a derrota de Bolsonaro e, se a eleição for para o segundo turno numa disputa de Lula contra Bolsonaro, as ruas terão um peso muito importante. A militância do PSOL deve lutar com todas as suas forças e certamente fará a diferença para mobilizar e politizar algumas centenas de milhares de ativistas. Mas o PSOL deve assumir seu programa anticapitalista no primeiro turno e apresentar seu nome. Glauber Braga, o combativo deputado carioca, é quem temos proposto. O partido deveria reunir urgente seu Diretório Nacional para deliberar nessa direção.

O PSOL apresentar seu programa nas eleições não é uma questão secundária. Não se trata apenas de ter acordo com o ditado popular de que time que não joga não tem torcida, mas da necessidade de que propostas para enfrentar a crise do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores sejam plantadas no país. Não apenas a defesa da taxação das grandes fortunas e a rejeição às privatizações, mas a defesa de um método de luta para se conquistar as grandes mudanças, do método da luta de massas, das passeatas, das greves, das ocupações de terra, no campo e na cidade, bem como da imprescindível auto-organização do movimento de massas. Quem vai defender nas eleições o método da mobilização como único caminho para a real mudança das condições sociais de vida senão o PSOL? Se hoje a relação de forças entre as classes sociais e o estado de espírito das massas não permitem que tal programa tenha o voto de muitos milhões, não nos isenta da responsabilidade de apresentá-lo. Tal apresentação vai ajudando no desenvolvimento da consciência. Nosso lugar decisivo na luta contra Bolsonaro nos deu mais autoridade para isso. Temos audiência para ser escutados. Nossa posição de apoio a Lula no segundo turno também permite esse diálogo com setores de massas. Nosso erro seria insistir de que a estratégia de Lula para ganhar as eleições está errada. Lula realmente sabe o que faz. Se fosse para construir um governo de esquerda, seu caminho seria totalmente equivocado. Mas não é esse o seu objetivo. Lula quer um governo social-liberal. Neste sentido, sua movimentação tem sido coerente e muito inteligente, o que é uma marca sua. O que aparecerá como infantilismo do PSOL é seguir pedindo, reivindicando ou exigindo de Lula para que assuma uma plataforma de uma frente de esquerda. Devemos reconhecer os fatos como são. Lula encabeçará uma frente democrática com a estratégia de realizar um governo social-liberal. Diante disso, contra Bolsonaro, devemos apoiá-lo no segundo turno. E, no primeiro turno, apresentar nosso programa e nosso candidato.


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Pedro Micussi