Dias travestis virão!
Nós, travestis e transexuais, estaremos na linha de frente das lutas por dias melhores, entendendo que a opressão transfóbica está diretamente ligada ao sistema capitalista.
O 29 de janeiro marca o Dia da Visibilidade Trans. A data possibilita uma reflexão sobre a situação da nossa população de travestis e transexuais no Brasil, país que mais mata a nossa comunidade. Por isso, faço uma provocação: quantas pessoas trans você conhece pessoalmente? Quantas travestis você vê diariamente no comércio e nas instituições de ensino?
Não é que nós não existimos, é que sempre fomos condicionadas à invisibilidade, às esquinas escuras onde somos requisitadas pelos pais de família que, muitas vezes, são os mesmos que nos oprimem durante o dia. Temos uma expectativa de vida de 35 anos. A ampla maioria precisa recorrer à prostituição para sobreviver.
Aos 33 anos, sei que sou uma exceção. Uma travesti devidamente empregada, com Ensino Médio completo e que conseguiu ter acesso, como vereadora suplente de Porto Alegre, a uma função pública é uma exceção à regra. Nem mesmo quando assumi o mandato de vereadora, por uma semana, me senti segura, tendo sofrido ofensas transfóbicas nas redes e comentários nem tão velados de outros parlamentares. Uma vereadora chegou a perguntar a alguém: “Ela é o que?”. Denunciei as agressões na internet à Delegacia de Combate à Intolerância, e neste mês recebi a notícia de que dois dos denunciados querem se retratar.
Nem mesmo durante esta Semana da Visibilidade Trans a transfobia deu uma folga. Ao denunciar no Instagram o desinteresse da prefeitura de Porto Alegre na aplicação de verbas ao Ambulatório Trans – que conta com emendas de R$ 500 mil da deputada Luciana Genro e de R$ 100 mil do vereador Roberto Robaina aguardando execução -, recebi mais um comentário transfóbico, onde um sujeito afirma que eu seria “apenas um homem querendo ser mulher a qualquer custo”. Prontamente registrei mais um B.O. na Delegacia de Combate à Intolerância.
A disseminação de discursos de ódio aumentou com a eleição de Bolsonaro. Suas declarações contra a população LGBT legitimam a violência. Mas não baixamos a cabeça. Foi uma derrota para o governo que a LGBTfobia tenha se tornado um crime. Bolsonaro não tem força para retirar nossos direitos, como o direito à adoção, ao casamento e à retificação de nome.
Esses avanços foram conquistas do movimento LGBT, em geral via Judiciário, diante da indiferença de governos e do conservadorismo do Congresso. Ainda temos muito o que avançar na construção de um mundo onde, como disse Rosa Luxemburgo, sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. E nós, travestis e transexuais, estaremos na linha de frente das lutas por dias melhores, entendendo que a opressão transfóbica está diretamente ligada ao sistema capitalista, que necessita de cidadãs e cidadãos considerados de “segunda categoria” para explorar uma mão de obra ainda mais precarizada e, com isso, extrair mais lucro. Ficou famosa a linda frase que diz: Dias mulheres virão. Pois eu também digo: Dias travestis virão!